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Estado de Minas GERAL

Soci�loga brilhante, Marina Harkot foi v�tima dos problemas que denunciava


10/11/2020 13:51

A soci�loga Marina Kohler Harkot, de 28 anos, era uma pesquisadora brilhante e de sorriso f�cil e sempre presente. Deixou irm�os, pais, companheiro, colegas de trabalho e muitos amigos que lamentaram um futuro cheio de possibilidades interrompido por mais um caso de viol�ncia no tr�nsito no Brasil.

Marina foi v�tima de um dos problemas sociais que denunciava e pesquisava no doutorado: como o medo impacta as experi�ncias territoriais de minorias na cidade. Pessoas pr�ximas acreditam que ela trafegava em uma das pistas de uma avenida da zona oeste paulistana - o que � previsto no C�digo de Tr�nsito - para evitar ser v�tima de assaltos frequentemente relatados por mulheres na ciclovia da regi�o.

O motorista que atropelou a pesquisadora n�o prestou socorro e fugiu do local do crime. Segundo a Secretaria da Seguran�a P�blica, policiais do 14� DP (Pinheiros) realizam dilig�ncias para localizar o autor, assim como buscam imagens, testemunhas e "demais elementos para esclarecimento dos fatos".

A jovem concluiu a gradua��o e o mestrado na Universidade de S�o Paulo (USP), institui��o em que era pesquisadora colaboradora, pelo LabCidade, e cursava o doutorado, ambos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAUUSP). Foi coordenadora do coletivo Ciclocidade, integrante do Conselho Municipal de Transporte e Tr�nsito de S�o Paulo, no segmento "bicicleta", e consultora em planejamento urbano, especialmente no desenvolvimento de Planos Diretores e pol�ticas de inclus�o das mulheres.

Cicloativista, havia passado a morar com o companheiro h� pouco tempo e adorava gatos. Falava cinco idiomas, foi escoteira na adolesc�ncia, morou na Alemanha e se considerava "carioca de nascimento e paulistana de cora��o". Aproximou-se da bicicleta na adolesc�ncia, em um breve per�odo em que morou no litoral, momento em que descreveu ter descoberto uma nova forma de liberdade.

"Uma vez que a gente come�a a pedalar, a gente n�o consegue conceber outro jeito de se deslocar", declarou em um f�rum tem�tico que participou virtualmente como convidada em 2020.

Em texto de anos atr�s, comentava que, ao pedalar, "percebeu que o jeito como as cidades foram constru�das t�m tudo a ver com quest�es enfrentadas pelo g�nero feminino nesse ambiente". "N�o cansa de tentar incentivar amigas, conhecidas e - sobretudo - desconhecidas a experimentarem a liberdade da bicicleta", descrevia-se.

No funeral, realizado na noite de domingo, 8, a m�e, Maria Claudia Kohler, foi at� � sacada e falou a ativistas que faziam uma homenagem. "Ela estava construindo uma casa, com um marido, um amor, uma vida futura, estudando, fazendo doutorado, viajada. Da� acontece essas coisas que a gente fica demolida", desabafou.

A soci�loga � descrita por colegas como companheira, doce, cheia de vida, sens�vel e sorridente. Era uma pesquisadora exemplar e uma mulher engajada pela constru��o de cidades mais humanas e igualit�rias.

"Marina brilhava onde chegasse. Era doce, mas ao mesmo tempo potente. Ela conseguia se colocar e se fazer ser ouvida em qualquer ambiente", lembra a social media Maysa Lira, de 24 anos, amiga da jovem. "J� estive presente em reuni�es 'en�rgicas' demais, e Marina estava sempre calma e did�tica", exemplifica.

Ela gostava muito de carnaval. Em S�o Paulo, frequentou v�rios desfiles do bloco A Espetacular Charanga do Fran�a. Quando foi ao Recife, insistiu em aprender a dan�ar frevo. N�o ganhou muito jeito para o ritmo, mas tentou entre gargalhadas suas e de amigos. Por l�, ainda dividiu a admira��o pelas m�sicas de Reginaldo Rossi.

H� tr�s anos, lamentou outro cicloativista passar por uma situa��o semelhante � que a vitimizou, que resultou na morte de Raul Arag�o, em Bras�lia. "A gente chora porque � a mesma hist�ria. Apesar de Mari ser muito importante para gente, todo dia morrem ciclistas no tr�nsito. S�o pessoas muito importantes para algu�m, mas que passam invis�veis."

Com mais esse caso, h� o temor de a situa��o n�o mudar. "Ontem recebi uma liga��o de uma amiga de Mari em prantos, me pedindo pra ter cuidado na rua, porque ela n�o queria que nenhum dos nossos fosse os pr�ximos", relata. "Eu nunca ouvi que um ciclista atropelou e matou algu�m. A minha amiga estava apenas pedalando e foi atingida por mais de uma tonelada. A gente s� quer sair e voltar vivo, sabe? � desesperador."

Especialista em Pol�ticas de Baixo Impacto, Walter De Simoni, de 34 anos, lembra que a jovem sempre buscava unir o conhecimento e a pesquisa acad�mica com o mundo real, aproximando realidades �s vezes vistas como paralelos. "Era uma pessoa que sempre fazia quest�o de trabalhar a inclus�o e intersec��o de qualquer tem�tica que tocava, com g�nero, ra�a, classe social. De uma maneira muito profunda."

"A gente perde muito com a voz dela sendo apagada de uma forma t�o cruel, t�o tr�gica, t�o cedo, quando estava s� no come�o de contribuir com essas mudan�as t�o necess�rias", ressalta. "Espero que a cidade que ela sempre sonhou a gente consiga transformar em realidade."

Contribui��o acad�mica

Orientadora de Marina no mestrado e no doutorado, Paula Santoro, coordenadora do LabCidade e professora da FAUUSP, lembra que a aluna se tornou uma refer�ncia na �rea por ter reunido dados de forma inovadora sobre g�nero e mobilidade por bicicleta. Juntas, elas criaram uma disciplina para alunos da gradua��o, de Cidade, G�nero e Interseccionalidade, e tinham planos para ampliar projetos para 2021, com discuss�es sobre territ�rios negros, de prostitui��o e da popula��o LGBT.

"A cidade n�o nos d� seguran�a. No caso da Marina, matou ela. O comportamento desse motorista, que fugiu, � o comportamento da nossa sociedade. � o �dio potencializado que ela queria mudar", descreve. "Ela n�o pode ser mais uma ciclista morta, mais uma bicicleta branca num lugar p�blico de S�o Paulo. � preciso convencer os nossos governantes para ter pol�tica de educa��o nos espa�os p�blicos, desde a escola, para que a gente possa compartilhar o espa�o", destaca.

Institui��es lamentam morte

A morte da soci�loga foi lamentada por institui��es diversas. Em nota, o LabCidade, disse que se trata de uma "perda inestim�vel" e que "n�o pode ser v�o". "Marina foi morta enquanto lutava. Pois sua luta n�o se separava da sua vida, do seu corpo em movimento de bicicleta pela cidade. E perdemos, junto com a ativista, uma companheira de vida, da vida que ela nos ajudava a enfrentar com novos olhos."

J� a FAUUSP destacou ter "certeza de que ela sempre ser� um exemplo para toda nossa comunidade uspiana e que suas lutas permanecem compartilhadas por todos n�s, mantendo viva sua presen�a".

Marina tamb�m foi estagi�ria na Rede de A��o Pol�tica pela Sustentabilidade (Raps), que lamentou o caso em nota. "Marina deu imensa contribui��o para os estudos na �rea de g�nero e mobilidade urbana, al�m de ter sido uma profissional competente e dedicada."

O Instituto Clima e Sociedade escreveu que o "falecimento de Marina n�o pode ser em v�o, e nossa melhor forma de homenage�-la � reafirmar o compromisso com a luta por uma cidade que respeite seus ciclistas e pedestres, causa defendida com tanto amor por ela".

Al�m dele, a Uni�o de Ciclistas do Brasil destacou que o ativismo da jovem "nos ofereceu uma presen�a e legados incr�veis" e seu empenho, constru��o e dedica��o ao cicloativismo paulista e nacional, sua contribui��o � hist�rica e importante, sua triste partida n�o ser� em v�o ou esquecida".

O Observat�rio do Clima, do qual Marina participou pelo grupo de trabalho G�nero e Clima, tamb�m se manifestou. "Era atuante no movimento cicloativista, na qual se dedicava � pauta da mobilidade urbana sustent�vel e ao debate acerca das mudan�as clim�ticas nas cidades atrav�s de um olhar de g�nero", descreveu, al�m de manifestar um "desejo profundo de que sua morte n�o fique impune".


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