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Estado de Minas GERAL

De v�tima de racismo a revisor do c�digo da PM


06/12/2020 16:00

Evanilson de Souza tinha 15 anos no dia em que foi abordado com o irm�o, um amigo e um primo por seguran�as. "Voc�s v�o ter de sair do shopping." O jovem negro, seus parentes e o amigo - um oriental - estavam de bermudas, motivo alegado pelos vigias para a ordem de expuls�o. "Ent�o, porque voc�s n�o tiram os brancos que est�o de bermuda aqui?", questionaram. Souza havia levado o primo, que morava no interior do Paran�, para conhecer o shopping, em Pinheiros, na zona oeste de S�o Paulo. "Queriam nos tirar dali porque �ramos negros. Foi racismo."

Hoje, 35 anos depois, Souza � tenente-coronel da Pol�cia Militar de S�o Paulo e o primeiro negro a comandar o 11.� Batalh�o da corpora��o, respons�vel pelo patrulhamento da �rea mais nobre da capital paulista, os Jardins, na mesma zona oeste. Recebeu ainda do comando uma nova miss�o: rever os procedimentos da corpora��o para combater o racismo nas ruas do Estado.

"Um branco n�o sabe o que � o racismo. Eu sei. Vejo o racismo no olhar de quem � racista", disse o oficial. Cat�lico, Souza foi designado para o grupo de trabalho que est� reformulando o manual de direitos humanos da PM. A corpora��o informa que decidiu que era preciso "avan�ar no est�mulo �s pr�ticas de combate ao racismo". A ideia � de que n�o basta "o policial n�o ser racista, ele tem de combater de maneira clara qualquer manifesta��o de racismo com a qual tenha contato no trabalho".

Ou seja, a ideia � acabar com posturas como a cultura do "deixa disso" diante de uma acusa��o de racismo, a tend�ncia de se contemporizar, por exemplo, com inj�rias raciais, como se o autor do crime tivesse agido "sem querer ofender". "O procedimento operacional ser� claro: o racismo n�o ser� tolerado", disse o tenente-coronel Souza. A atual vers�o do manual de direitos humanos da PM foi feita em 1998, ainda no governo de Mario Covas (PSDB) e dedica pouco mais de 20 linhas � quest�o racial e de g�nero no cap�tulo sobre igualdade. "Toda atitude deve buscar a igualdade e abominar a discrimina��o."

A decis�o de rever e aprofundar os procedimentos operacionais da pol�cia acontece em um momento em que a corpora��o � questionada pelo movimento negro a respeito de suas pr�ticas. H� den�ncias de abordagens desrespeitosas ou preconceituosas. O Comando da PM diz punir qualquer manifesta��o de racismo entre seus homens, mas alega que a institui��o n�o se encontra suspensa no espa�o. Ela est� inserida em uma sociedade onde o racismo � estrutural.

"Quem chama o policial e aponta o suspeito? Quem telefona para o 190 e diz que um negro � uma pessoa que est� em atitude suspeita?", diz o tenente-coronel. S�mbolo dos questionamentos enfrentados pela PM � o caso do advogado Sinvaldo Jos� Firmo. Em 2018, o Tribunal de Justi�a de S�o Paulo condenou o Estado a pagar indeniza��o de R$ 15 mil em raz�o de uma revista abusiva, feita em 2010 por policiais militares no filho do advogado, ent�o com 13 anos. "A pol�cia precisa ouvir quem � v�tima, pois ela precisa defender a todos na sociedade, indistintamente", afirmou o advogado, que � negro.

A PM n�o tem estat�sticas sobre os casos de inj�ria racial atendidos pelos seus homens no Estado. Em 2019, a corpora��o foi acionada apenas 15 vezes pela popula��o para atender den�ncias de racismo. Mas o comando acredita que essa cifra est� subestimada, pois muitos dos casos de inj�ria racial s�o registrados como inj�rias comuns ou como mero desentendimento entre as pessoas.

A corpora��o tamb�m n�o disp�e de n�meros sobre ocorr�ncias em que seus homens s�o v�timas de inj�ria racial. Ao todo, 44% dos pra�as da PM s�o pretos ou pardos; esse n�mero cai para 22% entre os oficiais intermedi�rios (tenentes e capit�es) e para apenas 12% entre os superiores, como os coron�is, demonstrando a desigualdade presente na sociedade.

Aulas

A PM firmou uma coopera��o com a Faculdade Zumbi dos Palmares e instituiu h� uma d�cada aulas de diversidade para a forma��o de seus homens. Para o advogado Sinvaldo, as medidas s�o ainda insuficientes. Ele enxerga nas abordagens feitas por iniciativa dos policiais um filtro racista. "Para que esses cursos deem frutos na pol�cia, seria necess�rio que desde o secret�rio da Seguran�a at� os comandantes de batalh�es participassem dessa reciclagem."

Dentro da corpora��o, o tenentecoronel Souza afirma n�o presenciar casos de racismo sem puni��o. Filho e neto de policiais militares, Souza disse sentir os efeitos do racismo na sociedade. "Fui mais abordado pela pol�cia antes de ser policial. Foram quatro ou cinco vezes." Na �poca, o jovem Souza pensava que n�o tinha feito nada para merecer ser abordado pela PM. "Depois, voltei a ser abordado, mas eu compreendi as raz�es da abordagem pela situa��o em que elas aconteceram", disse.

Cat�lico, o coronel conheceu sua mulher em uma comunidade da Igreja. Tiveram duas filhas. "N�s, negros, somos marcados e nos protegemos para n�o passar por constrangimentos", contou. Para o coronel, n�o h� d�vida de que h� racismo no Brasil. E muito. "Ele � estrutural. Quando um jornalista confunde o atleta de um clube com um pegador de bolinhas, como se esse fosse o �nico lugar do negro na sociedade, � o racismo que se manifesta ali. Esse olhar que designa o negro como subalterno � racismo." Para o coronel, a situa��o s� vai melhorar quando o fato de ele ser negro se tornar algo natural.

No come�o do ano, Souza foi a uma reuni�o do Conselho de Seguran�a dos Jardins. Ao chegar, viu que o representante da Guarda Civil n�o tirava os olhos dele. O guarda, que tamb�m era negro, se aproximou e sentou ao lado do oficial. "Vi que os olhos dele marejaram. Eu olhei para ele e disse: �Eu sei o que voc� est� pensando�. E ele me disse: �O senhor sabe, n�? Eu senti orgulho de sentar ao seu lado�." A tarefa do tenente-coronel Souza � agora tentar transformar a PM em mais um instrumento de transforma��o dessa realidade, dentro e fora dos quart�is.

Estat�sticas

A chance de um negro ser morto pela pol�cia em S�o Paulo � tr�s vezes maior do que de brancos e a possibilidade de ele ser detido em flagrante pela pol�cia � 2,9 vezes maior na capital do Estado. Os dados fazem parte da pesquisa "Policiamento Ostensivo e Rela��es Raciais: Estudo Comparado sobre Formas Contempor�neas de Controle do Crime", feita por pesquisadores de quatro Estados que participaram da an�lise - Universidade Federal de S�o Carlos (UFSCar), Universidade de Bras�lia (UnB), Pontif�cia Universidade Cat�lica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Funda��o Jo�o Pinheiro e do Escrit�rio das Na��es Unidas sobre Drogas e Crime (Unodoc).

De acordo com a professora Jacqueline Sinhoretto, da UFSCar, a pesquisa teve "como objeto investigar o modelo de policiamento ostensivo e suas rela��es com a seletividade da a��o policial com base em atributos raciais dos suspeitos de crimes". Os pesquisadores tamb�m entrevistaram paulistas, mineiros, ga�chos e pessoas do Distrito Federal para tratar de pris�es em flagrante e mortes em decorr�ncia de a��o policial. Pelos dados coletados pela pesquisa, "no Estado de S�o Paulo, considerando os dados entre 2008 e 2018, a taxa de letalidade policial por 100 mil habitantes negros � tr�s vezes maior do que a taxa por 100 mil habitantes n�o negros, mas pode chegar a ser sete vezes maior na capital, a depender do ano".

Ainda de acordo com os pesquisadores, a "an�lise de raz�o de chance indica que a probabilidade de ser morto pela pol�cia aproxima a experi�ncia dos pardos � dos pretos". "S�o grupos que se aproximam pela forma de tratamento, distanciando-se do que ocorre com o grupo de brancos." Os dados mostram que h� brancos mortos pela pol�cia, "mas n�o na mesma propor��o".

As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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