
Em meio a uma alta de 18% no pre�o das carnes em 2020, o consumo de prote�na bovina pelos brasileiros caiu no ano passado ao menor n�vel em mais de duas d�cadas.
Diante desse quadro, a expectativa de analistas � de uma nova queda no consumo interno de carne bovina esse ano, o que deve levar o acesso � prote�na preferida pelos brasileiros a n�veis anteriores � d�cada de 1990.
"Quem mais sofre nesse cen�rio s�o os consumidores", diz Rodrigo Queiroz, analista de mercado da Scot Consultoria, especializada em cota��es do agroneg�cio.
Consumo � o menor desde pelo menos 1996
Segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o consumo brasileiro de carne bovina foi de 29,3 quilos por habitante em 2020, uma queda de 5% em rela��o aos 30,7 quilos por habitante de 2019, ano em que o consumo j� havia recuado 9%.
O patamar de 2020 � o menor da s�rie hist�rica da Conab, que tem in�cio em 1996.
E representa uma redu��o de 13,5 quilos por habitante em rela��o ao ponto m�ximo da s�rie, de 42,8 quilos por habitante em 2006, durante o primeiro governo Lula (PT).
A Conab mede o chamado consumo aparente ou disponibilidade interna per capita, que � o volume produzido, descontadas as exporta��es e somadas as importa��es. O n�mero para 2020 � uma estimativa, j� que ainda n�o h� dados fechados para a produ��o pecu�ria no ano passado.

Os dados da Conab consideram apenas a carne bovina fiscalizada. Mas, considerando a produ��o informal, a tend�ncia � a mesma.
Segundo estimativa da consultoria Agrifatto, levando em conta a produ��o formal e informal, o consumo de carne bovina teria ca�do 11% em 2020, para 34 quilos por habitante, contra 38,2 quilos por habitante em 2019.
Pre�o da carne de segunda foi o que mais subiu
No ano passado, o pre�o das carnes subiu 17,97%, segundo o IPCA (�ndice Nacional de Pre�os ao Consumidor Amplo), bem acima da alta de 4,52% da infla��o em geral.
Dos cortes bovinos analisados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica), apenas o nobre fil�-mignon teve queda de pre�o em 2020, de 6,28%. J� a picanha (17,01%), o contrafil� (12,71%) e a alcatra (5,39%) ficaram mais caros no ano passado.
As carnes de segunda, mais consumidas pela popula��o de baixa renda, cujos rendimentos foram impulsionados pelo aux�lio emergencial em 2020, foram as que mais subiram, com alta de 29,74% da costela, aumento de 27,67% do m�sculo e avan�os de 26,79% e 20,75%, respectivamente, do cupim e do ac�m.
A alta das carnes nos supermercados acompanhou o aumento do pre�o do boi no campo.
A arroba do boi gordo fechou 2020 cotada a R$ 267,15, uma alta de 29% em rela��o ao final de 2019, segundo o Cepea da Esalq/USP (Centro de Estudos Avan�ados em Economia Aplicada, da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de S�o Paulo).
Somente nos primeiros 15 dias de 2021, o pre�o do boi gordo j� subiu 7,77%.
Falta gado e sobra demanda chinesa
"H� uma combina��o de fatores que explica a alta no pre�o do boi", diz Lygia Pimentel, diretora-executiva da Agrifatto. "O mais determinante � o ciclo pecu�rio: entre 2016 e 2018, n�s abatemos muitas f�meas no Brasil, com isso, o pre�o do bezerro subiu muito e diminuiu a oferta de gado pronto para entregar."
Desde o final de 2019, com o pre�o dos chamados animais de reposi��o (bezerro, boi magro e garrote) em alta, os produtores passaram a reter as f�meas nas fazendas para produzir novos animais. Com menos f�meas "indo para o gancho", na linguagem dos pecuaristas, a oferta de gado para abate ficou reduzida no ano passado e a tend�ncia � que a reten��o de f�meas continue ao longo desse ano, j� que o pre�o do bezerro segue nas alturas.
"O segundo fator importante certamente foi a China, porque, nos outros mercados compradores de carne brasileira — Egito, R�ssia, Chile, Estados Unidos —, houve retra��o", diz Pimentel, destacando ainda o papel da alta do d�lar nesse impulso �s exporta��es para a China, o que reduz a oferta de carne no mercado interno, levando � alta de pre�os.
A analista destaca que a participa��o do pa�s asi�tico nos embarques brasileiros de carne bovina chegou a 40,9% em 2020, comparado a 25,3% em 2019 e 6,5% em 2015.
E que, com esse impulso chin�s, a participa��o das exporta��es na produ��o total de carne bovina brasileira chegou a 28% no ano passado, contra 24% em 2019 e 19,3% em 2015.
Forte demanda da China ainda � reflexo da gripe su�na
O coronav�rus em 2020 tornou o quarto surto de gripe su�na da China em 2018 uma lembran�a distante. Mas � essa epidemia que ainda repercute na forte demanda chinesa por prote�nas.
"Ainda n�o houve resolu��o para a peste su�na africana. Ningu�m sabe o n�mero exato, mas se estima que ela dizimou entre 40% e 60% do plantel de su�nos na China, isso representa mais ou menos um ter�o da produ��o de carne de porco do mundo", diz Rodrigo Queiroz, da Scot Consultoria.
Com essa redu��o na oferta de su�nos, os chineses t�m consumido mais frango e carne bovina, da� o forte aumento da demanda naquele pa�s.
Al�m desse fator conjuntural, tamb�m contribu�ram para o crescimento das importa��es pela China o fato de ela ter sido a �nica grande economia do mundo a registrar crescimento em 2020, mesmo em meio � pandemia do coronav�rus, e um fator mais de longo prazo, que � o gradual aumento de renda da popula��o chinesa, o que resulta em maior consumo de prote�nas mais caras, como � o caso da carne bovina.
Quem se beneficia da alta de pre�os?
Segundo os analistas, a alta de pre�os do boi gordo tem impacto distintos na cadeia pecu�ria.
Os pecuaristas que trabalham com engorda e recria chegaram a perder margem no ano passado, j� que o farelo de soja subiu 100%, o milho subiu 70% e o bezerro, mais de 80% dependendo da categoria.
"Por mais que o boi tenha subido de pre�o, os custos de produ��o variaram acima", observa Pimentel, da Agrifatto. Segundo ela, pecuaristas que trabalham com o ciclo completo — produzindo o bezerro, engordando ele e vendendo o boi dois anos depois - tiveram margens melhores, porque seu estoque se valorizou.
J� entre os frigor�ficos, a diferen�a est� entre os pequenos dedicados ao mercado interno e os maiores, com certifica��o para exportar.
"O frigor�fico que trabalha exclusivamente com o mercado dom�stico foi muito prejudicado em 2020, porque o pre�o do boi gordo subiu muito e o pre�o da carne no atacado n�o acompanhou na mesma medida, ent�o ele perdeu margem."
Segundo Paulo Bellincanta, presidente do Sindifrigo-MT (Sindicato das Ind�strias de Frigor�ficos de Mato Grosso), foram muitos os frigor�ficos que precisaram fazer ajustes para sobreviver ao ano passado.
"Toda ind�stria tem uma linha de equil�brio de produ��o, com uma s�rie de custos fixos. Quando o abate fica muito abaixo da capacidade da empresa, aumenta o custo no produto final, isso se reflete nesse pre�o maior que estamos vendo na ponta, com a carne mais cara para o consumidor", diz Bellincanta, que estima que a ociosidade da ind�stria frigor�fica esteve entre 15% e 25% ao longo de 2020, sendo que o normal � uma folga em torno dos 10%.
E o que esperar para 2021?
No ano que se inicia, as perspectivas n�o s�o melhores, j� que a renda e a demanda do brasileiro devem diminuir, mas os pre�os da carne tendem a continuar em alta, devido � escassez de oferta e � forte demanda externa.
"Com o desemprego acima dos 14% e a extin��o do aux�lio emergencial, o consumidor brasileiro de baixa renda vai para prote�nas alternativas, como ovo, frango e su�no, que tamb�m est�o com valores altos, mas a carne bovina � a que mais sente quando o poder aquisitivo da popula��o diminui", diz Queiroz, da Scot Consultoria.

"Esperamos uma nova queda do consumo per capita de carne bovina esse ano, voltando a patamares antigos, de 20, 30 anos atr�s", completa.
O pesquisador Thiago Bernardino de Carvalho, do Cepea, estudou em sua tese de mestrado a rela��o entre varia��o de renda e consumo de carnes.
"O consumo de qualquer tipo de alimento de valor agregado maior � determinado por renda, pre�o e prefer�ncia", diz Carvalho. "A carne bovina de primeira � a que tem maior elasticidade entre as carnes, em torno de 0,6. Ou seja, se a renda aumentar 10%, o gasto com carne bovina de primeira aumenta 6%. Para carne de segunda, a elasticidade � de 0,2."
"Nesse primeiro semestre, com o fim do aux�lio, o consumo cai no mercado brasileiro, sem sombra de d�vida", diz o pesquisador, ponderando que o quadro pode ser melhor na segunda metade do ano, caso a economia venha a se recuperar, levando a um aumento da renda.
O problema n�o acaba em 2021
Pimentel, da Agrifatto, avalia que os pre�os das carnes devem permanecer pressionados pelo menos at� a metade de 2022, por conta do ciclo pecu�rio. "A baixa oferta de boi gordo n�o � algo que se consegue resolver de imediato. A produ��o de bovinos � plurianual, come�a a produzir hoje, para entregar esse animal daqui dois, tr�s, quatro anos. Ent�o demora."
J� Bellincanta, do Sindifrigo-MT, avalia que, mesmo quando houver aumento da oferta de gado, os pre�os da carne bovina n�o voltar�o aos n�veis do passado, devido a mudan�as na ind�stria pecu�ria que tornaram o processo de produ��o mais custoso.
"O Brasil, a cada dia que passa, tem menos animais sendo terminados a pasto. O grande rebanho brasileiro hoje � terminado em confinamento", diz o empres�rio. "H� cerca de dez ou 15 anos atr�s, havia menos de 20% de animais terminados a cocho, hoje � mais da metade. Esses animais comem gr�os, e por isso s�o finalizados em 18 a 24 meses, comparado a tr�s a quatro anos quando o animal era solto no pasto."
"Ent�o teremos uma prote�na mais cara sem data, n�o h� volta nesse processo. A arroba do boi ganhou valor e ter� oscila��es, mas estar� sempre em novo patamar."
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