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Estado de Minas CORONAV�RUS

COVID-19: epidemiologista perde pai que 'preferia acreditar no WhatsApp'

Epidemiologista Maria Cristina Willemann relata a dor da morte do pai, de 65 anos, que ignorou cuidados relacionados ao novo coronav�rus


20/01/2021 09:57 - atualizado 20/01/2021 11:10

(foto: ARQUIVO PESSOAL )
(foto: ARQUIVO PESSOAL )
Desde os primeiros casos confirmados do novo coronav�rus no pa�s, no fim de fevereiro de 2020, a enfermeira e epidemiologista Maria Cristina Willemann tem alertado os moradores de Santa Catarina sobre a import�ncia de adotar medidas para conter a propaga��o do v�rus.

Com mestrado e experi�ncia em epidemiologia (�rea que estuda o processo de doen�as em popula��es e prop�e estrat�gias para control�-las), ela tem sido entrevistada por diversos ve�culos de comunica��o desde o come�o da pandemia.

Em 10 de agosto, por exemplo, Maria Cristina fez um alerta sobre o avan�o do novo coronav�rus em Santa Catarina em uma reportagem do Jornal Hoje, da Rede Globo.

"� importante que a popula��o entenda que n�s ainda estamos em franca expans�o da pandemia em nosso Estado e � preciso tomar cuidado. N�o frequentem locais que n�o estejam adequados. N�o frequentem locais onde pode haver qualquer aglomera��o de pessoas", disse em entrevista ao telejornal.

No dia seguinte ao alerta dado no telejornal, a profissional de sa�de vivenciou as consequ�ncias da covid-19 em sua pr�pria fam�lia: o pai dela, o aposentado Cesar Willemann, de 65 anos, foi internado em estado grave com a doen�a. Dias depois, ele morreu.

Para a epidemiologista, a situa��o do pai ilustra os riscos da falta de preven��o � doen�a causada pelo novo coronav�rus. Segundo ela, o aposentado contraiu o Sars-Cov-2 (nome oficial do v�rus) porque n�o seguiu as orienta��es sanit�rias dadas pela pr�pria filha.

"� muito frustrante saber que estou desde o come�o da pandemia trabalhando para evitar o adoecimento das pessoas, mas n�o consegui convencer o meu pr�prio pai a seguir as medidas adequadas. � um misto de frustra��o e raiva", desabafa Maria Cristina em entrevista � BBC News Brasil.

A desinforma��o durante a pandemia

Nas primeiras semanas da pandemia, em mar�o, Cesar ficou isolado em casa junto com a esposa, em Lages (SC). Maria Cristina conta que a como��o mundial em decorr�ncia do novo coronav�rus preocupou o pai. Nos meses seguintes, por�m, ele voltou a sair de casa.

"Aos poucos, ele foi voltando � rotina normal. Como ele sa�a de casa v�rias vezes e n�o pegava o coronav�rus, pode ter pensado que n�o pegaria em nenhum momento. Ent�o, cada vez mais foi voltando �s atividades de antes", diz a epidemiologista.

Maria Cristina acredita que not�cias negacionistas sobre o novo coronav�rus, compartilhadas massivamente no WhatsApp e nas redes sociais, fizeram com que o pai duvidasse dos riscos da covid-19.

"Acho que muitas pessoas morrem por pensar, como o meu pai, que n�o vai acontecer com elas. Essas pessoas podem pensar que est�o protegidas de alguma forma, acreditam que algum tratamento funciona ou pensam que h� uma imunidade de rebanho que ir� proteg�-las", declara a epidemiologista.

Em rela��o � imunidade coletiva da covid-19, pesquisadores apontam que ela somente existir� quando grande parte da popula��o for vacinada contra o novo coronav�rus.

E em rela��o aos tratamentos que circulam pela internet e costumam ser defendidos at� mesmo por profissionais de sa�de, entidades m�dicas apontam que n�o h�, at� o momento, rem�dio eficaz para a covid-19. Os medicamentos recomendados por especialistas no momento, que n�o incluem cloroquina, ivermectina ou azitromicina, servem somente para amenizar os sintomas, como febre ou tosse.

C�sar acreditava que a cloroquina, defendida intensamente pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo Minist�rio da Sa�de, poderia salv�-lo da covid-19. Por�m, a filha tentava alert�-lo que os estudos comprovam que o medicamento n�o ajuda pacientes com o novo coronav�rus e explicava que as entidades m�dicas n�o recomendam o rem�dio contra o Sars-Cov-2.

"Por mais que eu falasse tudo pelos crit�rios cient�ficos, ele preferia acreditar nas conversas dos amigos, nas mensagens de WhatsApp... Ele pensava: se para tudo tem um tratamento, por que para a covid n�o vai ter?", relata a epidemiologista.

"Ele recebia as informa��es falsas, como sobre a cloroquina, pelo WhatsApp, que era o meio de comunica��o que ele mais usava. Por mais que dissessem na televis�o que n�o tinha evid�ncia cient�fica sobre a cloroquina, ele preferia acreditar no WhatsApp", acrescenta Maria Cristina.

Segundo a epidemiologista, o aposentado n�o se considerava um fiel seguidor do presidente. "Mas como a maioria da popula��o, o meu pai acreditava nele (Bolsonaro). Ele via as coisas que o presidente falava em defesa da cloroquina e acreditava", diz.

Para ampla maioria dos especialistas, Bolsonaro atrapalhou o combate � pandemia. Desde os primeiros casos no pa�s, o presidente mostrou-se contr�rio �s medidas recomendadas por especialistas para conter a propaga��o do coronav�rus. Por diversas vezes, ele criticou o isolamento social, atacou o uso de m�scaras e desdenhou da CoronaVac, que nesta semana se tornou a primeira vacina a ser aplicada no pa�s.

Levantamentos apontam que as medidas de isolamento social foram seguidas em menor escala por aqueles que deram ouvidos � postura negacionista de Bolsonaro. Um exemplo dessa situa��o foi demonstrado no estudo "Ideologia, isolamento e morte: uma an�lise dos efeitos do bolsonarismo na pandemia de covid-19", abordado em reportagem da Folha de S.Paulo em meados do ano passado.

O levamento, divulgado em junho por pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC), da Funda��o Get�lio Vargas e da Universidade de S�o Paulo, apontou que a taxa de isolamento social diminuiu e mais pessoas morreram proporcionalmente nos munic�pios que mais votaram em Bolsonaro em 2018.

O bar do domin�

Na regi�o em que morava, C�sar era considerado um dos melhores jogadores de domin�. Durante a pandemia, conta Maria Cristina, ele continuou frequentando um bar para praticar a atividade. A filha acredita que foi justamente isso que fez com que o idoso contra�sse o coronav�rus.

"Tenho plena convic��o de que ele contraiu o coronav�rus no bar. Soube que muitos frequentadores do local tamb�m adoeceram no mesmo per�odo, porque (entre o fim de julho e o come�o de agosto) foram semanas de alt�ssima transmiss�o do v�rus em Lages", diz a epidemiologista.

"O bar era um local fechado, com algumas janelas abertas. Havia uma placa que dizia que o uso da m�scara era obrigat�rio, mas n�o era isso que acontecia na pr�tica, porque as pessoas bebiam e jogavam ao mesmo tempo. O meu pai, com certeza, jogava sem m�scara", acrescenta Maria Cristina.

Ela comenta que ainda que estivesse com m�scara, Cesar n�o se preocupava em us�-la adequadamente. "Ele se sentia incomodado e deixava o nariz pra fora", relata.

Em 9 de agosto, o aposentado passou o Dia dos Pais sem abra�ar as duas filhas. Ele ficou isolado, porque estava com sintomas da covid-19, como dores fortes nas costas e cansa�o extremo. Mas o aposentado n�o reclamou da situa��o para Maria Cristina. "Talvez encarar a filha epidemiologista, que tanto assustou, brigou, gritou, chorou e implorou para que ele se cuidasse n�o estava nos seus planos", desabafa a epidemiologista.

A m�e de Maria Cristina tamb�m apresentou sintomas da covid-19, mas n�o desenvolveu quadro grave. "Os meus pais n�o contavam muito sobre o que faziam, mas eles j� estavam indo a v�rios lugares. O meu pai era o que mais sa�a. Eles n�o me falavam sobre isso porque tinham medo de que eu brigasse", diz a epidemiologista.

'Frustrada profissionalmente e individualmente'

Os sintomas de Cesar se intensificaram em 11 de agosto. Ele precisou ser internado. Os exames apontaram que quase 50% dos pulm�es dele haviam sido comprometidos. Posteriormente, os m�dicos confirmaram que ele havia sido infectado pelo novo coronav�rus.

A situa��o do idoso se agravou. Maria Cristina comenta que o pai chegou a criticar o fato de n�o ser tratado com a cloroquina. "N�o usaram a cloroquina com ele porque n�o havia evid�ncia sobre a efic�cia dela. Adotavam apenas como teste, em alguns casos, e o meu pai n�o tinha boa condi��o de sa�de para isso (para usar o medicamento), porque ele consumia muita bebida alco�lica e tinha comprometimento no f�gado", relata.

Al�m de ser idoso, C�sar tamb�m era obeso e tinha press�o alta — fatores de risco para a covid-19. "Mas ele poderia viver muito tempo ainda, caso n�o tivesse sido infectado pelo coronav�rus. Esses problemas de sa�de que ele j� tinha n�o o levariam assim, t�o novo, t�o r�pido e t�o friamente. Os pais dele t�m 95 (o pai) e 89 (a m�e) e ainda est�o aqui", diz a epidemiologista.

Dias depois de ser internado, o idoso foi intubado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Por 12 dias, ele lutou pela vida. "Eu tinha esperan�as e rezava para que ele se recuperasse. Por�m, era s� analisar os dados para saber que ele tinha todos os fatores de risco de �bito: idade de risco, homem, obeso, comorbidade e comprometimentos causados pelo consumo de �lcool", relata Maria Cristina. Em 25 de agosto, o aposentado morreu.

Ele foi enterrado em caix�o fechado, sem direito a vel�rio ou qualquer despedida — medida adotada para evitar a propaga��o do coronav�rus.

"Os amigos que ele tanto cultivou n�o se despediram. E eu tamb�m n�o falei com ele. Sinto que ele se foi muito bravo comigo, por eu ter feito um estardalha�o para que ele fosse internado, mesmo ele n�o querendo e achando que estava bem. Mas eu sabia que ele estaria bem assistido na interna��o. Por�m, isso n�o bastou (para salvar o idoso)", emociona-se Maria Cristina.

O �ltimo encontro dela com o pai foi em julho, quando a epidemiologista, que mora em Florian�polis, passou duas semanas em isolamento junto com o filho e o marido para que pudesse viajar para Lages, na serra catarinense.

Apesar dos impasses em rela��o aos cuidados referentes � covid-19, Maria Cristina comenta que o pai demonstrava orgulho da carreira que ela seguiu na �rea da sa�de. Ela, que hoje tem 35 anos, se formou em Enfermagem aos 22, depois se especializou em epidemiologia e hoje � considerada uma das refer�ncias na �rea em Santa Catarina.

"O meu pai sempre gostava de falar de mim para as outras pessoas. Mas ele n�o entendia direito o que era a epidemiologia e me pedia para escrever certinho o que era para poder explicar para os outros", relembra, emocionada, a profissional de sa�de.

Ao falar sobre as circunst�ncias da morte do pai, Maria Cristina afirma que se sente frustrada "profissionalmente e individualmente". "Do que adianta estudar tanto e n�o conseguir evitar que ele adoecesse?", se questiona a epidemiologista.

"As desinforma��es nas redes deturpavam todas as medidas que eu falava para o meu pai adotar. N�o d� para competir (com fake news). As pessoas acreditam naquilo que querem. Essa confus�o de comunica��o de risco que temos no Brasil matou o meu pai", diz Maria Cristina.


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