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Estado de Minas

O preju�zo dos trabalhadores sem o 'maior bloco de Carnaval do mundo'

Um ano sem o Galo da Madrugada significa menos dinheiro no bolso de milhares de pessoas: de m�sicos a costureiras, de donos de camarote a catadores de lixo


13/02/2021 17:15


Todo m�s de mar�o, Enely da Silva j� pensa no pr�ximo fevereiro. 11 meses antes de o Galo da Madrugada encher as ruas do Recife de gente, a costureira de 66 anos j� come�a a planejar, desenhar e fazer as contas para o pr�ximo carnaval.

Para 2021, os valores j� estavam at� no papel: os cerca de R$ 16 mil que esperava receber durante o Carnaval ajudariam filhos desempregados, na reforma da casa e at� na compra de um terreno perto da praia.

"Toda vez que chego na varanda aqui de casa, eu tenho vontade de chorar. J� daria pra ver as arquibancadas, a decora��o, o povo trabalhando nas ruas", diz Enely, com a voz embargada, � BBC News Brasil.

Pela primeira vez nos seus 43 anos de hist�ria, o "maior bloco de Carnaval do Mundo", como foi registrado no Guiness Book em 1994, n�o vai desfilar. Em dezembro, o governo de Pernambuco cancelou oficialmente a festa, em raz�o da pandemia de covid-19.

A transmiss�o do novo coronav�rus no pa�s nunca chegou a ser controlada e tem piorado nos �ltimos meses. Em janeiro, o Brasil voltou a superar a marca de mil �bitos por dia, um patamar registrado ent�o pela �ltima vez em setembro. At� esta quinta (11/02), haviam sido contabilizados 236,2 mil mortos e mais de 9,7 milh�es de casos.
A costureira Enely da Silva vai deixar de arrecadar R$ 16 mil com o Galo da Madrugada(foto: Arquivo pessoal)
A costureira Enely da Silva vai deixar de arrecadar R$ 16 mil com o Galo da Madrugada (foto: Arquivo pessoal)

"Vai ser o s�bado mais triste da hist�ria do Recife", lamenta Enely, moradora do bairro de S�o Jos�, onde o bloco nasceu como uma celebra��o de amigos e passou a ser s�mbolo e fonte de renda de toda uma regi�o.

Estima-se que o Galo receba, todos os anos, at� 2 milh�es de pessoas ao longo de seus seis quil�metros de percurso pela capital pernambucana.

Um ano sem o bloco na rua significa menos dinheiro no bolso de milhares de pessoas: de m�sicos a costureiras, de donos de camarote a catadores de lixo.

Ao todo, o principal bloco do Recife mobiliza 4 mil pessoas contratadas diretamente apenas para o dia do desfile, segundo a organiza��o.

Seu tamanho colossal acaba movimentando milh�es de reais, tanto em patroc�nios diretos quanto em trabalhos tempor�rios na economia local, como bares, hotelaria, trios el�tricos, entre outros setores.

O valor exato desse montante � incerto — o presidente da agremia��o, R�mulo Meneses, 71, prefere n�o falar em n�meros.

"Nesse ano, toda uma cadeia de produ��o vai ser afetada. S� de m�sicos s�o cerca de mil pessoas. O Galo movimenta muita gente, desde pessoas que alugam casas para foli�es at� as empresas de eventos", revelou Meneses.

'Preju�zo financeiro e emocional'

O dia do Galo da Madrugada tem seu ritual: come�a com um caf� da manh�, a partir das 7h, para dar as boas-vindas ao desfile.

Os carros aleg�ricos enfeitados com o tema do ano s�o os primeiros a entrar na avenida. Depois, s�o quase 30 trios el�tricos percorrendo as ruas at� as 18h.

Quatro deles pertencem � Status, empresa familiar que desde os anos 1980 aluga os ve�culos para o bloco. Segundo a empres�ria Flaviane Souza de Moura, 35, o Carnaval representa 90% do faturamento do ano.

Ela conta que, no in�cio da pandemia, a empresa aderiu a uma ajuda financeira do governo federal para sobreviver por oito meses. Segundo o acordo para participar do programa, a Status agora precisa manter seus 21 funcion�rios pelo menos at� setembro.

"Quando come�ou a pandemia, a gente jamais imaginava que n�o teria Carnaval, por isso participamos do projeto de aux�lio do governo. Mas, agora, sem o Carnaval, estamos lutando para que a empresa n�o feche. O preju�zo financeiro e emocional � enorme. Meu sentimento � uma dor no cora��o", diz a empres�ria, que tentou participar de outro programa de cr�dito para o setor, mas n�o foi selecionada pela institui��o financeira que atua na �rea.

'Tesouro compartilhado'

Fundado como um bloco familiar, em 1977, o Galo quis reviver os antigos carnavais de rua, mas acabou se tornando o maior s�mbolo da festa em Pernambuco: "Nunca imagin�vamos o quanto ele cresceria. Ele come�ou a dobrar de tamanho todo ano, at� chegar ao que conhecemos hoje", conta R�mulo Meneses, fundador e presidente.

Quem estava desde o come�o tamb�m era Enely. Primeiro, como foli�, e hoje, como parte da cadeia produtiva em torno do bloco.

Suas m�quinas de costura come�am a trabalhar pra valer todo m�s de outubro. Das m�os dela e de ajudantes, saem as fantasias do coral, de m�sicos e at� da diretoria.

"Este ano, eu tive que apertar tudo, cancelar planos, compras. Mas eu ainda tenho minha aposentadoria [como atendente de telemarketing]. Tem gente aqui no bairro que n�o vai ter o que comer".

Enely encara o bloco como um "tesouro" local que � compartilhado com milhares de pessoas.

Quase todos vizinhos ganham dinheiro de alguma forma, durante o desfile, diz a costureira. Um vende gelo, outro refrigerante, uns alugam os im�veis, outros o estacionamento…

"� uma f�brica de dinheiro. Este ano, � s� tristeza aqui".

"Sinto um aperto no peito com o que estamos vivendo. Estou pedindo a Deus todos os dias que n�o me deixe cair na depress�o diante de tudo isso."

O ciclo 'completo' das perdas
O cancelamento do carnaval fecha um ciclo ingl�rio de preju�zos no setor de eventos do Recife.

O primeiro baque foi nas festas juninas, o segundo nas do final do ano e, agora, o primeiro "carnaval" na pandemia.

"O ganho do setor foi zero, fomos o primeiro a parar e seremos o �ltimo a voltar", diz Kenyo Lapenda, criador de uma das maiores plataformas para venda de ingressos de Pernambuco, a Ingresso Prime.

Antes da pandemia, a empresa tinha 16 funcion�rios — hoje, sobraram quatro. O desfile do Galo da Madrugada � um dos melhores momentos para o setor em Pernambuco.

Al�m do cortejo p�blico, s�o mais de 40 camarotes privados em terrenos, postos de gasolina e estacionamentos no caminho do Galo. Alguns re�nem mais de 10 mil pessoas, com atra��es de peso e ingressos na casa das centenas de reais.

Em 2020, s� na Ingresso Prime, foram movimentados cerca de R$ 15 milh�es de reais no per�odo de carnaval — desse montante, R$ 6 milh�es envolviam apenas o Galo.

A pr�pria organiza��o do Galo da Madrugada tem 18 funcion�rios contratados durante todo o ano — por ora, os efeitos econ�micos da pandemia n�o afetaram esses empregos.

Para Meneses, por�m, um ano sem Galo da Madrugada � um ano "vazio". "�s vezes me pego pensando se isso � mesmo verdade. Estou me sentindo a�reo, meio dopado, meio vazio, com uma tristeza muito grande. Ao mesmo tempo, precisamos pensar em formas de mitigar esses efeitos", diz.

Sem o desfile na rua, este ano o bloco vai realizar algumas lives nas internet. Uma delas tamb�m ser� transmitida pela TV. O bloco tamb�m est� realizando campanhas de doa��es para arrecadar dinheiro e alimentos para os profissionais afetados pelo cancelamento.

Na �ltima ter�a-feira, 9, o prefeito do Recife, Jo�o Campos (PSB), anunciou um aux�lio emergencial destinado apenas a trabalhadores da cultura afetados pelo cancelamento do carnaval.

O projeto, que segue para a C�mara dos Vereadores, quer destinar R$ 4 milh�es para cerca de 160 agremia��es com sede na cidade e 900 atra��es art�sticas, entre cantores, bandas e orquestras que se apresentaram no Carnaval de 2020.


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