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Estado de Minas ABOLICIONISTA

A descoberta do t�mulo de Drag�o do Mar, jangadeiro cearense que ajudou a derrubar a escravid�o no Brasil

Paradeiro do t�mulo de Francisco Jos� do Nascimento era desconhecido at� recentemente, mas foi localizado por historiador em cemit�rio de Fortaleza


13/02/2021 21:27 - atualizado 14/02/2021 08:56

Durante parte do ano passado, o historiador Lic�nio Nunes de Miranda percorreu diariamente os corredores com 15 mil t�mulos no cemit�rio S�o Jo�o Batista, no centro de Fortaleza. Buscava um jazigo espec�fico: o de Francisco Jos� do Nascimento, um abolicionista conhecido como Drag�o do Mar, her�i da derrubada da escravid�o no Cear�, em 1884, quatro anos antes da Lei �urea.

No dia 21 de julho, finalmente Lic�nio encontrou uma pequena constru��o j� deteriorada pelo tempo, onde se l� "Descanso eterno do major Francisco Jos� do Nascimento".

"Para mim foi uma surpresa maravilhosa", conta Lic�nio. "Eu estava de frente com um her�i nacional que estava esquecido, um s�mbolo da luta contra a escravid�o."

A busca pelo t�mulo do Drag�o do Mar, cujo paradeiro era desconhecido h� muitos anos, faz parte do doutorado do historiador na Universidade da Fl�rida, nos Estados Unidos. O nome, a data da morte e uma refer�ncia � esposa do jangadeiro — informa��es inscritas em uma placa —, apontam que o jazigo de fato pertence ao abolicionista.

A descoberta foi noticiada por jornais de Fortaleza no final do ano passado, mas ganhou relev�ncia internacional h� duas semanas, quando a hist�ria foi publicada no site da universidade americana.

Nos �ltimos dias, o historiador deu entrevistas � r�dio NPR, emissora p�blica dos Estados Unidos, e para TVs e revistas especializadas em Hist�ria.

Lic�nio pesquisa a trajet�ria do abolicionismo no Cear�, a primeira prov�ncia do Brasil a abolir a escravid�o.

Drag�o do Mar, um jangadeiro que trabalhava no porto de Fortaleza, foi uma figura important�ssima nessa luta precursora.

Ele liderou a �ltima de quatro greves que os trabalhadores do porto realizaram em 1881. O movimento se recusava a transportar negros escravizados que seriam levados para outras prov�ncias.

"Os trabalhadores, muitos deles rec�m-libertos, j� estavam cansados de ver o sofrimento dos escravizados e decidiram agir em favor deles, cruzando os bra�os e parando o porto", explica Lic�nio.

As tr�s primeiras paralisa��es foram lideradas por Jos� Lu�s Napole�o, um escravo liberto que comprara a pr�pria liberdade — e a de quatro irm�s — com suas economias. Um ano depois, Napole�o fundou o "Clube dos Libertos", organiza��o fundamental para a luta abolicionista da �poca.


O túmulo de Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, está no cemitério São João Batista, no centro de Fortaleza(foto: Licínio Nunes de Miranda)
O t�mulo de Francisco Jos� do Nascimento, o Drag�o do Mar, est� no cemit�rio S�o Jo�o Batista, no centro de Fortaleza (foto: Lic�nio Nunes de Miranda)

O mentor intelectual das greves foi o abolicionista Pedro Artur de Vasconcelos (1851-1914), homem branco e funcion�rio do porto. Napole�o logo aderiu ao plano de Vasconcelos, conseguindo convencer os milhares de trabalhadores e jangadeiros a aderirem � greve.

J� a �ltima paralisa��o, no dia 30 de agosto de 1881, foi assumida por Francisco Jos� do Nascimento, o Drag�o do Mar, depois que Napole�o recusou a lideran�a do movimento por se achar "velho demais" para a empreitada.

J� tinham se passado 30 anos desde que o tr�fico transatl�ntico havia sido proibido e uma d�cada da Lei do Ventre Livre, que considerava livres todos os filhos de mulheres escravizadas nascidos a partir de sua promulga��o.

A escravid�o no Brasil, no entanto, continuava — ainda que sob uma oposi��o crescente da opini�o p�blica, em parte influenciada pelo abolicionismo nos Estados Unidos e em diversos outros pa�ses, e diante da resist�ncia dos escravizados contra a explora��o de seu trabalho e a viol�ncia.

O simbolismo da insurrei��o dos jangadeiros cearenses correu o Imp�rio, e influenciou a popula��o de outras prov�ncias a lutar contra a escravid�o.

Em 1883, os "catraieiros" do Amazonas, que desempenhavam a mesma fun��o dos jangadeiros cearenses — ligavam o cais do porto aos navios com suas pequenas embarca��es —, tamb�m entraram em greve e se negaram a transportar os negros escravizados que seriam enviados do Norte a outras regi�es.

Para Lic�nio, o movimento amazonense tamb�m foi composto por trabalhadores do Cear� que migraram em massa para o Norte do pa�s na �poca conhecida como "ciclo da borracha", quando a regi�o assumiu o protagonismo mundial na produ��o e comercializa��o da mat�ria-prima.

Em 1884, o Cear� aboliu a escravid�o em seu territ�rio (o Amazonas fez o mesmo um ano depois), antes portanto da assinatura da Lei �urea em 13 de maio de 1888 pela Princesa Isabel.

Luta abolicionista

O pioneirismo cearense foi resultado de uma conjun��o de fatores, que v�o desde o ativismo dos abolicionistas ao papel secund�rio dos escravizados na economia local.

Drag�o do Mar — cujo curioso apelido foi dado pelo famoso abolicionista fluminense Jos� do Patroc�nio — era um homem mesti�o, filho de pescadores do munic�pio de Aracati. Ele tinha por volta de 40 anos quando liderou a greve no porto de Fortaleza.

Mas a luta abolicionista cearense n�o se resumiu �s paralisa��es. "Nos anos seguintes, Drag�o do Mar e Napole�o atuaram fortemente contra a escravid�o. Ajudaram na fuga de escravizados, juntaram dinheiro para comprar a liberdade de muitos, esconderam pessoas dentro de casa, al�m de outras manifesta��es", explica Lic�nio.

O movimento resultou na extin��o gradual da escravid�o em todos os munic�pios cearenses, at� que foi declarada a inexist�ncia de escravos em seu territ�rio, em 25 de mar�o de 1884.


Pintura da sessão parlamentar que aboliu a escravidão no Ceará em 1884: articulação nacional(foto: Acervo Biblioteca Nacional)
Pintura da sess�o parlamentar que aboliu a escravid�o no Cear� em 1884: articula��o nacional (foto: Acervo Biblioteca Nacional)

Por causa de seu ativismo, Drag�o do Mar ficou conhecido como l�der e her�i do movimento. Chegou a viajar ao Rio de Janeiro, onde conheceu outros abolicionistas de renome, como Joaquim Nabuco, Jos� do Patroc�nio e Andr� Rebou�as.

Para Lic�nio, a influ�ncia do movimento cearense foi enorme. "Muitos escravizados fugiram para o Cear� ao saberem que l� poderiam ser livres. Al�m do abolicionismo, j� um movimento de massa que agregava diversos setores da sociedade, a aboli��o no Cear� criou um efeito cascata no restante do Brasil, at� culminar na Lei �urea", diz o historiador.

Em dezembro de 2018, Drag�o do Mar foi inclu�do no livro Her�is e Hero�nas da P�tria, que homenageia pessoas consideradas fundamentais para a constru��o da hist�ria do Brasil, como Machado de Assis, Euclides da Cunha, Luiz Gama, entre outros.

Drag�o do Mar morreu em 1914, aos 75 anos. Mais de um s�culo depois, o local onde Francisco Jos� do Nascimento foi enterrado era um completo mist�rio.

"Eu imaginava que ele estivesse no cemit�rio S�o Jo�o Batista, mas n�o tinha certeza, e o local � gigantesco. Nem a administra��o do cemit�rio sabia que estava l�, tampouco o governo ou ativistas", diz o historiador Lic�nio Nunes de Miranda.

Apesar de sua import�ncia e seu simbolismo para o movimento negro cearense, a figura do Drag�o do Mar muitas vezes � esquecida na historiografia do abolicionismo brasileiro, segundo Lic�nio.

"No Cear� ele � nome de rua, de escola e de centro cultural, mas muitas vezes n�o se d� a import�ncia que ele tem. A hist�ria dele mostra que o abolicionismo n�o era formado apenas por intelectuais, advogados, jornalistas... Mas tamb�m por pessoas comuns, como trabalhadores do porto", diz.

"Espero que a descoberta do jazigo traga essa hist�ria novamente, para que possamos reconhec�-lo como um grande her�i brasileiro", afirma o pesquisador.

*Colaborou Camilla Veras Mota


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