Faltavam ainda 15 dias para o que o Estad�o chamava de "reinado leg�timo do Momo", mas S�o Paulo e outros pontos do Pa�s j� tinham desistido de esperar a data oficial. Depois de uma pandemia que matou milhares de brasileiros em poucos meses, o carnaval de 1919 foi intenso, euf�rico e virou hist�ria e inspira��o para alguns dos principais autores nacionais.
"� natural esse anseio de alegria e de prazer que se nota entre o nosso povo: n�o tivesse ele a descontar tantos sustos, tantos aborrecimentos, tantas tristezas, que s� o carnaval - especialmente para todos os males - poder� curar", dizia uma reportagem publicada por este jornal em fevereiro daquele ano. "A alegria transbordou at� altas horas, triunfalmente, como uma enorme vingan�a da vida imortal contra os horrores que a quiseram escurecer", apontou outra, de mar�o. O carnaval que sucedeu a chegada da gripe espanhola � considerado por alguns como o maior da hist�ria do Pa�s. Entre adeptos e estudiosos da folia, h� muitos que acreditam que ele somente poder� ser superado pelo primeiro p�s-covid.
Diferentemente da pandemia do novo coronav�rus, a da gripe espanhola teve a maioria dos casos no Pa�s concentrada em um per�odo mais curto, majoritariamente entre setembro e novembro de 1918, vitimando at� o presidente eleito, Rodrigues Alves, e levando o sistema funer�rio e de sa�de ao colapso.
No mundo, estimativas apontam at� 50 milh�es de mortes, sem contar os �bitos na 1.� Guerra Mundial, encerrada no mesmo ano. "H� relatos de corpos nas ruas, gente que enterrou os parentes nos quintais", lembra o historiador Ricardo Augusto dos Santos, da Casa de Oswaldo Cruz, da Fiocruz. "Era uma realidade muito diferente da atual (de modo geral), em rela��o � higiene e �s condi��es sanit�rias. As pessoas moravam em locais insalubres, sem ar e sem sol."
Como a pandemia se alastrou rapidamente, o cotidiano j� estava pr�ximo da normalidade no come�o de 1919, o que ajuda a explicar a realiza��o do carnaval naquele ver�o. "Todas as classes de alguma forma brincaram, fosse no sub�rbio, fosse na zona sul. Quem tinha dinheiro alugava carro para fazer cortejo", destaca o historiador. Havia blocos, desfiles de carros, chuva de confetes e brincadeiras com lan�a-perfume, dentre outras folias.
Em um artigo sobre o tema, Santos chegou a comparar a alegria dos brasileiros no fim da pandemia com os relatos de celebra��es na Europa depois da peste negra. A pr�pria m�scara que se tornou s�mbolo do carnaval veneziano, por exemplo, com um longo bico, remete � que era utilizada para tratar os pacientes com a doen�a.
No Brasil, a trag�dia foi lembrada em marchinhas e, at� mesmo, em alegorias. "N�o h� tristeza que possa/ Suportar tanta alegria/ Quem n�o morreu da espanhola/ Quem dela pode escapar/ N�o d� mais tratos � bola/ Toca a rir, Toca a brincar", dizia o trecho de uma can��o publicada em jornal em janeiro, resgatada por Santos.
Uma das fotos mais conhecidas daquele carnaval, publicada na revista Careta, � de um carro aleg�rico com uma grande chaleira, com a frase "ch� de meia noite", em refer�ncia a um boato de que uma bebida era administrada aos doentes para acelerar a morte durante a epidemia.
Naquele ano, tamb�m ocorreram os primeiros desfiles dos tradicionais Cord�o da Bola Preta, que persiste at� hoje, e do Bloco do Eu Sozinho, que perdurou por mais de 50 carnavais e era composto exclusivamente pelo jornalista J�lio Silva.
Mais adiante, aqueles momentos hist�ricos foram narrados por escritores brasileiros, como Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony e Ruy Castro, que destacaram como aquele festejo marcou tamb�m uma libera��o dos costumes. "Poucas semanas antes, est�vamos a mil�metros da morte. Agora j� eram as v�speras de 1919. Quem sobreviveu n�o perderia por nada aquele carnaval", narrou Castro em Metr�pole � Beira-mar: o Rio Moderno dos Anos 20.
J� Rodrigues destacou o que considerava uma excessiva libera��o sexual. "Foi de um erotismo absurdo. Da� a sua horrenda tristeza. Disse n�o sei quem que o desejo � triste. E nunca se desejou tanto como naqueles quatro dias. A tristeza escorria, a tristeza pingava, a alegria era hedionda", escreveu no Mem�rias: A Menina sem Estrela.
Expectativa
Para o carnavalesco Milton Cunha, um dos coordenadores do Observat�rio do Carnaval, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pr�xima folia ser� ainda mais emblem�tica e intensa do que a que sucedeu a gripe espanhola. "Vai ser uma catarse", define. "O pessoal est� muito se questionando (na pandemia), 'o que fiz da minha vida, o que aproveitei'... Esse questionamento vai enlouquecer todo mundo."
Para ele, assim como em 1919, haver� refer�ncias � pandemia nas ruas, em fantasias, alegorias, m�sicas e mais, como j� ocorre agora com a m�sica Bum Bum Tam Tam, por exemplo, que at� ganhou vers�o com o nome Vacina Butantan. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
GERAL