
Vanda Ortega, ind�gena da etnia Witoto, faz caminhadas di�rias batendo nas portas das casas dos vizinhos para saber se h� pessoas com sintoma de COVID-19 para estimular o tratamento e aproveitar, ainda, para pregar sobre a import�ncia da vacina��o.
A t�cnica de enfermagem de 33 anos mora h� sete no maior bairro ind�gena na �rea urbana de uma cidade brasileira, o Parque das Tribos, na zona oeste de Manaus, onde vivem mais de 2 mil ind�genas de 35 etnias das mais de 60 do Amazonas.
Esquecido pelo poder p�blico, o bairro n�o tem �gua encanada, fornecimento regular de luz el�trica, escolas e sequer um posto de sa�de. Em janeiro, Vanda arrega�ou as mangas e come�ou um p�riplo para conseguir doa��es para montar, em uma quadra cedida por uma igreja, um hospital de campanha onde as macas s�o redes. At� hoje, todos os medicamentos, equipamentos de prote��o individual para os volunt�rios e cilindros de oxig�nio seguem vindo de doa��es.
Vanda � funcion�ria p�blica e trabalha no Hospital Alfredo da Mata, refer�ncia no tratamento de c�ncer de pele no Estado. Ela foi a primeira ind�gena vacinada na Amazonas, imunizada no dia do lan�amento da campanha da vacina��o local, em 18 de janeiro.
Com o rosto pintado sob a m�scara, usando colares e cocar ind�genas, aproveitou a ocasi�o para chamar aten��o para a vulnerabilidade dos ind�genas durante a pandemia.
"Esse Estado precisa olhar para as popula��es ind�genas, esse momento representa muito para meu povo Witoto e todos os 63 povos do Amazonas. Mas a vacina precisa chegar a todos, h� uma precariedade em tudo para os povos ind�genas, estamos agora fazendo um hospital de campanha com volunt�rios", disse, ao microfone.
Nascida na comunidade ribeirinha de Amatur�, Vanda se mudou para Manaus h� 11 anos, onde se formou como t�cnica em enfermagem. Como � comum entre os povos ind�genas, que chamam de "parentes" uns aos outros independente da etnia, a solidariedade passa de gera��es.
"Quando subi no palco para tomar a vacina, s� pensava na minha s�bia av� Tereza, pedia inspira��o dela, que me ensinou a solidariedade para com meu povo e todos os outros parentes, e dei meu recado", afirma.

Desde aquela data e at� hoje, � parada na rua e recebe mensagens de parentes questionando-a se sentiu algum efeito adverso da vacina��o, se havia notado alguma mudan�a.
"[Perguntavam] se eu n�o tinha virado jacar�, sem ser uma brincadeira, porque as fake news chegaram com uma for�a muito grande nas comunidades ind�genas."
"Recebi a segunda dose na semana passada e o m�ximo que tive, desta vez, foi dor no local da aplica��o", conta.
Seu esfor�o para conscientizar os conhecidos, entretanto, n�o tem sido suficiente para dar conta da desinforma��o. Em pelo menos duas ocasi�es em que os t�cnicos de vacina��o foram ao bairro, diz Vanda, muitos ind�genas "se esconderam" dos profissionais. Para ela, parte o problema seria amenizado se houvesse um posto de sa�de na comunidade, um local em que os ind�genas fossem atendidos por rostos familiares e se sentissem seguros.
Fome
No hospital de campanha, a t�cnica de enfermagem faz as vezes de enfermeira, m�dica, psic�loga e o que mais for preciso. S�o onze ind�genas que se revezam no atendimento aos pacientes que chegam diariamente. Em um quadro, cada um registra as atividades, com o nome e a etnia. S� o �nico m�dico e Vanda s�o formados, os outros s�o estudantes de enfermagem.
O m�dico, que n�o quis se identificar, � amazonense da etnia bar�, se formou em Cuba e j� trabalhou com ind�genas aldeados em Cuba e na Venezuela. Na pandemia, diz ele, o que lhe chamou aten��o foi n�o s� a desassist�ncia das autoridades p�blicas na sa�de dos "parentes", mas a fome que chegou ao bairro com o in�cio da crise sanit�ria.
"A grande maioria vive de artesanato e de apresenta��es de rituais tradicionais a turistas. Com as restri��es ao turismo, n�o havia nenhuma fonte de subsist�ncia", diz Vanda.
Assim, as doa��es tiveram de ir al�m dos EPIs e de rem�dios. "Sem uma boa alimenta��o, qualquer um fica com baixa resist�ncia e adoece. Perdemos muitos parentes, sabemos que o v�rus ataca os mais fracos. Sou grata a nossos sagrados por tanta ajuda que evitou tantas mortes, mas, sem ter como trabalhar, continuamos em campanha."
Ouvir que alimentos estavam entre os itens de que a comunidade mais necessitava impactou o gerente de vendas M�rcio Lira, um dos volunt�rios dos tr�s grupos organizados em redes sociais que conseguiu arrecadar EPIs, cilindros de oxig�nio e medicamentos.
"Conseguimos muitas doa��es em janeiro e priorizamos as cestas b�sicas. Conseguimos mais de 200 e deu para ajudar muitas fam�lias, mas sabemos que precisam de mais, a pandemia ainda n�o acabou."

Gravidade
Para o epidemiologista Jesem Orellana, da Funda��o Osvaldo Cruz na Amaz�nia, a situa��o epidemiol�gica de Manaus e do Amazonas segue muito grave.
"A pequena redu��o de casos notificados de COVID-19 em Manaus nos �ltimos dias n�o coloca a cidade em posi��o confort�vel. Ali�s, em m�dia, foram notificados em torno de mil casos de COVID-19 na capital por dia, entre os dias 1º e 15 de fevereiro, sugerindo que a circula��o viral ainda � muito alta."
Para o epidemiologista, o an�ncio de vacina��o em massa da popula��o do Amazonas, que ainda n�o come�ou, n�o � suficiente se n�o houver lockdown que restrinja 90% da atividade nas cidades, especialmente Manaus, onde vive mais de 50% da popula��o do Estado.
"A nova a nova variante P.1 segue aguardando novas oportunidades para trazer mais problemas. Ao que parece, Manaus est� trilhando um roteiro conhecido, de naturaliza��o da morte e do sofrimento humano, na certeza de escancarada impunidade no �mbito da gest�o sanit�ria."
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