
Para a advogada de direito civil Amanda Caroline da Silva, a quantidade de tempo juntos fez com que as incompatibilidades dos casais ficassem mais evidentes. “A gente comenta que a pandemia trouxe dificuldade psicol�gica para todo mundo e, no direito de fam�lia, as m�goas foram aumentadas, o desgaste emocional foi muito grande”, afirma. Se antes ela via a possibilidade de reconcilia��o entre muitos clientes, no ano passado, ela percebeu pessoas mais resistentes a mudar de ideia, mais decididas.
Amanda salienta as pesquisas na internet relacionadas a “div�rcio”, que tamb�m aumentaram em 2020. Segundo dados do Google, as buscas pela express�o “como dar entrada no div�rcio” cresceram 127% em maio do ano passado, comparadas ao m�s anterior. “O div�rcio, em si, n�o acontece em um momento s�, mas os problemas, com os casais muito tempo juntos, ficaram latentes. O isolamento social fez com que as pessoas convivessem mais com as falhas dos outros”, acredita.
Resgate da rela��o
Mariana Viana Borges, ju�za de paz e advogada de fam�lia, sentiu na pele o que muitos clientes estavam vivendo. A pandemia tirou o filho de 2 anos da creche e a colocou para trabalhar em casa, ao mesmo tempo em que cuidava da casa, da alimenta��o da fam�lia e do pequeno. Enquanto isso, o marido, Marcelo Borges, empres�rio, precisou continuar trabalhando fora e, no ramo da constru��o, ainda viu a demanda de servi�o crescer.
O casal foi colocado sob um grande estresse: sobrecarga de trabalho, medo de infec��o pelo novo coronav�rus, necessidade de distrair a crian�a. Marcelo chegava em casa cansado, encontrava a mulher exausta e o filho cheio de energia, agitado, querendo brincar. Os conflitos come�aram a aparecer e deixavam os dois ainda mais sens�veis e nervosos. At� a situa��o pol�tica do pa�s causou desgastes, j� que havia familiares que n�o acreditavam na gravidade da COVID-19, o que desgastava as rela��es.
Mariana e Marcelo chegaram a passar uma semana separados, mas decidiram que valia a pena resgatar o relacionamento. “Por eu ser ju�za de paz e tamb�m fazer div�rcios, como advogada, achava que j� sabia muito sobre relacionamento, mas come�amos a terapia de casal e descobri que ainda tinha muito a aprender”, conta. Uma das conclus�es � qual chegaram era de que Mariana precisava de uma funcion�ria para permitir que ela focasse no trabalho.
A princ�pio, Marcelo n�o percebia tal necessidade. “A terapeuta nos instruiu a como conversar, com os princ�pios do di�logo conclusivo e da resolu��o de problemas. Ela passava t�cnicas e, ali, a gente n�o ficava com raiva, n�o explodia”, relata o marido. Ele admite que tinha resist�ncia ao tratamento, mas a abandonou quando viu que era o casamento dele que estava em jogo. “Deu um al�vio muito grande para n�s, e acho que a gente est� num relacionamento bem mais saud�vel agora”, acredita.
Outra via de conversa
Al�m da terapia de casal, h� outras formas de tentar ter uma conversa mais saud�vel com o parceiro, sem brigas, acusa��es, ofensas. Independentemente de se optar pelo div�rcio ou por reatar, a media��o familiar pode auxiliar. “� usada na �rea empresarial, no direito do consumidor e muito na �rea de fam�lia”, explica Maria Antonieta de Morais Prado, mediadora da C�mara de Media��o e Arbitragem Especializada.
Al�m de uma via que promove o di�logo, � uma alternativa � Justi�a, embora possa acontecer com um processo judicial em curso. Outra caracter�stica fundamental da media��o � que ela visa preservar a rela��o entre as partes, o que � extremamente importante, principalmente quando envolve a guarda de filhos.
Maria Antonieta explica que a media��o, em ess�ncia, � uma negocia��o, e o mediador � algu�m que vai facilit�-la, sendo uma terceira pessoa, neutra. “Um casal em conflito costuma, primeiro, tentar negociar entre eles; mas, �s vezes, n�o consegue, porque envolve compreens�o do ponto de vista do outro”, afirma.
Ela exemplifica com um casal que esteja brigando demais, por conta da sobrecarga de trabalho. “A media��o evita a espiral do conflito: os dois se veem em conflito, tentam conversar entre eles, vira um debate, uma pol�mica, e pode chegar num ponto de acharem que n�o ter�o resultado. A tend�ncia � isso se intensificar e as pessoas se verem como uma esp�cie de inimigo em casa”, lamenta.
Sem direcionar a solu��o, mas facilitando que os envolvidos a encontrem, o mediador vem para entender o conflito, o que est� levando as duas pessoas at� l�, e fazer com que um entenda o outro. “O pulo do gato � um entender o ponto de vista do outro. �s vezes, as pessoas acham que os interesses de ambos s�o incompat�veis, mas essa incompatibilidade � s� aparente e � poss�vel encontrar uma solu��o que atenda a todos”, garante.
Ela exemplifica com um casal que esteja brigando demais, por conta da sobrecarga de trabalho. “A media��o evita a espiral do conflito: os dois se veem em conflito, tentam conversar entre eles, vira um debate, uma pol�mica, e pode chegar num ponto de acharem que n�o ter�o resultado. A tend�ncia � isso se intensificar e as pessoas se verem como uma esp�cie de inimigo em casa”, lamenta.
Sem direcionar a solu��o, mas facilitando que os envolvidos a encontrem, o mediador vem para entender o conflito, o que est� levando as duas pessoas at� l�, e fazer com que um entenda o outro. “O pulo do gato � um entender o ponto de vista do outro. �s vezes, as pessoas acham que os interesses de ambos s�o incompat�veis, mas essa incompatibilidade � s� aparente e � poss�vel encontrar uma solu��o que atenda a todos”, garante.
Recuperando o casamento
Para o psiquiatra especializado em terapia interpessoal Luan Diego Marques, todo relacionamento com conflitos pode ser salvo, mas isso depende do compromisso das duas partes. Ele recomenda:
- Observe se, de fato, existe interesse m�tuo de cuidar da rela��o.
- Perceba se o relacionamento causa muitos sofrimentos, muitos sentimentos disfuncionais, para saber se vale a pena tentar resgat�-lo.
- Valide a emo��o do outro.
- Permita um ambiente sem agress�es.
- Evite conversas nos momentos de emo��es muito intensas.
- Se for poss�vel, fa�a terapia de casal.
Um processo desgastante
A empres�ria e confeiteira Carol Silva*, 43, � casada h� 25 anos e lamenta a situa��o em que se encontra com o marido, atualmente. Nunca passaram um per�odo de tantas discuss�es quanto no �ltimo ano, at� hoje. Antes, se havia algum desentendimento, n�o durava mais do que uma noite. Dormiam e, quando acordavam, estava tudo bem novamente. “�ramos um casal feliz e, �s vezes, as brigas eram por ele n�o ter folga”, conta.
Enquanto ela sempre atuou de casa, fazendo doces, ele trabalhava fora, seis vezes na semana, no ramo de shows — um dos primeiros a serem suspensos por conta da pandemia e que, at� hoje, n�o retornou. “� dif�cil passar o ano com a pessoa 24 horas por dia. Agora, at� uma colher � motivo de briga. Se eu coloco em um lugar, ele quer em outro”, reclama.
Enquanto ela sempre atuou de casa, fazendo doces, ele trabalhava fora, seis vezes na semana, no ramo de shows — um dos primeiros a serem suspensos por conta da pandemia e que, at� hoje, n�o retornou. “� dif�cil passar o ano com a pessoa 24 horas por dia. Agora, at� uma colher � motivo de briga. Se eu coloco em um lugar, ele quer em outro”, reclama.
Carol acredita que os dois foram criados para s� encontrar o companheiro � noite, depois de um dia de trabalho. E estavam acostumados com essa din�mica. “Mas a pandemia tirou a rotina da nossa vida, aquela que j� est�vamos preparados para viver.” Ela segue, para ver at� onde os dois aguentam, mas torce para que ele volte a ter servi�os logo. Problemas financeiros e frustra��o por n�o trabalhar s�o quest�es que, aos poucos, minam as rela��es.
A import�ncia do di�logo
Para o psiquiatra especializado em terapia interpessoal Luan Diego Marques, foi comum, de fato, os conflitos aumentarem entre pessoas que trabalhavam o dia todo e que passaram a ficar juntos por muito mais tempo. “O n�cleo familiar traz intimidade, o que gera uma proximidade boa em alguns aspectos, mas ruins em outras. Nas rela��es de trabalho, por mais que haja um conflito, o campo de negocia��o � mais restrito. No familiar, h� mais espa�o para falar, uma abertura maior, e, quando isso n�o � bem colocado, de forma madura, gera brigas”, explica.
Portanto, ele recomenda muito cuidado ao conversar sobre os problemas e ao se queixar do comportamento do outro. “O ponto n�o � falar, � como falar. O desafio de toda comunica��o � como � colocado o conte�do. N�o d� pra colocar nem 100% de emo��o nem 100% de raz�o. Com emo��o demais, vem a raiva, o �dio, a ira, e a pessoa nem recebe o conte�do. Imagina que aquilo n�o � real, � s� raiva”, explica.
Luan orienta cuidar, antes, daquela emo��o e, s� depois, conversar. Al�m disso, recomenda sempre falar na primeira pessoa, contando o que sentiu, o que pensou, em vez de ficar usando o “voc�” em tom de acusa��o. “Em vez de dizer voc� foi arrogante, mal-educado, � melhor dizer: eu n�o sei se foi sua inten��o, mas me senti agredido, ofendido. Assim, voc� n�o fala sobre o outro, fala sobre voc� mesmo”, exemplifica.
* Nome fict�cio para preservar a intimidade do casal
Div�rcio on-line
Em junho do ano passado, um cart�rio do DF foi o primeiro a lavrar um div�rcio inteiramente por meio da internet. Em mar�o do ano passado, um provimento do Conselho Nacional de Justi�a disp�s sobre o div�rcio on-line. “Para isso, o processo precisa ser consensual e n�o pode ter filhos menores de 18 anos. Com um certificado digital, as partes recebem o link e participam, com o tabeli�o, de uma audi�ncia virtual, na qual ele pega o consentimento de ambos. Mesmo assim precisa de advogado”, explica a advogada Amanda Caroline da Silva.
Caso de pol�cia
Que os conflitos dentro de casa aumentaram � quase um consenso, seja entre pais e filhos, seja entre irm�os ou casais. �, no entanto, importante alertar que alguns casos n�o s�o simples brigas entre pessoas com muita intimidade e que est�o for�adamente convivendo por muito tempo, mas, sim, quest�es graves de viol�ncia.
De acordo com dados divulgados pelo Minist�rio da Mulher, da Fam�lia e dos Direitos Humanos, em abril de 2020, primeiro m�s da quarentena, as den�ncias de viol�ncia contra a mulher recebidas pelo n�mero 180 aumentaram quase 40% em rela��o ao mesmo per�odo anterior. Levantamento do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica (FBSP) mostra que os casos de feminic�dio tiveram alta de 22% durante a quarentena.
Segundo Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, a pandemia acentuou a viol�ncia dom�stica, na medida que exp�s as mulheres que viviam em vulnerabilidade. Elas passaram a ficar ainda mais tempo com seus agressores, seja por come�arem a trabalhar remotamente, seja por terem perdido seus empregos.
Confinamento em casal
A jornalista e apresentadora Fernanda Gentil � casada com a tamb�m jornalista Priscila Montandon e, quando a pandemia come�ou, o casal lan�ou uma s�rie de v�deos chamada Confinamento em casal. Neles, elas contam sobre a experi�ncia de passarem 24 horas por dia juntas, trabalhando, cuidando da casa, se entretendo. Publicados toda ter�a-feira, chegaram a brincar que o t�tulo poderia ser “treta-feira”.
As duas tiveram conflitos que foram resolvendo aos poucos. Um deles dizia respeito ao “parcelamento da lou�a”, t�cnica usada por Fernanda e detestada por Priscila. “Se eu pego uma lou�a para lavar, eu vou lavar at� o �ltimo pontinho da bancada. Eu gosto? N�o. Mas fa�o. J� a Fernanda vai lavando em presta��o”, comenta Priscila. Fernanda n�o limpa a pia, n�o bate o ralo.
Apesar dessas pequenas desaven�as, Fernanda se orgulha, pois acredita que as duas est�o valorizando mais o di�logo. “� conversar. N�o tem jeito. Pode achar brega, clich�, chato, mas � muito importante. A gente s� conseguiu uma harmonia de como seria a vida trancada em casa 24 horas por dia […], s� chegamos no meio termo, no equil�brio, conversando. Se formos brigar por cada ralo n�o batido, cada xixi do Romeu, n�o vai rolar”, sugere Fernanda.