No come�o de fevereiro, um grupo de pesquisadores da Universidade de Toronto divulgou um estudo com um medicamento antiviral experimental que foi capaz de acelerar a recupera��o de pacientes com covid-19. O trabalho, publicado na revista Lancet Respiratory Medicine, teve como objetivo testar a droga em pessoas infectadas que n�o tinham sido hospitalizadas.
Pacientes que receberam uma �nica inje��o de peginterferon-lambda tiveram mais de quatro vezes mais chances de terem a infec��o curada em sete dias, quando comparados a um grupo tratado com placebo. O trabalho trouxe uma nova esperan�a de que seja poss�vel ter um tratamento que consiga conter a dispers�o do Sars-CoV-2.
N�o � a primeira vez, por�m, que surge essa sensa��o. Em um ano da pandemia de covid-19, a ci�ncia foi capaz de desenvolver, de modo recorde, pelo menos meia d�zia de boas vacinas contra o coronav�rus, mas por mais que estejam sendo feitos centenas de estudos com rem�dios - em sua maioria j� usados para outras doen�as -, ainda nenhum se mostrou eficaz para barrar o v�rus.
A expectativa agora se volta para que a ci�ncia inove e passe a desenvolver novos f�rmacos, do zero: mol�culas desenvolvidas para ter como alvo espec�fico prote�nas do coronav�rus.
Ao longo do ano, algumas drogas se mostraram �teis para reduzir os danos da doen�a, aliviar os sintomas e principalmente reduzir tempo de interna��o dos casos mais graves, mas ainda n�o existe um tratamento de fato para a covid-19. Muito menos um que seja precoce.
N�o foram poucos os rem�dios j� conhecidos que acabaram noticiados como promissores ap�s se mostrarem eficazes in vitro contra o v�rus ou em experimentos iniciais com poucas pessoas. Mas quando submetidos a estudos cl�nicos robustos, randomizados e com muitos volunt�rios, a maioria acabou descartada. Talvez o exemplo mais marcante disso seja o da hidroxicloroquina.
Existem agora muitas evid�ncias de que a hidroxicloroquina e a cloroquina n�o funcionam contra a covid. Mas ainda h� 179 ensaios cl�nicos nos Estados Unidos com 169.370 pacientes que est�o recebendo o medicamento, segundo o Covid Registry of Off-Label & New Agentes, na Universidade da Pensilv�nia. No Brasil, de acordo com o �ltimo balan�o da Comiss�o Nacional de �tica em Pesquisa (Conep), do Minist�rio da Sa�de, ainda h� 27 estudos com as drogas em andamento.
Diretrizes internacionais
Atualmente entidades como a Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS) e os Institutos Nacionais de Sa�de dos EUA (NIH) indicam como diretriz de tratamento o uso de rem�dios como o remdesivir, anticorpos monoclonais e corticoides - como a dexametasona -, que t�m um papel importante principalmente nos casos mais graves, hospitalizados e entubados. Eles ajudaram a reduzir o tempo de interna��o e as mortes.
Mas, como ressaltou reportagem do The New York Times de meados de fevereiro sobre a falta de tratamentos, essas drogas n�o s�o "um santo rem�dio" nem servem para todos.
A OMS alerta que a dexametasona, por exemplo, � recomendada somente para pacientes severos e criticamente doentes com covid-19 sob supervis�o m�dica. Estudo randomizado feito com 7 mil pacientes mostrou que houve redu��o da mortalidade no grupo que tomou o rem�dio, na compara��o com o grupo que tomou placebo. Mas n�o � recomendado para pacientes leves e moderados porque o medicamento pode aumentar o risco de complica��es ou efeitos adversos - lembrando que este corticoide n�o ataca o v�rus em si, mas o efeito inflamat�rio que ele causa no corpo, a chamada tempestade de citocinas.
J� o remdesivir, que impede o v�rus de se replicar dentro das c�lulas, consegue reduzir modestamente o tempo que o paciente precisa para se recuperar, mas n�o tem nenhum efeito sobre a mortalidade. Outro problema � que ele � injet�vel e muito caro - tanto que nem est� dispon�vel no Brasil. Os anticorpos monoclonais, que impedem o v�rus de entrar nas c�lulas, podem ser muito potentes, mas apenas quando administrados antes de as pessoas adoecerem a ponto de serem hospitalizadas.
Derrotas
Especialistas ouvidos pelo Estad�o explicam que, por um lado, a falta de avan�o no tratamento n�o � inesperada. Primeiramente porque os maiores esfor�os cient�ficos foram para as vacinas - o que faz sentido seguindo o princ�pio mais b�sico do "� melhor prevenir do que remediar". Por outro lado, os v�rus, em geral, s�o mais dif�ceis de lidar com medicamentos do que bact�rias, por exemplo.
"A nossa hist�ria contra v�rus � feita de derrotas h� anos. Todo mundo fala da covid-19, mas tamb�m lutamos contra ebola, dengue, hepatite, rub�ola, febre amarela. S�o todos v�rus, mas para quais deles temos tratamento eficaz? Para alguns temos vacina, outros a gente controla, como a aids. Agora temos um rem�dio que erradica a hepatite C do organismo. Mas, em geral, perdemos feio, n�o s� contra a covid", disse ao Estad�o a pesquisadora Fl�via Machado, professora de Medicina Intensiva da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp).
Fl�via faz parte da Coaliz�o Covid-19 Brasil, alian�a formada pelos hospitais Albert Einstein, HCor, S�rio-Liban�s, Moinhos de Vento, Oswaldo Cruz, Benefic�ncia Portuguesa de S�o Paulo, pelo Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) e pela Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet). O grupo vem realizando ensaios cl�nicos para avaliar a efic�cia e a seguran�a de potenciais terapias para pacientes com covid-19. "Infelizmente o que mais vimos at� agora � o que n�o funciona", diz.
A pesquisadora explica o desafio: "V�rus n�o � bact�ria. As bact�rias s�o organismos com parede celular. Um mesmo antibi�tico pode servir para combater v�rias bact�rias, porque as parede celulares (por onde o rem�dio entra) s�o parecidas. J� o v�rus � uma part�cula, quase n�o � um ser vivo. Ele s� vive dentro das nossas c�lulas. S� ali consegue se reproduzir, mas isso tamb�m os deixa mais protegidos".
A coaliz�o come�ou agora em fevereiro uma nova linha de pesquisa que deve alcan�ar mil pacientes. O estudo Revolution vai avaliar se drogas antivirais isoladas e/ou em combina��o entre si s�o efetivas para tratar casos de covid-19 hospitalizados com doen�a moderada. Ser�o testados os rem�dios atazanavir, daclatasvir e daclatasvir associados a sofosbuvir.
Busca por inova��o
A falta de avan�o at� o momento em rela��o aos tratamentos contra a covid-19 pode estar relacionada ao fato de que a abordagem usada no in�cio da pandemia foi buscar o reposicionamento de f�rmacos - pegar rem�dios que j� existiam para outras doen�as e test�-los, in vitro, contra o coronav�rus. � o que afirma o qu�mico Adriano Andricopulo, pesquisador do Instituto de F�sica da Universidade de S�o Paulo (USP), c�mpus S�o Carlos, que trabalha com qu�mica medicinal, planejamento de f�rmacos e medicamentos para combater a covid-19.
A estrat�gia fazia sentido porque, sendo promissores nesta primeira etapa, eles poderiam j� passar aos testes com humanos, visto que j� eram sabidos como subst�ncias seguras. Isso poderia ganhar tempo, se dessem certo. Mas n�o foi isso o que aconteceu. Cerca de 250 subst�ncias foram registradas como tentativas para tratamento de covid-19.
"Acredito que n�o houve sucesso at� o momento porque n�o se procurou inova��o, um espa�o qu�mico novo para cobrir prote�nas alvo do Sars-CoV-2", disse o pesquisador ao Estad�o.
Essa busca por desenvolver um medicamento espec�fico para uma prote�na alvo est� come�ando agora, mas � um processo que pode levar bastante tempo, j� que ter� de cumprir todas as etapas de testes.
Sucesso com camundongos. Andricopulo cita como exemplo uma droga experimental inger�vel, a EIDD-2801, que, em camundongos, se mostrou capaz de interromper a prolifera��o do v�rus e prevenir sua entrada em c�lulas humanas.
Os pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte relataram os resultados na revista Nature no in�cio de fevereiro. Eles administraram o rem�dio em camundongos modificados com tecido de pulm�o humano de 48 horas a 24 horas antes de eles serem expostos ao v�rus.
"Descobrimos que o EIDD-2801 teve um efeito not�vel na replica��o do v�rus ap�s apenas dois dias de tratamento - uma redu��o dram�tica de mais de 25.000 vezes no n�mero de part�culas infecciosas no tecido pulmonar humano quando o tratamento foi iniciado 24 horas ap�s a exposi��o", afirmou em comunicado � imprensa o autor principal do trabalho, Victor Garcia. "Os t�tulos do v�rus foram significativamente reduzidos em 96% quando o tratamento foi iniciado 48 horas ap�s a exposi��o", afirmou.
O medicamento come�ou a ser testado j� em humanos em ensaios de fases 2 e 3. "S�o resultados muito positivos porque conseguiram tratar os pacientes, controlando a infec��o, e tamb�m em bloquear a transmiss�o, que � o que se procura loucamente", comentou.
Nos Estados Unidos, somente agora os NIH criaram uma importante iniciativa para desenvolver os antivirais, o que significa que n�o dever�o estar em uso a tempo para combater a atual pandemia. "Essa iniciativa provavelmente n�o oferecer� nenhum tratamento em 2021", afirmou Francis Collins, diretor dos NIH ao The New York Times. "Se houver uma covid-24 ou covid-30, no futuro, queremos estar preparados". As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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