
O Brasil adotou uma estrat�gia "genocida" ao apostar na chamada imunidade de rebanho para combater a covid-19, o que possibilitou o surgimento de uma nova variante mais perigosa e que vem causando mais mortes, diz � BBC News Brasil o bi�logo e divulgador cient�fico �tila Iamarino.
A imunidade de grupo (tamb�m chamada imunidade de rebanho) ocorre quando uma parcela grande o suficiente da popula��o desenvolver uma defesa imunol�gica contra o coronav�rus. Nesse cen�rio, a doen�a n�o consegue se espalhar porque a maioria das pessoas � imune e ela passa a ter grande dificuldade para encontrar algu�m suscet�vel.
Outra quest�o importante nesse sentido � que n�o se sabe por quanto tempo a imunidade de algu�m infectado pelo Sars-CoV-2 dura, se ela � de curto, m�dio ou longo prazo.
Em meio ao que especialistas consideram o pior momento da pandemia no pa�s, Iamarino defende a ado��o de um confinamento mais r�gido e a acelera��o da vacina��o.
Ele critica ainda o governo federal, que acusa de ter "sabotado" estados e munic�pios.
E vaticina que uma cat�strofe pode estar prestes a acontecer se o que vimos em Manaus se repetir no restante do Brasil.
Doutor em microbiologia pela Universidade de S�o Paulo (USP), Iamarino concluiu dois p�s-doutorados estudando a dissemina��o (ele prefere o termo "espalhamento") dos v�rus e a forma como esses organismos evoluem. Um desses p�s-doutorados foi na pr�pria USP, e o outro na Universidade Yale, nos Estados Unidos.
Em sua carreira, o pesquisador de 37 anos estudou v�rus como ebola e HIV.
Iamarino se tornou conhecido por sua participa��o no canal de YouTube do Nerdologia, um dos maiores do pa�s. Desde o in�cio da pandemia, tem feito transmiss�es ao vivo sobre o novo coronav�rus, com milh�es de visualiza��es.
Confira os principais trechos da entrevista a seguir.

BBC News Brasil - O Brasil parece viver o pior momento da pandemia, tendo registrado um recorde na m�dia m�vel de mortes. A que se deve isso?
Atila Iamarino - Sabemos que h� um componente sazonal no novo coronav�rus, com mais casos no inverno do que no ver�o. Portanto, o Brasil est� muito adiantado no aumento de casos — isso s� deveria estar acontecendo daqui a alguns meses. Mas por que os casos est�o subindo t�o cedo e t�o r�pido?
A resposta se deve a uma combina��o de fatores. De um lado, houve um movimento de abertura no fim do ano passado, com mais pessoas circulando sem restri��es. De outro — e que considero o principal fator — temos a variante P.1, inicialmente observada em Manaus.
Estudos recentes apontam que se trata de uma cepa mais transmiss�vel e que "dribla" o sistema imunol�gico, reinfectando quem j� se curou.
Quando falamos de v�rus, � natural que eles sofram muta��es e se tornem mais transmiss�veis. O que n�o precisa ser um processo natural � termos linhagens que escapam da imunidade. Essas linhagens s� ser�o selecionadas quando o v�rus continua circulando na presen�a de pessoas que j� tiveram o v�rus.
Foi o que aconteceu no Brasil e na �frica do Sul.
Nesse sentido, a nossa variante � fruto direto da estrat�gia genocida do Brasil de contar com as pessoas circulando livremente e construindo imunidade. N�o � por acaso que surgiu aqui uma das variantes mais perigosas, demonstradamente perigosa.

BBC News Brasil - O que as autoridades deveriam ter feito?
Iamarino - O Brasil deveria ter se preparado melhor. Em vez disso, adotamos uma estrat�gia que cultivou um monstro e que, ao que tudo indica, est� causando um surto de casos fora de temporada.
De fato, os h�bitos sociais permitiram uma maior circula��o do v�rus.
Apesar de estarmos em um per�odo de baixa transmiss�o de doen�as respirat�rias, v�rias cidades do pa�s j� registravam alta ocupa��o de leitos de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo).
Em vez de decretar um lockdown para restringir a movimenta��o das pessoas e conter o v�rus, a aposta do governo para prover o m�nimo de dignidade humana foi e continua sendo criar mais leitos.
Isso � jogar nos profissionais de sa�de toda a responsabilidade de resolver o problema. N�o se resolvem mortes no tr�nsito criando mais leitos UTI, mas sim com leis de tr�nsito. O mesmo se aplica � COVID-19. � preciso diminuir o n�mero de casos.
Mas o Minist�rio da Sa�de n�o faz campanha para o uso de m�scara e distanciamento social. Tampouco reconhece o lockdown como medida necess�ria para conter o avan�o da pandemia. Falta coordena��o federal para a��es locais.
Temos agora um pa�s economicamente pior, socialmente mais cansado e com profissionais de sa�de exaustos, explorados e usados da pior maneira poss�vel.
BBC News Brasil - O que nos resta fazer, ent�o?
Iamarino - O que o restante do mundo fez: decretar um lockdown mais r�gido e correr com a vacina��o. Isso � o m�nimo. O problema � essa falta de coordena��o a n�vel federal.
De que adianta um munic�pio ou um estado decretar um confinamento se as pessoas de munic�pios ou estados vizinhos continuarem circulando? Isso faz com que a localidade tenha todo o preju�zo econ�mico e pol�tico de confinar sua popula��o, mas sem o sucesso que poderia ter se essa a��o fosse coordenada. A falsa impress�o � que o esfor�o n�o funciona, quando, na verdade, ele est� sendo sabotado a n�vel federal.
Por isso, digo que temos dois inimigos para enfrentar no Brasil. Um � a nova variante e o outro � a falta de estrat�gia do governo federal.
Como resultado, temos pronta a receita para que mais variantes perigosas surjam.

BBC News Brasil - Se nada for feito, o que acontecer?
Iamarino - Nossa estrat�gia genocida j� causou mais de 250 mil mortes. Manaus (AM) e Araraquara (SP) j� registraram mais mortes no in�cio deste ano do que durante todo o ano passado. Se isso se repetir no pa�s todo, vai ser um outro massacre.
Mas o principal problema desse tipo de estrat�gia � que estamos dando ao v�rus a oportunidade de sofrer novas muta��es, mais perigosas. Eventualmente, as vacinas podem n�o ser mais eficazes — e, se esse cen�rio se concretizar, poderemos n�o ter mais solu��o.
O Brasil criou sua pr�pria derrota. Estamos demorando para vacinar e deixando o v�rus circular livremente.
Agora, com a escassez global de vacinas, entendo que a situa��o esteja muito mais dif�cil. E estamos tentando comprar uma vacina que ainda n�o tem efic�cia comprovada (a indiana Covaxin).
Diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil tem capilaridade de vacina��o. H� postos de sa�de por todo o territ�rio nacional que podem dar vaz�o as doses. Mas agora faltam as doses.
BBC News Brasil - Alguns pa�ses, como Israel, j� come�aram a flexibilizar as regras. O Reino Unido tamb�m anunciou o afrouxamento de suas medidas. Em um contexto em que o mundo tenta retomar a normalidade, o Brasil pode se tornar uma p�ria internacional?
Iamarino - Eu diria que o Brasil vai continuar a p�ria que virou. J� n�o podemos viajar para a maioria dos pa�ses, nem em condi��o emergencial, desde antes do surgimento dessa nova variante.
Essa nova linhagem s� refor�ou o fechamento das fronteiras e essa situa��o deve permanecer daqui em diante. Se n�o mudarmos as condi��es que propiciaram o surgimento dessa variante, vamos gerar outras e estaremos sempre renovando os motivos para o mundo n�o receber brasileiros.

BBC News Brasil - O senhor foi duramente criticado quando, no in�cio da pandemia, previu que o Brasil teria 1 milh�o de mortos. Essa previs�o nunca se concretizou. Por qu�? Acredita ter se equivocado?
Iamarino - Acredito que os extremos dessas previs�es continuam muito v�lidos. De um lado, pa�ses como Coreia do Sul, Taiwan, Austr�lia, etc, mostraram que o n�mero de mortes pode ser m�nimo.
Do outro, a mortalidade em locais como Manaus evidenciou que o cen�rio mais pessimista n�o � fantasioso.
A capital do Amazonas tem um excesso de enterros at� o m�s de fevereiro de mais de 430 pessoas por 100 mil habitantes. Se extrapolarmos isso para a totalidade da popula��o brasileira, temos 900 mil mortos.
Se os extremos continuam v�lidos, o meio do caminho � onde est� a faixa de erro e a incerteza. Disso dependem as a��es humanas. H� uma s�rie de fatores de que n�o sab�amos.
Por exemplo, a efic�cia das m�scaras se revelou muito maior do que esper�vamos, principalmente para evitar contaminados de transmitir o v�rus para os outros. Tampouco sab�amos qual efic�cia as medidas de confinamento teriam.

Est�vamos, portanto, lidando com uma doen�a nova, para a qual n�o havia dados preliminares.
De qualquer forma, sabemos hoje que o melhor cen�rio � vi�vel e existe, como observamos na �sia. E que o pior cen�rio � poss�vel, como tamb�m observamos no interior do Peru, no interior da Bol�via, em Manaus, em pa�ses que n�o s�o transparentes com os dados e em regi�es onde n�o h� estat�sticas dispon�veis.
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