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Estado de Minas GERAL

Jovens enfrentam 's�ndrome da gaiola'


25/04/2021 16:00

Eles s�o adolescentes e n�o querem voltar para as aulas presenciais. N�o retornaram em 2020 nem querem agora em 2021, quando a educa��o foi autorizada a abrir no Estado. Est�o h� mais de um ano sem praticamente ver amigos, ir a festas, namorar. Pais e m�dicos se preocupam porque sabem que a escola n�o � apenas a aprendizagem acad�mica - e na maioria das vezes eles at� se saem muito bem no online. Ela � fundamental para a cria��o de valores, de no��es de sociedade, regras, politiza��o, independ�ncia e habilidade de lidar com conflitos que, com certeza, n�o acontecem dentro de um quarto.

Apesar de nem todos serem casos de transtornos da sa�de mental, adolescentes com crises de p�nico e ansiedade se tornaram comuns em consult�rios psiqui�tricos durante a pandemia. Pode ser a s�ndrome da gaiola, como nomeou um especialista. Ou seja, a gaiola � aberta, mas o p�ssaro n�o quer sair. M�dicos dizem que o preju�zo � enorme agora e para o futuro de jovens que completaram 15, 16, 17 anos fechados em casa.

Marcelo acabou de fazer 18 (todos os nomes dos jovens e dos pais nesta reportagem s�o fict�cios para preservar a privacidade das fam�lias). Foi seu segundo anivers�rio na pandemia. Come�ou a fazer terapia em novembro quando sentiu que j� n�o tinha mais vontade de nada. "Via que meus amigos estavam muito ansiosos para a escola voltar, mas eu n�o sentia falta."

Ele foi um dos poucos que n�o retornaram ao presencial em fevereiro, o que preocupou a m�e. "Ele sempre foi um menino disciplinado, nunca precisei supervisionar nada, mas percebi que estava muito desinteressado. Eu tinha medo de ele entrar em depress�o, pedi para ele ir para a escola", conta. Mas o adolescente diz que tem medo de contaminar sua fam�lia e se organizou bem para estudar em casa. "Eu olho para a escola como algo do passado, como um momento que acabou. Aquela escola n�o existe mais."

A �nica exce��o aberta por Marcelo para sair de casa durante a pandemia foi uma viagem com alguns amigos no ano-novo - todos testados para covid. "Eu vi o sorriso dele nas fotos e v�deos da viagem e at� chorei de emo��o. Era um sorriso genu�no, que eu n�o via fazia tempo", diz a m�e.

"O que mais me deixa preocupado � a desesperan�a que vejo em adolescentes", diz o psiquiatra da inf�ncia e adolesc�ncia, da Associa��o Brasileira de Psiquiatria, Gabriel Lopes, que cunhou o termo s�ndrome da gaiola. "� uma entrega." Para ele, os pais precisam se preocupar quando o jovem deixa de se revoltar com a dificuldade que a pandemia traz para sua vida.

Estudo realizado por um grupo de pesquisadores de 20 universidades americanas, analisando adolescentes de Estados Unidos, Peru e Holanda, mostrou que os sintomas de depress�o aumentaram 28% com seis meses de pandemia. Foram acompanhados 1.339 estudantes, de 9 a 18 anos, antes e depois da covid.

Segundo os autores, o apoio social � um dos fatores que mais protegem contra a depress�o dos adolescentes. A conclus�o do estudo � a de que pol�ticas p�blicas durante a pandemia precisam considerar a sa�de mental dos adolescentes, como o incentivo � volta das aulas presenciais.

Evitar conv�vio social e situa��es de conflito traz problemas
Pesquisas tamb�m mostram, no entanto, que retornar para a escola pode ser um fator de forte ansiedade. Isso porque, explica o psiquiatra da inf�ncia e adolesc�ncia da Universidade de S�o Paulo (USP) Guilherme Polanczyk, ela � um espa�o de amea�a social, onde o jovem pode se deparar com situa��es de conflito, inesperadas. "Eles se sentem confort�veis em casa, s� mant�m contato com os amigos, com quem t�m uma boa rela��o, se sentem seguros."

Mas, segundoPolanczyk, ao evitar essas dificuldades, n�o desenvolvem habilidades importantes para toda a vida. "Muitos est�mulos que eram normais para um adolescente deixaram de existir. Eles perdem autonomia."

Paulo, de 15 anos, se formou no ensino fundamental sem nunca ter pisado na escola. Ele mudou de institui��o no meio da pandemia, no ano passado. E em 2021, como foi para o ensino m�dio, mudou de novo, para outra que tamb�m nunca esteve. Mas n�o tem vontade de conhecer.

"Ele faz tudo pelo computador, para ele est� �timo. Me preocupo muito como vai ser quando abrir o mundo", diz a m�e F�tima. Ela conta que sente o menino ansioso, mas muito quieto e sem reclamar de nada. E lamenta que, antes da covid, Paulo estava come�ando a sair sozinho, ir a festas, ao shopping com amigos. "� muito triste."

"Um aluno que est� em casa muito mal nos preocupa muito, mas o que est� em casa muito bem tamb�m nos preocupa muito", diz o orientador educacional do Col�gio Santa Cruz, Silvio Hotimsky. Segundo especialistas, a escola � fundamental para identificar eventuais problemas, mesmo por meio das c�meras da aula online. Ele conta que tenta levar ao presencial adolescentes que est�o desconectados do grupo. "Adolesc�ncia � o momento do encontro, de identifica��es, e tudo isso sofre uma regress�o quando se est� em casa s� com a fam�lia."

Para Lopes, pais e m�es muitas vezes veem como "um motivo nobre" o fato de o adolescente n�o querer ir para a escola, j� que estaria se preocupando com os outros. "Tem de olhar melhor para isso. Claro que tem a preocupa��o leg�tima com os pais, o medo, mas pode estar escondendo outro motivo."

Alice, de 13 anos, ficou o ano passado todo fechada em casa e resolveu, perto do Natal, ir pela primeira vez a um shopping no interior de S�o Paulo, onde mora. Ao passear pelos corredores, come�ou a sentir falta de ar e muito medo. Foi diagnosticada com transtorno de ansiedade, algo que nunca tinha ocorrido. "Eu tinha muito medo de pegar a covid, de passar para os meus pais."

Em mar�o, quando estava se preparando para voltar �s aulas presenciais, a crise veio de novo. "Sentia que tinha algo na minha garganta, fiquei duas semanas quase sem comer nada e emagreci tr�s quilos. "Era a escola. Voltar me deixou muito nervosa". Alice passou a tomar rem�dios, agora se sente melhor. Sua escola ser� aberta amanh�, mas os pais n�o a deixaram voltar por medo de contamina��o. "Estou mais tranquila e com saudade dos meus amigos."

Ap�s crises de p�nico, aluno parou aulas presenciais e online
Antonio fez 15 anos durante a pandemia, em um ano que, mesmo sem quase sair de casa, seu pai se contaminou com a covid-19 e seu av� morreu da doen�a. At� ent�o, era um aluno excepcional, que adorava o col�gio e gostava muito de ler.

Mas os eventos de 2020 fizeram Antonio passar a ter crises de p�nico s� de pensar em escola e a praticamente parar de estudar neste ano.

O menino j� tinha diagn�stico de transtorno obsessivo compulsivo (TOC), caracterizado pela obsess�o por ideias ou imagens que muitas vezes s� � amenizada por um ritual de compuls�o, com regras r�gidas e preestabelecidas. A m�e Marta, tamb�m com TOC, percebeu aos 8 anos que o filho lavava excessivamente as m�os. Segundo especialistas, adolescentes j� com um transtorno mental foram ainda mais prejudicados com a falta de escola durante a pandemia.

"Passamos o ano presos e com muitas fobias, rituais de limpeza, ele n�o teve aulas presenciais nem saiu para lugar nenhum em 2020", conta Marta. Em fevereiro, com a proximidade da volta �s aulas presenciais, a m�e conta que o menino "n�o tinha mais unhas para roer".

Ele chegou a ir tr�s vezes � escola e passou a ter crises de p�nico. "Ele j� despertava para o caf� com olhos arregalados, veias saltando no pesco�o, tremendo."

Quando a educa��o fechou novamente em S�o Paulo, o ensino remoto tamb�m n�o foi f�cil. "A pior coisa que inventaram nessa pandemia foi o ensino a dist�ncia", diz Antonio. J� no ensino m�dio, ele come�ou a estudar compulsivamente por 12 horas e ter ideias recorrentes de que nunca conseguiria tirar nota boa, sendo que era um aluno exemplar. Mesmo com medica��o e acompanhamento m�dico, ele n�o melhorava.

A m�e, ent�o, contou a situa��o � dire��o da escola, que permitiu que ele apenas fizesse as provas e n�o precisasse mais participar das aulas online. Marta passou a cronometrar o tempo de estudo do filho, que n�o poderia passar de meia hora por dia. Mesmo assim, ele tirou �timas notas. O arranjo deve continuar durante todo o semestre, para al�vio de Antonio.

"S� de falar em voltar, ele j� n�o dorme mais, come�a a tremer", diz Marta. Antonio ainda n�o consegue ler livros porque a compuls�o pela checagem o impede de passar do primeiro par�grafo. Mas j� se sente mais tranquilo, ao menos em casa. Desligou seu celular e pouco fala com os amigos da escola, que insistem em saber se est� bem.

Antonio agora se preocupa com os jovens ocupando as UTIs. "S� volto para a escola quando todos os professores e alunos forem vacinados."

As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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