Com o uso indiscriminado das medica��es do kit covid, ineficazes contra o v�rus, m�dicos avaliam que questionamentos sobre uso desses rem�dios devem passar a fazer parte da rotina no atendimento de pacientes. Casos de queixas cardiovasculares e hep�ticas est�o entre os que exigem mais aten��o.
O aumento dos chamados eventos adversos j� � notado por profissionais, mas ainda n�o � poss�vel estimar danos em longo prazo. Isso porque os medicamentos t�m sido usados fora do previsto pela bula e n�o h� estudos mostrando os impactos do "coquetel", formado por hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, azitromicina e nitazoxanida - associados ou n�o. Conforme o Estad�o revelou, m�dicos j� relatam pacientes na fila de transplante de f�gado ap�s o uso de ivermectina.
No Painel de Notifica��es de Farmacovigil�ncia, a Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) registra suspeitas de eventos adversos de medicamentos e vacinas. Embora n�o seja poss�vel estabelecer que os efeitos adversos realmente foram causados pelas medica��es, j� que podem estar relacionados com doen�as pr�-existentes ou com intera��es medicamentosas, os dados apontam um aumento dos registros tanto nos rem�dios de um modo geral quanto nas medica��es do kit covid.
Em 2019, foram 8.578 notifica��es de eventos adversos causados por medicamentos e o n�mero saltou para 19.464 em 2020. A cloroquina, amplamente defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, registrou 139 epis�dios em 2019. No ano seguinte, saltou para 916, alta de 558%.
A hidroxicloroquina e a ivermectina n�o tiveram registros em 2019, mas apresentaram 150 e 11 notifica��es, respectivamente, em 2020. J� a azitromicina passou de 25 para 80. Apenas a nitazoxanida apresentou queda, de oito para quatro. A Anvisa destaca que o painel "n�o apresenta resultados da an�lise de causalidade, assim, todos os casos s�o suspeitos" e alerta para riscos do uso indiscriminado e sem orienta��o m�dica. Para dificultar o cen�rio, os pacientes t�m usado os produtos em quantidades e intervalos variados.
"J� tem sido observado em todo o Pa�s que h� casos de altera��es hep�ticas e cardiol�gicas. Perguntar sobre medica��es em uso j� faz parte da nossa rotina e j� lidamos com medica��es que trazem efeitos colaterais. O que acontece � que ainda n�o tinha n�mero t�o grande de pessoas usando essas medica��es do kit covid. N�o basta perguntar se a pessoa teve covid e usou, porque tem pessoas que fazem uso de forma preventiva, embora essas medica��es n�o tenham indica��o para a doen�a", diz Fabiano Gon�alves Guimar�es, membro da Sociedade Brasileira de Medicina de Fam�lia e Comunidade (SBMFC).
Segundo ele, pacientes que fizeram uso da medica��o podem manter a rotina de check-ups, mas devem ficar atentos a mudan�as. "Altera��es das fezes ou urina, sensa��o de palpita��o ou cansa�o podem ser sintomas." Guimar�es afirma que, no futuro, m�dicos podem ter de lidar com efeitos ainda desconhecidos do uso em longo prazo ou em doses altas dessas drogas.
"Quando a gente pensa em danos por uso, sabemos que tem (casos) pelo uso habitual, mas desconhecemos que efeitos podem ocorrer por uso prolongado de medica��es que n�o foram testadas para isso. Podemos ser surpreendidos por danos e efeitos colaterais", alerta ele, que � m�dico da fam�lia. "E n�o temos dimens�o de quantas pessoas fazem uso e teremos dificuldade de avan�ar nas pesquisas (sobre o tema), porque n�o temos refer�ncias internacionais, j� que o kit est� sendo usado basicamente no Brasil. Estudos internacionais foram interrompidos quando o dano causado pela medica��o foi apresentado", completa Guimar�es
Consultor do Comit� Extraordin�rio Covid AMB, da Associa��o M�dica Brasileira, o m�dico infectologista Alexandre Naime Barbosa diz que j� h� estudos que comprovaram que as drogas n�o s�o eficazes contra a covid, mas m�dicos continuam prescrevendo e pessoas se automedicam, mesmo diante dos riscos.
"Se juntar todos os estudos, j� est� muito claro que esse tratamento � ineficaz. Outras drogas t�m aus�ncia de benef�cio, como � o caso da ivermectina. O uso di�rio levou a cinco casos de toxicidade grave. Tr�s evolu�ram para �bito e outro saiu do quadro por um transplante hep�tico. No futuro, teremos de levar isso em considera��o no nosso racional cl�nico, quando fazemos as hip�teses. Teremos de perguntar se o paciente tiver arritmia, exames hep�ticos alterados."
Barbosa, chefe do Departamento de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Botucatu, estima que, com o alto consumo dessas medica��es, � poss�vel que haja uma popula��o acometida pelos impactos do uso indiscriminado no futuro. "Vamos ter um porcentual da popula��o de arritmia por hidroxicloroquina e com quest�es hep�ticas por ivermectina. � como se as pessoas estivessem tomando veneno. � inacredit�vel o que est� acontecendo."
Ivermectina registra 769% de aumento nas vendas
Dentre os medicamentos do kit covid, a ivermectina apresentou o maior crescimento de vendas no 1� bimestre de 2021 - 769% ante o mesmo per�odo de 2020, quando o Pa�s ainda n�o era impactado pela doen�a. Os dados s�o do Conselho Federal de Farm�cia (CFF) com dados da consultoria IQVIA, que analisou ainda a alta nas vendas de hidroxicloroquina (+173%), azitromicina (+123%) e nitazoxanida (+16%). Diarreia, n�useas, dor abdominal, tontura, v�mitos e taquicardia est�o entre os principais efeitos adversos dessas medica��es, segundo as bulas desses medicamentos.
"A identifica��o de eventos adversos sempre vai exigir a comunica��o para a vigil�ncia sanit�ria, porque a Anvisa ter�q mecanismos para identificar suspeitas de efeitos adversos. Muitas rea��es s�o comuns a v�rios medicamentos, ent�o, tem de investigar. �s vezes, pensa que � rea��o a um medicamento A e � um B, tem rea��es relacionadas � dose. Mas, provavelmente, est� tendo sinergias de efeitos, rea��es ao kit como um todo", sugere Wellington Barros, consultor do CFF.
Segundo ele, os farmac�uticos j� recebem a recomenda��o de orientar pacientes sobre intera��es medicamentosas e alertar sobre efeitos adversos. Isso foi refor�ado na pandemia. "No uso de medicamentos off label para covid, entre abril e maio, o CFF lan�ou carta aberta e encaminhou a todos os farmac�uticos para controlar e monitorar esses casos. O conselho recomenda ainda que o profissional verifique se foi assinado o termo de ci�ncia e consentimento entre m�dico e paciente para o uso dessas medica��es em casos de infec��o pelo v�rus.
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