
� enganosa uma mensagem publicada no Twitter que sugere que o Governo Federal recusou propostas de aquisi��o de vacinas da Pfizer em 2020 como estrat�gia para obter um contrato com cronograma de entregas mais vantajoso em 2021.
N�o h� evid�ncias de que a recusa de uma oferta da farmac�utica em dezembro e a aus�ncia de manifesta��o do Minist�rio da Sa�de sobre propostas anteriores tenham contribu�do para a pasta antecipar o recebimento de um volume maior de vacinas at� setembro deste ano.
A companhia, que aumentou seu potencial produtivo do imunizante em 2021, tamb�m antecipou o cronograma de entregas de doses para os Estados Unidos e a Uni�o Europeia. Registros p�blicos indicam que o principal impasse nas discuss�es entre a Pfizer e o governo no fim do ano passado foram as cl�usulas de contrato propostas pela empresa.
A publica��o ainda omite que, em agosto do ano passado, a Pfizer chegou a ofertar lotes programados para dezembro e um volume maior de doses no primeiro semestre de 2021, se comparado ao contrato assinado pelo Minist�rio da Sa�de.
Epidemiologistas ouvidos pelo Comprova afirmam que vidas poderiam ter sido salvas caso a imuniza��o contra o coronav�rus tivesse sido iniciada mais cedo. Eles ressaltaram que o governo poderia ter refor�ado as compras em contratos futuros – como ocorreu recentemente.
O Minist�rio da Sa�de e o autor do tu�te foram procurados pelo Comprova, mas n�o responderam aos nossos contatos at� a publica��o desta checagem.
Como verificamos?
Buscamos, em mat�rias publicadas por diversos ve�culos de comunica��o desde o come�o do ano, informa��es sobre o processo de compra dos imunizantes produzidos pela Pfizer. A ideia foi entender a cronologia da negocia��o com a farmac�utica.
Depois, acessamos material publicado na imprensa sobre as declara��es a respeito do assunto que est�o sendo dadas por testemunhas ouvidas na Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito do Senado, para tentar esclarecer pontos que ainda n�o s�o totalmente claros nesta negocia��o.
Tamb�m ouvimos dois epidemiologistas para entender as poss�veis consequ�ncias de se ter adiado o in�cio da vacina��o.
Por fim, contatamos o Minist�rio da Sa�de e o autor da postagem no Twitter, @LorenzonItalo, que n�o nos responderam at� a publica��o deste texto.
O Comprova fez esta verifica��o baseado em informa��es cient�ficas e dados oficiais sobre o novo coronav�rus e a covid-19 dispon�veis no dia 21 de maio de 2021.
Verifica��o
“Cl�usulas leoninas”
Ao dizer que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) recusou um contrato de 70 milh�es de doses de vacina at� em prol de um contrato de 100 milh�es de doses, o post omite que um dos principais impasses nas negocia��es entre a Pfizer e o Governo Federal em dezembro foram as cl�usulas dos contratos apresentados pela farmac�utica.
Ap�s a empresa comentar publicamente as negocia��es frustradas em janeiro, o governo publicou uma nota em que acusou a companhia de adotar “cl�usulas leoninas” no contrato, como um dispositivo que eximia a responsabiliza��o da farmac�utica por poss�veis efeitos colaterais ligados � vacina��o.
Discursos do presidente Jair Bolsonaro refor�am que as cl�usulas foram um ponto sens�vel da negocia��o. “L�, na Pfizer, t� bem claro no contrato: n�s n�o nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se voc� virar um jacar�, � problema de voc�”, afirmou Bolsonaro, durante pronunciamento em dezembro.
O comunicado de janeiro do governo cita que o n�mero de doses iniciais era baixo e causaria “frustra��o em todos os brasileiros”. A proposta, no entanto, previa quase o mesmo n�mero de doses at� o segundo trimestre se comparada � oferta da farmac�utica realizada em fevereiro deste ano, que foi atualizada pela empresa em mar�o e finalmente aceita pelo governo brasileiro. N�o h� evid�ncia, portanto, de que, como quer fazer crer o tweet verificado, o governo n�o fechou o contrato no fim de 2020 porque a quantidade de vacinas oferecida era menor que o desejado.
Em janeiro, segundo uma mat�ria do Estad�o, o governo federal deixou de incluir em uma Medida Provis�ria (1.062/2021) um dispositivo que permitia que a Uni�o se responsabilizasse por poss�veis efeitos colaterais da aplica��o dos imunizantes. A cl�usula faz parte dos contratos que a Pfizer firmou com v�rios outros pa�ses que adquiriram as vacinas contra a covid-19, assim como a exig�ncia de garantias por parte do governo brasileiro — trecho que tamb�m foi suprimido da vers�o original da MP. Um outro texto legal, com previs�es similares ligadas � responsabilidade civil e que autorizou que o governo federal fechasse o primeiro acordo com a farmac�utica s� foi sancionado em 10 de mar�o.
Aumento de produ��o
Com mais de 12 mil intera��es no Twitter, a publica��o enganosa afirma que “Bolsonaro recusou um contrato de 70 milh�es de doses de vacina at� dezembro/21 em prol de um contrato de 100 milh�es de doses at� SETEMBRO/21.”.
As propostas iniciais da Pfizer ao governo brasileiro de fato previam a entrega de 70 milh�es de doses at� o fim de 2021. Tamb�m � verdade que o contrato assinado em mar�o deste ano estabeleceu um cronograma com 100 milh�es de vacinas at� o terceiro trimestre. O que o boato n�o menciona � que a farmac�utica expandiu sua capacidade produtiva do imunizante e tamb�m ofereceu melhores prazos de entrega para outros pa�ses.
O post analisado pelo Comprova remete a uma oferta da Pfizer de 70 milh�es de doses realizada em novembro de 2020 e discutida com o Minist�rio da Sa�de no m�s seguinte. Recusada pelo governo, a proposta estipulava a entrega de 2 milh�es de doses no 1º trimestre de 2021; 6,5 milh�es no 2º trimestre; 32 milh�es no 3º trimestre; e 29,5 milh�es no 4º trimestre, conforme revelou a farmac�utica.
Antes disso, a empresa havia oferecido, em agosto, tr�s ofertas com seis op��es de compras divididas em 30 milh�es e 70 milh�es de doses. Todas foram ignoradas pela pasta, segundo depoimentos na Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito (CPI) sobre o enfrentamento da pandemia no Brasil.
As condi��es da proposta de novembro s�o semelhantes �s de um outro contrato oferecido pela Pfizer em fevereiro deste ano. Depois, outros prazos de entrega foram oferecidos ao governo brasileiro e o contrato com a farmac�utica foi assinado em mar�o. A diferen�a � que a �ltima oferta envolve um volume de mais 200 mil doses at� o primeiro semestre e mais 30 milh�es de unidades adicionais nos �ltimos tr�s meses do ano – o que resultou na quantidade total de 100 milh�es de vacinas.
A proposta da Pfizer finalmente aceita pelo governo tem mais doses n�o porque o governo brasileiro recusou a primeira oferta, mas sim porque a empresa ampliou sua capacidade de produ��o.
Uma mat�ria do Estad�o mostra que em 8 de mar�o a Pfizer apresentou um novo cronograma que atualizou a previs�o de entrega de 8,7 milh�es de doses, para 14 milh�es de unidades at� o segundo semestre. A CNN Brasil informou que na mesma reuni�o a farmac�utica se comprometeu a antecipar para setembro a conclus�o da entrega de todas as 100 milh�es de doses. Essas condi��es est�o presentes no acordo assinado pelo governo federal com a farmac�utica em 18 de mar�o.
Ainda na mesma reuni�o, o ministro da economia Paulo Guedes disse que a farmac�utica teria anunciado no evento um aumento da produ��o di�ria da vacina de 1,5 milh�o, para 5 milh�es de doses. Em janeiro, a Pfizer j� havia ampliado a previs�o de fabrica��o anual de doses de 2021 em 750 milh�es, totalizando 2 bilh�es de doses do imunizante.
Conforme mat�ria da revista Veja, a iminente inaugura��o de uma nova f�brica em Marburgo, na Alemanha, corroborou com o an�ncio. Em mar�o, alguns dias depois de ter fechado o contrato de 100 milh�es de doses com o Brasil, a empresa ampliou a meta novamente, dessa vez para 2,5 bilh�es de vacinas.
A expans�o da capacidade produtiva do imunizante tamb�m resultou na antecipa��o do cronograma de entregas de vacinas para outras na��es. Em abril, a presidente da Comiss�o Europeia, Ursula Von der Leyen, informou que a farmac�utica antecipou para setembro a entrega de 50 milh�es de doses � Uni�o Europeia anteriormente previstas para o �ltimo trimestre de 2020.
O presidente da Pfizer tamb�m anunciou adiantamentos no cronograma de entregas do imunizante aos Estados Unidos.
Vacina��o antecipada faria diferen�a
A publica��o analisada pelo Comprova tamb�m n�o menciona que a Pfizer, em agosto do ano passado, ofereceu ao menos tr�s propostas de 70 milh�es de doses com entregas previstas para 2020.
Uma oferta efetuada em 26 de agosto estipulava remessas de 1,5 milh�o de doses ainda no ano passado, 17 milh�es at� o segundo trimestre de 2021, e outras 51,5 milh�es at� dezembro. Em vias de compara��o, o acordo assinado em mar�o pelo Governo Federal define a entrega de 4,5 milh�es de doses a menos at� junho na compara��o com a proposta anterior da Pfizer, embora estabele�a um volume maior a longo prazo.
Para o professor de epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal, a narrativa da publica��o � “absolutamente rid�cula” e ignora os benef�cios da vacina��o precoce. Segundo o cientista, quanto mais r�pido fosse o in�cio da imuniza��o, melhor seria o impacto no combate � pandemia no pa�s.
De acordo com Hallal, o in�cio precoce da vacina��o poderia, por exemplo, diminuir a intensidade da curva epidemiol�gica observada entre a metade de fevereiro e a metade de abril. Somente neste per�odo, foram confirmadas mais de 130 mil mortes por covid-19 no Brasil, segundo dados do Conselho Nacional de Secret�rios de Sa�de.
Ele ressalta que “nada impediria que assinado o [contrato] de 70 milh�es l� atr�s, a Pfizer tivesse ampliado a produ��o e ofertasse um novo, de 100 milh�es esse ano”. Uma situa��o semelhante, inclusive, ocorreu na semana passada.
O Minist�rio da Sa�de anunciou um segundo acordo com a Pfizer para aquisi��o de mais 100 milh�es de vacinas. A nova reserva vai somar com a mesma quantidade de doses j� contratadas em mar�o pelo Governo Federal, totalizando 200 milh�es de unidades, sem prejudicar o acordo anterior.
Tamb�m ouvido pelo Comprova, o epidemiologista e professor em�rito da Faculdade de Ci�ncias M�dicas de Minas Gerais Jos� Geraldo Leite Ribeiro ressaltou que seria prefer�vel iniciar a imuniza��o o mais cedo poss�vel. “Quanto mais r�pido aplicarmos a segunda dose nas pessoas, mais rapidamente n�s vamos diminuir pelo menos a hospitaliza��o [de pacientes infectados]”, disse.
Impacto
Uma mat�ria da Folha, publicada em 13 de maio, cita uma estimativa feita por Pedro Hallal, a pedido do ve�culo, sobre o impacto das 4,5 milh�es de doses que seriam entregues pela Pfizer ao Brasil entre dezembro e mar�o, caso o Pa�s tivesse aceito as primeiras propostas da farmac�utica.
O c�lculo indica que at� 14 mil mortes poderiam ter sido evitadas, dentro de uma margem de erro de 5 mil a 25 mil �bitos. A vacina��o precoce tamb�m poderia ter impedido 30 mil interna��es em unidades de terapia intensiva (UTI). Neste caso, a margem de erro varia entre 23 mil e 37 mil ocorr�ncias.
Para chegar �s estimativas, Hallal considerou uma taxa de letalidade do coronav�rus em 1% e a taxa de efic�cia da vacina de 94%, al�m da hip�tese de que at� um ter�o da popula��o j� apresentaria anticorpos contra o v�rus.
J� uma estimativa feita pela Universidade de S�o Paulo (USP), em parceria com o UOL, aponta que se o acordo de compra de doses tivesse sido fechado no ano passado, o pa�s teria quase 22% da popula��o vacinada pelo menos uma vez contra a covid-19 – um aumento de mais de 8 milh�es de pessoas em rela��o ao n�mero atual de vacinados — 37.729.214, at� 20 de maio, segundo dados do Minist�rio da Sa�de.
Considerando dados do cons�rcio de ve�culos de imprensa, o n�mero � menor, mas ainda corresponde a 18,84% da popula��o.
Por que investigamos?
O Comprova verifica conte�dos suspeitos que viralizaram nas redes sociais e que tratam da pandemia da COVID-19 e de pol�ticas p�blicas do governo federal.Tu�tes enganosos como o do usu�rio @lorenzonitalo, que teve mais de 13 mil intera��es na plataforma, s�o perigosos por distorcerem a real pol�tica de imuniza��o e os esfor�os que foram ou n�o adotados pelo governo federal para garantir a compra de vacinas contra o novo coronav�rus.
Enganoso, para o Comprova, � o conte�do que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpreta��o diferente da inten��o de seu autor, bem como aquele que confunde, com ou sem a inten��o deliberada de causar dano.
