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Estado de Minas GERAL

Padre J�lio Lancellotti e a rotina em prol dos exclu�dos em S�o Paulo

Rotina de ajuda do padre aos necessitados completa 36 anos em 2021


07/06/2021 08:00 - atualizado 07/06/2021 08:20

(foto: Reprodução/Facebook)
(foto: Reprodu��o/Facebook)
O sol ainda n�o clareia as ruas da Mooca, na zona leste de S�o Paulo, quando p�es, bolachas e sucos come�am a encher a mesa para o caf� da manh� no p�tio da Igreja de S�o Miguel Arcanjo. Ap�s a missa das 7 horas, o padre J�lio Lancellotti, de 72 anos, vai se colocar � frente de uma frota de carrinhos de supermercado que v�o servir caf� para, no m�nimo, 500 pessoas, p�blico formado por moradores de rua. � uma rotina que em 2021 completa 36 anos.

O trabalho que o padre paulistano realiza desde que foi ordenado, em 1985, j� lhe rendeu reconhecimento internacional, mas tamb�m cr�ticas. Em uma das mais recentes, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) questionou a �ndole do padre, depois que o religioso se encontrou com o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva, no �ltimo dia 15. "O Lancellotti deu uma Pajero para algu�m h� um tempo atr�s. Os caras colocam o Lula com um padre pensando que fosse um padre s�rio, respons�vel. � daquele padr�o esse padre", disse a apoiadores.

O presidente se referia a um processo no qual o padre J�lio teria sido extorquido por um ex-interno da antiga Febem e pela mulher dele. O casal amea�ou o padre com acusa��es falsas de pedofilia para obter vantagem financeira. Em 2004, o ex-interno comprou um ve�culo Pajero financiado pelo padre, que acabou denunciando a extors�o. O casal chegou a ser detido e libertado em 2008, mas foi preso novamente em 2011, ap�s o ex-interno ter amea�ado Lancellotti de morte. O casal foi condenado a 7 anos e 3 meses de pris�o por crime de extors�o.

O padre diz que o ex-presidente Lula pediu por meio de sua assessoria para fazer uma visita � Casa de Ora��o, uma de suas obras. "Qualquer um que me pedisse eu n�o diria n�o. O ex-presidente foi sem cobertura de imprensa. Eles mesmos puseram nas redes sociais, eu n�o pus nas minhas. Isso gerou uma rea��o do presidente e os ataques que sofri", contou. "No fim do encontro, aben�oei o ex-presidente. Se o presidente (Bolsonaro) for l� nos visitar, ele ser� bem recebido e aben�oado."

Intoler�ncia nas redes

Na ter�a-feira passada, dia 1º, o padre usou as redes para denunciar ataques de uma "mil�cia religiosa" formada por jovens cat�licos que n�o gostaram de ele ter indicado leituras como Teologia e os LGBT+, do padre Lu�s Corr�a Lima. "As missas aos domingos s�o online e a gente costuma ter 14 ou 15 mil visualiza��es. Neste domingo, indiquei livros com entrevistas do papa Francisco e um livro de um padre do interior de S�o Paulo que � ousado, uma releitura da B�blia a partir da filosofia do bode expiat�rio."

A pol�mica ocorreu, segundo ele, ap�s ter indicado a obra do padre Corr�a. "� um jesu�ta, estudioso da quest�o de g�nero. N�o � um livro panflet�rio, nem leviano, e foi editado pela Vozes, que � uma editora cat�lica. A pr�pria editora tinha me mandado e j� est� esgotado", explicou. "Esses grupos mais tradicionalistas adulteraram a minha foto com o livro, o que n�o � uma coisa l�cita. E come�aram a me bombardear."

Os ataques ao padre foram feitos inclusive por rob�s, segundo ele. "Alguns eu bloqueei e eles recriaram quatro, cinco vezes. Conversei com uma jovem e perguntei por que alteraram a minha foto. Ela disse: ‘Voc� � um herege, um comunista que n�o tem salva��o, voc� vai para o inferno’."

Segundo ele, houve manifesta��o tamb�m no WhatsApp. "At� em meu WhatsApp entraram, todos de fora de S�o Paulo", lembra padre J�lio. "Um deles, mais piedoso, disse: ‘Te respeito porque voc� � padre, mas voc� � um condenado. Estou rezando pela sua convers�o porque voc� vai para o inferno’."

N�o � a primeira vez que o padre sofre ataques por defender os LGBTI+. Em 2015, ele foi condenado por membros da Igreja Cat�lica ap�s lavar os p�s da atriz trans Viviany Beleboni, que se crucificou durante a 19ª Parada Gay, em S�o Paulo.

Na homilia da missa de segunda-feira passada, em homenagem � Sant�ssima Trindade, ele j� havia dado um recado a quem � contra a diversidade. "Deus n�o � bin�rio, � trinit�rio. Aberto a tudo e a todos, � o Deus que acolhe a diversidade, � o Deus amoroso e compassivo, comunit�rio, solid�rio. Quem quer um Deus s� para si n�o quer o Deus de Jesus."

Miss�o cotidiana

Padre J�lio tem um hist�rico de brigas em defesa de moradores de rua, menores infratores, ex-detentos, travestis e transexuais. "Um grupo que cresceu muito � o LGBTI+. As mulheres trans, principalmente, est�o feridas. E elas ficam surpresas porque eu as trato bem", diz. "E a� as pessoas me atacam. Isso me deixa triste. � uma coisa deliberada. Algu�m usar a t�cnica de mudar a imagem, de por mensagem no meu perfil como se eu estivesse mandando... Com a tecnologia tudo � poss�vel. Algu�m pode me colocar vestido de nazista, com su�stica na camiseta, e muitos v�o acreditar."

No dia 2, o padre esteve em audi�ncia com o prefeito de S�o Paulo, Ricardo Nunes (MDB) para levar quest�es da popula��o de rua. "Estavam nessa reuni�o, al�m do prefeito, cinco secret�rios. Levei para ele uma imagem de Santa Dulce dos Pobres", conta padre J�lio. "Ele foi receptivo, mas vejo que o Brasil est� muito pulverizado e com um individualismo forte. Muitas vezes as pessoas veem a solidariedade desvinculada de uma transforma��o." Segundo o padre, o prefeito disse que vai melhorar os abrigos de S�o Paulo. "Eu disse: ‘Pois �, nunca vai ter abrigo bom, como nunca vai ter cadeia boa’."

Santa Dulce

Quando os carrinhos voltam vazios do espa�o de conviv�ncia S�o Martinho de Lima para a igreja, o padre inicia a distribui��o de agasalhos. "Fizemos 2 mil agasalhos com capuz, com a foto de Santa Dulce dos Pobres. Com a pandemia, todos t�m de estar com m�scaras, que tamb�m distribu�mos. Entregamos sabonete, desodorante, escova de dente, xampu", conta. "Distribu�mos mil marmitas por dia em �reas como Arm�nia, Pra�a Princesa Isabel, Pra�a da Rep�blica."

O gerente administrativo Gabriel Biscaia, de 28 anos, e parte da fam�lia - sua m�e, Maria Goretti, e o irm�o An�bal - trabalham como volunt�rios. "O �ltimo trabalho foi na coleta de doa��es de produtos higi�nicos. A gente entra em contato, v� o que ele est� precisando e leva aos domingos. Ele faz um trabalho muito efetivo. O padre enxerga as pessoas muito al�m da religi�o, no aspecto humano, sem preconceitos."

Padre J�lio n�o tem carro - "ali�s, nem habilita��o eu tenho", diz - e quase sempre est� com a mesma sand�lia e as mesmas roupas. Ele considera incoerente conviver com moradores de rua e ter carro novo ou algum luxo, mas at� por isso acaba recebendo cr�ticas.

"Meus piores momentos s�o quando vejo moradores de rua sofrendo viol�ncia. Quando sofrem viol�ncia por causa de mim, quando batem neles e falam: ‘Voc� � protegido do padre. Vai chamar o padre para ver voc� apanhar’. Tudo isso � o que se chama hoje de aporofobia, �dio dos pobres."

A pandemia, segundo ele, agravou as condi��es de pobreza. "Vejo hoje muita gente na rua, muita gente empobrecida, sem esperan�a, abandonada. Todo dia recebo milhares de pedidos de ora��o. Todos os domingos, leio dezenas de nomes de falecidos. Parentes pedem ora��es para os que ficaram desempregados, para os familiares que perderam. Muitas vezes, a dor do nosso povo � tratada com deboche. E os que defendem os pobres s�o atingidos pela ret�rica do �dio."

Com cabelos brancos emoldurando a vasta calv�cie e sob o peso da idade que j� lhe rendeu uma artrose no joelho, padre J�lio diz n�o ter inten��o de parar. "Essa � minha miss�o. O arcebispo dom Odilo (Scherer) disse que quem est� com os pobres vai apanhar e sofrer como eles. Est� claro que o caminho que eu fa�o � o do fracasso, porque estou do lado de quem � destru�do e espezinhado."

As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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