Lorena viu a filha Maria, de 1 ano e 5 meses, morrer em seus bra�os. Com diagn�stico tardio, Lucas, de 1 ano, filho de J�ssika, enfrentou diversas complica��es relacionadas � covid-19 e morreu. Jos� Rivera viu o filho Bernardo, de 3 anos, sucumbir � covid uma semana depois de testar positivo.
Eles n�o s�o exce��es. At� meados de maio, 948 crian�as de 0 a 9 anos morreram de covid no Brasil, segundo dados do Sistema de Informa��o de Vigil�ncia da Gripe (Sivep-Gripe) compilados pelo Estad�o. Nesse perfil de v�timas, o Brasil fica atr�s apenas do Peru. A cada 1 milh�o de crian�as, 32 perderam a vida para a doen�a. No Peru, foram 41 por milh�o. As vizinhas Argentina e Col�mbia tiveram 12 e 13 mortes por milh�o, respectivamente.
Para a an�lise, foram considerados 11 pa�ses que registraram pelo menos mil mortes por milh�o de habitantes e que possuem mais de 20 milh�es de habitantes. Pol�nia e Ucr�nia, que entrariam na lista, foram exclu�das pela aus�ncia de dados. O c�lculo foi feito pelo Estad�o com apoio de Leonardo Bastos, estat�stico da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Nos pa�ses europeus, o cen�rio foi completamente diferente. O Reino Unido e a Fran�a registraram apenas 4 mortes de crian�as de 0 a 9 anos, o que d� uma taxa de 0,5 morte por milh�o em cada um dos pa�ses. No continente, o maior n�mero foi registrado na Espanha. L�, a cada 1 milh�o de crian�as, 3 morreram por covid - um d�cimo do �ndice brasileiro.
F�tima Marinho, epidemiologista S�nior da Vital Strategies, uma organiza��o global de sa�de p�blica, explica que o sistema de sa�de do Peru � muito mais prec�rio que o do Brasil. Por isso, j� era esperado que o pa�s andino registrasse �ndices piores. Na Am�rica Latina, o Sistema �nico de Sa�de (SUS) brasileiro tinha capacidade para lidar melhor com a pandemia. "O M�xico tem um plano popular de sa�de, mas � muito restrito. Quem n�o paga pelo menos esse plano morre na cal�ada. Esses tipos de sistema de sa�de s�o um desafio. Com exce��o da Argentina, Chile e Uruguai, est�vamos mais bem preparados que os outros pa�ses latinos", diz a epidemiologista.
A maior parte das mortes aconteceu em maio do ano passado, quando 131 crian�as perderam a vida para a covid-19. Em seguida, vem abril deste ano, com 99 �bitos. Os beb�s de at� 2 anos foram as principais v�timas, correspondendo a 32,7% das mortes analisadas.
De acordo com os dados do Sivep-Gripe, 57% das crian�as mortas pela covid no Brasil eram negras (grupo que inclui pretos e pardos). As crian�as brancas correspondem a 21,5% das v�timas, as amarelas (de origem asi�tica) a 0,9% e 16% n�o tiveram ra�a indicada.
A morte entre ind�genas tamb�m foi bastante expressiva. Apesar de representarem apenas 0,5% da popula��o brasileira, 4,4% das crian�as que perderam a vida para a covid eram ind�genas. Em n�meros, foram 42 mortes, a maioria em Mato Grosso (12) e Amazonas (11).
F�tima Marinho observa que o �ndice de mortalidade entre as crian�as negras j� era maior antes da pandemia. "Muitas das crian�as negras residem em moradias superlotadas, com adultos que precisam sair para trabalhar, que t�m empregos mais expostos ao v�rus, que pegam transporte p�blico. Dessa forma, a carga viral que chega para a crian�a � muito grande", diz.
A epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Esp�rito Santo (UFES), aponta o fim do Mais M�dicos como um dos motivos para o alto �ndice de mortes, principalmente entre as popula��es negra e ind�gena. "N�o houve uma substitui��o dos profissionais. Os locais de mais dif�cil acesso, com popula��o carente, enfrentaram dificuldades no atendimento m�dico."
Especialistas ainda criticam a falta de uma coordena��o nacional de pol�ticas, para definir a volta �s aulas, por exemplo. Para F�tima Marinho, as crian�as deixaram de ser prioridade no Pa�s. "O Estado brasileiro abandonou as crian�as � pr�pria sorte. Cortaram a escola e n�o deram outra alternativa."
Dor
Uma palavra descreve v�rios casos: saudade. Os primeiros sintomas de Lucas, de 1 ano, surgiram em 8 de maio do ano passado. O menino, que nunca rejeitava uma mamadeira, passou a apresentar falta de apetite, al�m de febre. Filho �nico, veio inesperadamente, e era a maior alegria da professora J�ssika Ricarte, que havia passado dois anos tentando engravidar.
J�ssika resolveu levar o filho a um pronto-socorro municipal de Tamboril, a 300 km de Fortaleza. Um exame com ox�metro mostrou que a satura��o de Lucas estava em 86%. Mesmo com isso, o m�dico se recusou a test�-lo para a covid-19 e disse que n�o era mais que uma dor de garganta. "Antes de existir covid, existem outras doen�as, m�e", disse o profissional.
Mas Lucas foi piorando, mesmo ap�s ser transferido para uma UTI pedi�trica. Em 8 de julho, uma chamada telef�nica do hospital p�s fim � esperan�a. "Quando meu filho morreu, isso destruiu a minha vida e a do meu marido, e a dos av�s dele. O primo dele, de 8 anos, tem problemas psicol�gicos porque vive esse luto. Eu t� com tanta saudade do meu filho."
Neste ano, em 11 de mar�o, os m�dicos desligaram os aparelhos que mantinham com vida a pequena Maria, de 1 ano e 5 meses, ap�s uma luta de quase um m�s contra a covid-19. E a assistente social Lorena Ferrari, m�e da menina, sabe bem o que � saudade. "Os m�dicos precisavam fazer exames para diagnosticar a morte cerebral, mas, para fazer os procedimentos, eles precisavam diminuir a quantidade de oxig�nio que Maria recebia. Quando eles diminu�am, a satura��o dela ca�a. Isso n�o � permitido por lei. A gente teve de esperar at� 11 de mar�o, quando a satura��o dela estabilizou. Eles fizeram os exames e constataram a morte cerebral. No dia seguinte, os �rg�os dela foram deixando de funcionar, e os m�dicos foram desligando os aparelhos. Ela morreu nos meus bra�os."
J� Bernardo Rivera, de 3 anos, tinha a sa�de debilitada por um afogamento sofrido em setembro e recebia cuidados em uma UTI montada dentro de casa. Ao contrair o coronav�rus, acabou n�o resistindo: morreu uma semana depois de testar positivo para a covid-19.
O pai, Jos� Rivera, vereador em Alum�nio (SP), exibe for�a ao falar sobre a morte. Diz que precisa apoiar a mulher, que sofre muito com a aus�ncia. "Eu vejo que ela acorda no meio da noite, sem ar, chorando pela falta dele." Mas a serenidade � apenas uma das formas de se lidar com o luto. A saudade n�o deixa de ser dolorosa. "A dor de um pai enterrar um filho � muito grande. N�s sentimos isso na pele, sabemos o quanto � dif�cil."
Testagem tardia
A falta de testes ou at� mesmo a testagem tardia esconde, pelo menos, outras 1,5 mil mortes de crian�as de 0 a 9 anos. A proje��o � da epidemiologista S�nior da Vital Strategies, F�tima Marinho. Ela aponta que a subnotifica��o nessa faixa et�ria pode chegar a 160%. Com a corre��o, seriam quase 2,5 mil v�timas.
Um dos problemas que leva a isso, diz, � a escassez de testes. "J� ouvi m�dicos dizendo que n�o testam crian�as porque tem pouco exame e, se testar a crian�a, vai faltar para o adulto", conta. "Dessa forma, a an�lise para coronav�rus s� � feita, em geral, em crian�as que apresentam a forma grave da doen�a. Mesmo nesses casos, o RT-PCR pode vir tarde demais, quando o v�rus j� n�o est� mais presente na nasofaringe, gerando resultado falso negativo."
Vivian Botelho Lorenzo, intensivista pedi�trica, orienta os pais a buscarem sempre um pediatra para avaliar os filhos. Dentre os sinais mais comuns da covid-19 em crian�as, ela cita sintomas respirat�rios que podem evoluir para a falta de ar, al�m de sintomas gastrointestinais. "Crian�as que evoluem com diarreia e v�mito tendem a apresentar quadros mais graves da doen�a." As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
Publicidade
GERAL
Brasil � o 2� pa�s com mais mortes por covid de crian�as na faixa de 0 a 9 anos
Publicidade
