
O Instituto Butantan pretende encurtar o tempo de testes da Butanvac, candidata � vacina da COVID-19, com produ��o 100% brasileira. Para isso, deve pedir o uso emergencial do imunizante sem os resultados cl�ssicos de efic�cia - obtidos na fase 3 da pesquisa, com base em dados de infec��es e hospitaliza��es de participantes do estudo. O formato alternativo de testes, no entanto, ainda n�o tem consenso entre os cientistas.
Pelo novo desenho planejado pelo Butantan, a libera��o do produto poderia ocorrer ap�s a an�lise da resposta imune dos participantes, diferentemente de pesquisas anteriores, que mediram tamb�m o n�mero de infectados ap�s a aplica��o do produto em teste. A resposta imune � a rea��o do corpo ao v�rus, induzida pela vacina.
Ainda n�o h�, por�m, par�metros internacionais consolidados sobre esse modo de estimar a efic�cia. Segundo a Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa), estudos de fase 3 para as novas vacinas "seriam necess�rios para verificar o desempenho na preven��o de casos graves e sintom�ticos".
Se a exig�ncia da fase 3 for mantida pela Anvisa, � poss�vel que os estudos demorem mais do que gostaria o Butantan. Inicialmente, em mar�o, o governo Jo�o Doria (PSDB) previa iniciar a aplica��o da Butanvac em julho - prazo j� considerado muito curto pelos cientistas, e que n�o se cumpriu. Agora, o instituto fala em concluir os testes dentro de 17 semanas, ou seja, ainda este ano.
O Estado j� fabricou oito milh�es de doses da Butanvac e o Butantan tem cobrado celeridade da Anvisa nas an�lises. Outros institutos brasileiros que desenvolvem vacinas pr�prias - como a Universidade Federal de Minas (UFMG) - preveem concluir os testes dos imunizantes s� na metade de 2022.
Mas por que n�o usar o mesmo modelo de testes que foram usados nas vacinas que deram certo e j� t�m sido aplicadas nos postos de sa�de? Uma boa not�cia para o Brasil � que a vacina��o tem finalmente acelerado, com a chegada de mais doses. Por outro lado, o cen�rio em que boa parte da popula��o j� est� imunizada exige mudan�as de metodologia nos estudos de vacina - e tamb�m de par�metros para avaliar se os ensaios cl�nicos funcionaram ou n�o.
Diferentemente de um ano atr�s, agora n�o � mais poss�vel - nem �tico - testar imunizantes s� em pessoas n�o vacinadas. E, mesmo que os estudos comecem com jovens n�o imunizados, cedo ou tarde os volunt�rios ser�o chamados pela campanha de vacina��o. E acabariam largando as pesquisas.
No Brasil, pesquisas mais adiantadas preveem medir a efic�cia das novas vacinas em compara��o com imunizantes j� existentes no mercado, o que dispensa a exig�ncia de ter n�o vacinados no teste. No modelo, todos os volunt�rios recebem vacinas: uma parte toma imunizantes j� em uso nos postos de sa�de, e a outra parte, doses do produto que se quer testar.
A Butanvac ser� aplicada em um grupo de volunt�rios e testada na compara��o com outro grupo, que receber� Coronavac. O dilema ser�: como medir a efic�cia da Butanvac? Para o Butantan, o imunizante poderia j� ser usado na popula��o ap�s an�lise da resposta imune produzida no grupo que tomou Butanvac, na compara��o com o grupo da Coronavac.
"Neste momento, nenhum estudo de vacina que pretenda ser r�pido pode fazer uso do cl�ssico tipo fase 3 com grupo controle e grupo placebo", disse ao Estad�o o diretor do Butantan, Dimas Covas. Para ele, a efic�cia pode ser estimada pela "compara��o da resposta imune" produzida pelas vacinas.
"Temos a resposta imune contra a Coronavac. Sabemos o perfil e os resultados dos estudos de efic�cia, efici�ncia. Se aplica uma vacina e tem a mesma resposta imune ou superior, obviamente o que se segue a isso deve ser superior: efic�cia, efici�ncia, e assim por diante."
O Estad�o questionou a Anvisa sobre a possibilidade de que pesquisas com vacinas brasileiras possam excluir a an�lise de infectados ou hospitalizados (fase 3 cl�ssica) e considerar como desfecho a resposta imune. A Anvisa diz que, para isso, seria preciso definir um anticorpo "padr�o ouro" obtido pelas vacinas da COVID comprovadamente eficazes. O novo produto, ent�o, seria analisado quanto � possibilidade de gerar este mesmo anticorpo no organismo de quem recebeu a inje��o.
Mas, segundo a Anvisa, h� discuss�es internacionais sobre como definir esse "padr�o ouro" e ainda "n�o existe consenso". Por isso, "neste momento", diz a ag�ncia, mesmo com proposta de compara��o entre vacinas, "estudos de fase 3 seriam necess�rios para verificar o desempenho na preven��o de casos graves e sintom�ticos de uma vacina versus outra". E afirma n�o ter recebido propostas de estudo com este m�todo.
Na �ltima semana, o Butantan reagiu a uma nova exig�ncia da Anvisa de teste adicional para iniciar o estudo da Butanvac em humanos. Para Covas, h� "preciosismo" da ag�ncia.
Tempo
A medida de efic�cia com base na an�lise de quantas pessoas adoeceram ou n�o deve fazer com que os testes das vacinas brasileiras demorem muito mais tempo do que os estudos feitos at� agora e demandem muito mais volunt�rios.
Isso porque, no estudo comparativo, em que ambos os grupos tomam vacinas, o aparecimento de infec��es ou hospitaliza��es tende a ser mais raro. Os testes com as vacinas anticovid que conhecemos hoje andaram rapidamente, entre outros motivos, porque havia alta circula��o do v�rus e boa parte da popula��o estava desprotegida.
"Temo que vai ser mais lento do que as fases 3 que vimos at� agora, com a pandemia em pleno g�s", diz o virologista Fl�vio da Fonseca. Ele coordena as pesquisas da Spintec, vacina anticovid desenvolvida pela UFMG.
Uma das mais adiantadas, a Spintec tamb�m deve ser testada de forma comparativa com outros imunizantes, considerando justamente a previs�o de que todos os brasileiros adultos estar�o vacinados at� o fim do ano. Os testes de fase 3 da Spintec ainda est�o sendo desenhados, mas Fonseca prev� que a Anvisa exigir� resultados sobre infec��es e hospitaliza��es. E, nesse caso, a pesquisa pode levar at� um ano e meio para chegar ao limite m�nimo de infectados.
Ensaios cl�nicos
Embora tenha a previs�o de fazer estudos da Butanvac de forma comparativa com a Coronavac, o Instituto Butantan vai come�ar os ensaios cl�nicos da nova vacina usando grupos que receber�o placebo. Na primeira etapa dos estudos com humanos, ser�o convocados 418 volunt�rios. O requisito � ter mais de 18 anos, n�o ter tomado a vacina da COVID nem ter se infectado. Ser�o selecionados preferencialmente volunt�rios em Ribeir�o Preto (SP).
"S�o pessoas virgens de exposi��o a ant�genos do v�rus. Nem tiveram a infec��o pelo v�rus nem foram vacinadas", explica Rodrigo de Saloma Rodrigues, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo (USP) em Ribeir�o Preto e coordenador dos estudos cl�nicos da Butanvac.
Por causa do avan�o da vacina��o no Pa�s, os testes com esse grupo n�o podem demorar. "N�o seria �tico privar parte dos volunt�rios da pesquisa de um tratamento eficaz quando esse tratamento j� existe", diz Francisco Paumgartten, professor da Escola Nacional de Sa�de P�blica da Fiocruz. O Estado prev� aplicar a 1.ª dose em todos os adultos at� 15 setembro.
Segundo Rodrigues, j� teve in�cio o cadastro de volunt�rios, selecionados de um banco de mais de 90 mil interessados. Nesta semana, a expectativa � chamar o grupo para triagem e coleta de exames laboratoriais. Na pr�xima semana, � previsto retorno dos volunt�rios para a vacina (ou placebo). A 2.ª inje��o seria aplicada 28 dias ap�s a 1.ª.
Os primeiros volunt�rios dever�o ser jovens, de 18 a 30 anos, mais distantes na fila da vacina. Essa fase verifica principalmente a seguran�a do produto e dura oito semanas. Caso o volunt�rio seja chamado para a vacina��o por faixa et�ria, pode abandonar o estudo.
Na etapa seguinte, a pesquisa se amplia para pessoas de 18 a 60 anos e passa a incluir aqueles j� vacinados pela campanha nacional. O grupo de volunt�rios aumenta para 5 mil e todos receber�o alguma vacina: Coronavac ou Butanvac - eles n�o saber�o qual. Pessoas j� vacinadas com algum imunizante diferente, como AstraZeneca ou Pfizer, tamb�m poder�o participar.
Segundo Rodrigues, a Butanvac tem tr�s desenhos diferentes: um para combater o coronav�rus "original" e os outros dois para atacar as variantes Gama e Beta (a de Manaus e a sul-africana). A previs�o � concluir os estudos em 2021. "Rezo todo dia para terminar esse desenvolvimento (da Butanvac) antes do fim do ano", disse Dimas Covas, diretor do Butantan.