
Hordas de f�s prontos para amar, prestigiar e at� defender seu �dolo s�o comuns. Mas, ao contr�rio das �ltimas d�cadas, quando cantores, artistas ou grandes esportistas monopolizavam a idolatria do p�blico, os �ltimos anos marcaram a ascens�o dos empreendedores bem-sucedidos como os novos �dolos pop.
Empres�rios "self-made", aqueles que conseguiram algo por algum tipo de "esfor�o pr�prio'', agora possuem milh�es de seguidores nas redes sociais, causam aglomera��es e re�nem milhares em eventos organizados para falarem sobre suas expertises.
Tal conjun��o de fatores refor�a a idolatria aos empres�rios do pa�s. Mas, para al�m do elemento econ�mico, h� tamb�m a influ�ncia das redes sociais, mais presentes no dia a dia, e do neopentecostalismo, que cresce por aqui, e cont�m dentro da doutrina religiosa um forte apelo empreendedor.
Para Christian Dunker, psicanalista e professor da USP (Universidade de S�o Paulo), por exemplo, pequenos empres�rios brasileiros, com baixa remunera��o, seguem esses rockstars e usam, agora, o status tamb�m de "empreendedor" como consolo para se diferenciar em meio a um ambiente de crise que perdura h� cerca de cinco anos.
"Muita gente saiu da classe m�dia e foi para a classe m�dia baixa nesse per�odo. Nessa hora, a ideia de que voc� � um empres�rio consegue mudar a sua representa��o social. Voc� n�o � mais um desempregado, algu�m que fracassou em um certo jogo de determinadas regras, mas voc� � um pioneiro em um novo jogo de novas regras. Por isso, voc� deseja seguir gente como voc�", disse.
F�s de empres�rios
Nas redes sociais, as p�ginas de empreendedores ou mesmo de marcas que vendem o sucesso s�o comuns. Coment�rios de extrema admira��o ou de compara��o com os empreendedores fazem parte da rotina das novas celebridades.
As p�ginas da empreendedora Camila Farani, que participa do programa Shark Tank, que mostra empreendedores apresentando ideias de neg�cios, contam com milhares de coment�rios elogiosos de f�s que veem na empres�ria uma inspira��o, com uma aura de rockstar.
"Voc� � minha inspira��o de business woman"; "Sou tua f�"; "Cada dia admiro mais"; s�o algumas das rea��es nos coment�rios do Instagram de Farani.
Essa admira��o tamb�m extrapola as redes sociais. Fl�vio Augusto, fundador da Wise Up e da plataforma MeuSucesso, costuma reunir quase 4 mil participantes todo in�cio de ano para falar sobre as expertises, desafios e oportunidades de neg�cios. Ovacionado pelo p�blico, o evento parece um grande concerto musical.
Nem mesmo a pandemia do novo coronav�rus esfria tal popularidade. Em outubro do ano passado, o empres�rio Luciano Hang, fundador da Havan, causou um furor e foi alvo de cr�ticas em Bel�m (PA), onde milhares de pessoas se reuniram para acompanhar a abertura de uma unidade e reverenciar o empreendedor.
Em v�deos divulgados nas redes sociais, Hang aparece correndo em frente a multid�o e � ovacionado pelos presentes. No Instagram, j� existem p�ginas de f�s-clubes voltadas aos admiradores de Hang e Farani, por exemplo, com milhares de seguidores.
Essa presen�a mais pr�xima ao p�blico, possibilitada pelas redes, faz com que o discurso pr�-empreendedorismo ganhe corpo, segundo os especialistas, o que explica tal mitifica��o de empres�rios de sucesso.
"Se voc� tem grandes empres�rios nas redes o tempo todo doutrinando, mostrando o que fazem, ideologizando sua pr�tica, � poss�vel que haja repercuss�o popular e ades�o ao discurso empreendedor ou um fortalecimento daquilo que pode alcan�ar o mesmo patamar do empres�rio", disse Ruy Gomes Braga Neto, professor do departamento de Sociologia e especializado em sociologia do trabalho.

Neoliberalismo e crise
Para os especialistas consultados pela BBC News Brasil, ao promover uma agenda de competi��o entre os indiv�duos, o neoliberalismo, que vem se aprofundando na agenda econ�mica brasileira nos �ltimos anos, fomenta a admira��o aos bem-sucedidos empreendedores.
"No neoliberalismo a sociedade � formada por um conjunto de indiv�duos que competem entre si. Essa ideologia ocorre no n�vel econ�mico, mas tamb�m precisa ser renovada no n�vel subjetivo, pois o indiv�duo precisa de fontes de vontade para manter-se no jogo. Ele precisa ser competente, caso contr�rio, ele n�o se mant�m no mercado e n�o h� espa�o para solidariedade e outros valores que n�o sejam os valores econ�micos", afirmou Neto.
Portanto, em um ambiente competitivo, em que o homem passa a ser analisado tamb�m como uma empresa, aquele que ganha o jogo � admirado - independentemente de o empreendedor vencedor ter tido condi��es diferenciadas ou n�o durante sua trajet�ria.
"Essa l�gica vai produzir uma aspira��o ao reconhecimento por aquele que � o campe�o, o que est� acima dos outros dentro de uma competi��o. Ao admirar algu�m assim, voc� reconhece que a regra do jogo � aquela. Um ganha e outro perde", afirmou Dunker.
"Esses empreendedores modelos est�o ligados a essa vit�ria no mercado. Essas pessoas est�o na m�dia, fazem parte da TV, aportam muito em propaganda. Ent�o, eles viram �dolos de empreendedores populares que jamais ter�o condi��es de competirem nos mesmos moldes", completa.
Desde 2013, o Brasil tamb�m passa por um aumento quase constante do desemprego. Ao fim do �ltimo trimestre daquele ano, o desemprego era de 6,2% da popula��o em idade de trabalhar, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica).
J� no �ltimo trimestre, o percentual chegou a 14,7%, o que representa cerca de 14,8 milh�es de pessoas sem trabalho formal.
Sem escolha, a falta de alternativas formais empurrou milh�es de pessoas a empreender. De acordo com Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV, a crise obriga as pessoas a tomarem mais riscos.
Assim, ao mirar os empreendedores bem-sucedidos, os novos f�s buscam uma refer�ncia para fugir de uma realidade de perda de renda ou desemprego, por exemplo.

"Esse movimento em que as pessoas se espelham [em empreendedores de sucesso] tem uma rela��o com uma conjuntura econ�mica, quando muitas delas t�m uma expectativa, em termos de crescimento e resultados econ�micos, ruim", disse Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da FGV.
Sampaio destaca ainda as recentes mudan�as na economia trazidas pelo advento da tecnologia. Segundo o estudioso, nos �ltimos anos houve um boom de novos neg�cios, como startups, que reduziram a barreira de entrada de novos empreendedores.
"� um movimento positivo, pois esses empreendedores viram refer�ncias, um ciclo positivo que se retroalimenta. Com a nova economia digital, as barreiras de entrada ao empreendedorismo s�o menores do que de outros tempos, ent�o � mais f�cil as pessoas empreenderem, abrir um neg�cio, vender seus produtos e servi�os via plataformas, por exemplo", completou.
Para Dunker, h�, por�m, elementos tipicamente brasileiros que d�o um tom alternativo ao empres�rio brasileiro. Segundo o estudioso, no Brasil, a ascens�o desses novos empreendedores bem-sucedidos n�o envolve sentido de gratid�o ou d�vida simb�lica com aqueles que o auxiliaram para o sucesso, como a fam�lia de origem, universidades, chefes educadores, por exemplo, como ocorre nos EUA.
Al�m disso, empres�rios brasileiros usam a condi��o de empres�rio para esconder certo d�ficit cultural, como se isso o desobrigasse a uma educa��o formal, de acordo com a an�lise de Dunker.
"Hoje, o pequeno comerciante se chama de CEO da empresa. H� um universo lingu�stico de reconhecimento. � como aquela sensa��o da crian�a que tem vergonha do pai nas festas, porque isso mostra as origens dela de ainda ser crian�a. Ao inv�s de voc� agradecer a pessoa humilde que compra do seu com�rcio, voc� acha que vai sentar na mesa com os formados em Harvard, Yale", disse o psicanalista da USP.
Religi�o � fator de influ�ncia
Mas, n�o s� a crise ou o fomento do neoliberalismo � brasileira que completam o quadro. A mudan�a do perfil da religiosidade dos brasileiros nos �ltimos anos tamb�m influencia no comportamento em rela��o aos novos �dolos empreendedores, segundo os especialistas.
Para Ruy Gomes Braga Neto, com o n�mero de evang�licos neopentecostais crescendo no Pa�s, h� uma afinidade do empreendedorismo popular junto a esse crescimento do neopentecostalismo.
"Quando voc� observa as igrejas neopentecostais mais conhecidas, todas as igrejas t�m um forte componente empreendedor e fazem propaganda disso, do bispo que rompeu com a Igreja Cat�lica, fundou a pr�pria igreja e hoje � um grande conglomerado", diz.
De acordo com dados do Censo do IBGE, os evang�licos foram o segmento religioso que mais cresceu no Brasil nas �ltimas d�cadas. A popula��o que se declara evang�lica passou de 6,6%, em 1980, para 22,2% em 2010 - o que representava cerca de 42,3 milh�es de pessoas.
Para Neto, o chamado ao empreendedorismo ocorre, tamb�m, na esfera do sagrado, ganhando for�a e representa��o em todos os estratos populares.
"[O neopentecostalismo] traz um elemento empreendedor muito forte no discurso religioso, que se traduz em uma �tica religiosa adotada por esses trabalhadores. Voc� tem um elemento que n�o � propriamente econ�mico, mas sim um aspecto cultural e religioso que � muito forte. E isso � uma fonte poderos�ssima de convencimento para o empreendedorismo voltado ao popular", afirma.
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