
Esta � a primeira vez que as mortes violentas sobem durante o governo Jair Bolsonaro. Com isso, a taxa do Brasil chegou a 23,6 homic�dios por 100 mil habitantes em 2020 - resultado pior do que no ano anterior, quando foi registrado o menor �ndice da d�cada (22,7), mas ainda melhor do que nos demais anos desde 2011. Em 2019, o n�mero total de assassinatos havia sido 47.742.
As estat�sticas fazem parte do Anu�rio Brasileiro de Seguran�a P�blica e s�o compiladas com base em registros policiais de cada Estado. Para o �ndice, o F�rum considera a soma de homic�dios dolosos (quando h� inten��o de matar), latroc�nios (roubo seguido de morte), les�es corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de interven��o policial.
O mau desempenho geral do Pa�s foi puxado por homic�dios comuns (que subiram 6%, passando de 39,7 mil para 42,1 mil casos) e pela letalidade policial (de 6,3 mil para 6,4 mil, ou 1% maior). Este �ltimo �ndice, inclusive, s� registra aumentos desde 2013. Os assassinatos de agentes de seguran�a tamb�m cresceram no per�odo, de 172 para 194 casos, mas representam apenas 0,4% das mortes violentas e impactam menos no resultado final do balan�o.
Segundo o relat�rio, a alta das mortes violentas aconteceu em 16 das 27 unidades federativas, de forma mais acentuada na regi�o Nordeste. A situa��o mais preocupante foi constatada no Cear�, que notificou 4,1 mil assassinatos e crescimento de 75,1% em rela��o ao ano anterior. O mesmo Estado havia sido recordista de queda em 2019.
Diretor-presidente do F�rum, o soci�logo Renato S�rgio de Lima atribui a escalada de viol�ncia no Estado � crise vivenciada com a greve da Pol�cia Militar no ano passado - per�odo em que houve atua��o de grupos encapuzados e at� toque de recolher. "O Cear� liderava a queda de homic�dios nos anos anteriores, mas o grande marco de virada foi o motim da PM", analisa. "H� uma tens�o cada vez maior em torno das leis org�nicas e da politiza��o das pol�cias."
No relat�rio, o F�rum destaca que o epis�dio, al�m de ter prejudicado pol�ticas p�blicas de seguran�a, tamb�m favoreceu a atividade de fac��es criminosas. "Esse processo de desarranjo pol�tico das institui��es cearenses deu margem para os planos de expans�o do Comando Vermelho local, que iniciou uma ofensiva sobre os territ�rios dos Guardi�es do Estado - seu maior rival local, e a viol�ncia, que estava contida, voltou", diz o texto.
Unidades que tamb�m vivenciaram atrito entre as for�as de seguran�a e governos locais aparecem na sequ�ncia da tabela. Proporcionalmente, completam a lista de maior aumento Maranh�o (30,2%), Para�ba (23,1%), Piau� (20,1%) e Alagoas (13,8%). Segundo os analistas, fatores como piora dos fatores econ�micos, desemprego e sa�de mental durante a quarentena tamb�m podem ter interferido no resultado ruim.
Pa�s tem 2 milh�es de armas particulares, aponta relat�rio
Para o F�rum, outra explica��o para a subida das mortes violentas � o aumento de armas de fogo no Pa�s, uma das bandeiras do governo Bolsonaro. Segundo o relat�rio, atualmente h� 2.077.126 armas particulares. S� em 2020 o incremento foi de 186.071 novas armas registradas na Pol�cia Federal, n�mero 97,1% maior em rela��o ao ano anterior, tendo duplicado o n�mero de armas longas, como carabinas, espingardas e fuzis.
Em paralelo, o Brasil viu crescer a presen�a das armas de fogo nos assassinatos registrados. Em 2019, o instrumento foi usado em 72,5% dos homic�dios. No ano passado, o �ndice saltou para 78%.
"J� � poss�vel perceber correla��o entre o aumento de armas de fogo e o n�meros de assassinatos. Para o Pa�s inteiro, a pol�tica de liberaliza��o come�a a ter efeito nas ruas, embora essa n�o seja a �nica causa", afirma Renato S�rgio de Lima. Na vis�o de especialistas, pol�ticas para redu��o de crimes contra a vida passariam por aperfei�oar o controle e rastreabilidade das armas.
Conselheira do F�rum, Isabel Figueiredo afirma que o tema deve ser tratado com aten��o pelas pol�ticas p�blicas de seguran�a. "� importante dizer que o crescimento de homic�dios � multicausal, ou seja, envolve uma s�rie da faotres. Por outro lado, n�o d� para ignorar um conjunto de evid�ncias cient�ficas j� consolidadas de que o aumento de armas de fogo em circula��o impacta nos assassinatos", diz . "A tend�ncia � que esse fator isolado, por si s�, aumente n�o s� os dados de 2020 mas tamb�m nos pr�ximos anos."
Em rela��o � taxa de homic�dio, 18 das 27 unidades tiveram desempenho pior do que o nacional e acumularam mais de 25 assassinatos por 100 mil habitantes. Lideram o ranking Cear� (45,2), Bahia (44,9), Sergipe (42,6), Amap� (41,7) e Pernambuco (38,3). Entre as regi�es, Nordeste e Sul representam as �nicas em que o �ndice subiu.
Entre os indicadores de mortes violentas, houve recuo de latroc�nios e les�es corporais seguidas de morte. O primeiro foi de 1.586 mil para 1.428 mil (9,9%) na compara��o entre os anos. J� o segundo encolheu de 758 para 672 (11,3%).
Com hist�rico de redu��o das mortes violentas e respons�vel pela menor taxa de homic�dios do Brasil, S�o Paulo foi outro a testemunhar mais assassinatos (1,2%) em 2020. Em janeiro, o governo paulista avaliou que o aumento at�pico poderia estar relacionado a conflitos interpessoais - ou seja, crimes cometidos por pessoas conhecidas por brigas ou desaven�as -, cen�rio que teria sido agravado durante o confinamento por causa da pandemia.
Outra hip�tese � que o cerco maior contra o Primeiro Comando da Capital (PCC) pode ter gerado disputas violentas pela chefia da fac��o, de acordo com Lima. "S�o Paulo sempre teve o monop�lio da droga, sem conflito ou guerra", diz Lima. "A partir do momento que lideran�as tradicionais s�o isoladas, h� pris�es importantes, o fim de rotas consolidadas do tr�fico e um volume grande de recursos bloqueados na Justi�a, n�o se pode descartar a possibilidade de algum conflito por novas lideran�as."
As mudan�as no tabuleiro de brigas territoriais travadas pelo crime organizado podem, ainda, ter contribu�do para o incremento da viol�ncia no Pa�s, de forma geral. "Como efeito do enfraquecimento do PCC, houve uma reconfigura��o do crime, abrindo espa�o para outras fac��es principalmente no Nordeste", afirma o soci�logo.
Ao cen�rio de disputa de grupos criminosos, somam-se os problemas de falta de policiamento provocada por conflitos com administra��es locais ou at� por reflexo direto da pandemia. Escutas realizadas pelo F�rum com mais de 6,6 mil agentes de seguran�a apontam que 29,5% deles ficaram afastados em algum momento das ruas ap�s testar positivo para coronav�rus.
"Em 2018, por ser ano eleitoral, v�rios governos se mobilizaram para um conjunto de medidas importantes, envolvendo Estados, Congresso e governo federal", analisa o diretor-presidente do F�rum. "Mas, quando a gente olha para 2020, percebe que no plano institucional n�o houve esfor�os para a implementa��o do Susp (Sistema �nico de Seguran�a P�blica) e nenhum dos mecanismos previstos saiu do lugar. N�o houve grandes mudan�as na forma de fazer seguran�a p�blica. O Pa�s fica em compasso de espera at� a pr�xima crise."
Na outra ponta da tabela, o Amap� foi quem mais conseguiu reduzir os homic�dios durante a pandemia, totalizando 359 casos - uma diminui��o de 23,6%. O F�rum, no entanto, inclui o Estado no grupo de menor qualidade das informa��es e, portanto, n�o seria poss�vel concluir se a queda aconteceu, de fato, ou se h� problema de registro. Palco de massacre em pres�dio em 2019, o Par� registrou recuo de 20,1% nas mortes violentas no ano passado.
Recuos expressivos tamb�m foram percebidos em Roraima (19,4%) e no Rio de Janeiro (18,4%). No caso do Estado fluminense, o �ndice caiu de 5.980, em 2019, para 4.907 no ano passado e foi puxado pela queda nas mortes provocadas em a��es policiais ap�s o Supremo Tribunal Federal (STF) proibir opera��es em favelas.
Em S�o Paulo, a taxa � de 9 assassinatos por 100 mil, o melhor �ndice do Pa�s e metade da m�dia brasileira. Na sequ�ncia desse crit�rio, aparecem Santa Catarina (11,2), Minas Gerais (12,6) e Distrito Federal (14,2).
Homens, negros e jovens morrem mais
Mais uma vez, os dados do F�rum confirmam que a maior parte das v�timas de mortes violentas � formada por homens, negros e jovens no Brasil. Segundo o relat�rio, 5.855 adolescentes entre 12 e 19 anos foram v�timas de mortes violentas. Tamb�m houve registro de 170 assassinatos de crian�as de at� 4 anos. No total, 54,3% dos mortos estavam no grupo de idade at� 29 anos.
A an�lise por sexo aponta que os homens representaram 91,3% das v�timas de assassinato em 2020. Por sua vez, os negros correspondem a 76,2% das pessoas assassinadas. "Todos os bons programas de preven��o que existem no mundo pensam como lidar com o p�blico mais vulner�vel", diz Renato S�rgio de Lima. "Para mudar o cen�rio, o Brasil precisa compreender a sua realidade e pensar pol�ticas antirracistas e de preven��o da viol�ncia em rela��o � juventude."
Procurado, o Minist�rio da Justi�a e Seguran�a P�blica n�o respondeu at� o momento.
Em nota, a Secretaria da Seguran�a P�blica de S�o Paulo afirma que "as oscila��es registradas nos indicadores s�o alvo de an�lise pela pasta". "Esses estudos s�o a base das a��es realizadas pelas institui��es policiais, que resultaram na queda de 2,5% dos homic�dios dolosos nos cinco primeiros meses deste ano, na compara��o do mesmo per�odo de 2020."
Pelos c�lculos de S�o Paulo, que considera apenas os casos de homic�dios dolosos, as taxas de casos e v�timas por grupo de 100 mil habitantes s�o de 6,38 e 6,72, respectivamente."Uma das estrat�gias da SSP para retomar a trajet�ria de queda dos indicadores criminais � intensificar as opera��es contra o crime organizado, o tr�fico de drogas e diversos outros tipos de delitos", diz. "De janeiro a maio, as a��es policiais permitiram a apreens�o de 108,7 toneladas de drogas, um aumento de 47,7% em rela��o ao mesmo per�odo do ano anterior. Mais de 74 mil criminosos foram presos e encaminhados � Justi�a e 5.001 armas de fogo apreendidas."
Em nota, a Secretaria de Seguran�a do Cear� informou que o motim de policiais ocorrido em fevereiro de 2020 "interrompeu uma sequ�ncia de mais de 30 meses seguidos de redu��o nas mortes provocadas por crimes violentos". Segundo a pasta, o n�mero de homic�dios no estado em 2020 tamb�m foi influenciado pela pr�pria pandemia, devido � necessidade de afastamento de profissionais com sintomas gripais de atividades de seguran�a.
A nota afirma que a secretaria atua de forma preventiva, "por meio da territorializa��o do policiamento em locais com maior incid�ncia de crimes". Acrescenta, ainda, que o trabalho investigativo da Pol�cia Civil do Estado do Cear� (PC-CE) e da intelig�ncia da SSPDS t�m auxiliado na identifica��o e captura de chefes de grupos criminosos. (Colaborou Helo�sa Vasconcelos, Especial Para o Estad�o)