Apenas em maio e junho de 2021, 2.857 beb�s e crian�as brasileiros com at� 6 anos de idade atravessaram irregularmente a fronteira dos Estados Unidos com o M�xico e acabaram detidas pelo servi�o de migra��o.
Esses dados in�ditos do �rg�o americano de Alf�ndega e Controle de Fronteira, obtidos pela BBC News Brasil, apontam que o total de menores de 6 anos apreendidos por agentes americanos em apenas dois meses j� supera todo o acumulado dos 7 meses anteriores.
Destas 2.857 crian�as, 12 entraram no pa�s sem a companhia dos pais ou de algum respons�vel legal por elas e, no momento do encontro com autoridades americanas, foram mantidas temporariamente sob cust�dia do governo do democrata Joe Biden.
Uma delas � o beb� Jo�o*, de um ano e meio, cuja hist�ria a BBC News Brasil contou em detalhes h� uma semana. Jo�o passou mais de um m�s em um lar tempor�rio no Estado da Virg�nia depois que foi encontrado na companhia dos av�s, encaminhados para deporta��o. A m�e dele, que conseguiu acesso aos EUA depois de atravessar a fronteira com seu outro filho adolescente, precisou comprovar n�o ter antecedentes criminais no Brasil para poder se reunir ao beb�. Agora, eles esperar�o em territ�rio americano pelo desfecho de seu processo na Justi�a migrat�ria.
Os n�meros da imigra��o brasileira irregular t�m crescido a cada m�s, e atra�do aten��o crescente do servi�o migrat�rio americano. O pa�s j� � a s�tima origem mais frequente de migrantes sem visto, � frente de Cuba, Haiti, Nicar�gua, Col�mbia e Venezuela, pa�ses que vivem intensas crises dom�sticas e com hist�rico de remeter grandes quantidades de popula��o ao territ�rio americano. A cifra de brasileiros detidos em 2021 ao avan�ar pela fronteira dos EUA sem visto (29,5 mil) � o recorde registrado em toda a s�rie hist�rica, que mede tais movimentos por nacionalidade desde 2007. H� 10 anos, em 2011, apenas 472 brasileiros foram detidos na mesma condi��o.
A esmagadora maioria das quase 4.867 crian�as de at� 6 anos que chegaram dessa forma aos EUA desde outubro passado estava acompanhada dos pais. O mesmo vale para as outras 1.297 crian�as brasileiras entre 7 e 9 anos e os 2.585 pr�-adolescentes e adolescentes entre 10 e 17 anos que, igualmente, fizeram o trajeto no per�odo. � o que as autoridades americanas chamam de unidades familiares: dos quase 30 mil brasileiros j� detidos pela imigra��o em 2021 estavam em fam�lias nucleares, o que inclui pais e filhos.
Essa configura��o tem a ver com uma estrat�gia estimulada pelos coiotes, como s�o chamados os operadores dessas rotas ilegais. Eles incentivam a pr�tica do "cai-cai": ou seja, a viagem de migrantes sem visto com seus filhos menores de idade para garantir que os adultos n�o sofram deporta��o imediata na chegada aos EUA, quando se apresentarem �s autoridades locais.
"Acompanhei o caso recente de um homem que juntou os US$ 12 mil cobrados por um coiote e ficou furioso quando a m�e de sua filha, com quem n�o era casado, n�o aceitou que a menina de 15 anos o acompanhasse na jornada pelo M�xico. Ele dizia que para fazer um 'investimento' t�o alto, precisava ter a certeza de que n�o seria deportado. E isso s� seria poss�vel com a presen�a da adolescente, que n�o seria deportada nem separada de seu pai", relata a soci�loga Sueli Siqueira, especialista em migra��o de brasileiros para os EUA da Universidade do Vale do Rio Doce.
Estrat�gia 'cai-cai'
Tanto autoridades brasileiras quanto americanas ouvidas pela reportagem afirmam que a estrat�gia "cai-cai" havia sido praticamente abandonada durante a gest�o Trump, quando o ent�o presidente republicano adotou pr�ticas como a separa��o entre pais e filhos, a deporta��o sum�ria de menores de idade e a obrigatoriedade de esperar pela resposta ao pedido de asilo em territ�rio mexicano.

Mas todas essas medidas restritivas foram revistas e, parcial ou totalmente, abolidas ainda na gest�o Trump ou j� no governo Biden, o que levou � retomada do "cai-cai".
Eleito sob a promessa de tornar o sistema de migra��o "mais humano" e de criar um caminho de obten��o de cidadania para 11 milh�es de migrantes que j� vivem no pa�s sem documentos, Biden tem encarado uma crise no assunto, com a chegada de quase 1,3 milh�o de pessoas pela fronteira apenas em 2021. Dessas, 95 mil eram menores de idade sem os pais ou respons�veis.
O volume levou o atual presidente a designar a vice para gerir o problema. Em visita recente � Guatemala, Kamala Harris foi clara: "N�o venham (aos Estados Unidos)".
� improv�vel, no entanto, que o apelo tenha efeito sobre os latino-americanos que querem tentar a vida nos EUA agora. Afundada em um misto de crise econ�mica e descontrole pand�mico, a regi�o vive uma esp�cie de nova d�cada perdida, que lembra os anos 1980. N�o por acaso, foi nesse per�odo que a primeira grande onda de migrantes brasileiros chegou aos EUA, em fuga do desemprego e da infla��o alta. Agora, de acordo com o IBGE, o desemprego no Brasil se aproxima dos 15% e a infla��o tem mostrado for�a especialmente em itens b�sicos, como alimentos.
Para a soci�loga Sueli Siqueira, a "desesperan�a com a pol�tica e a economia do Brasil" e a "cren�a de que Biden v� tornar mais f�cil a vida de quem vem de fora" t�m alimentado o fluxo de brasileiros, que deve se manter alto ainda por muitos meses.
Ela nota ainda que as caracter�sticas dessa migra��o - majoritariamente em fam�lia - tamb�m indicam que essas pessoas est�o tentando uma mudan�a definitiva de pa�s, um reassentamento e recome�o de vida, e n�o apenas trabalhar ganhando em d�lares por algumas temporadas para depois regressar ao Brasil.
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