Chefe do Minist�rio P�blico de S�o Paulo (MP-SP), �rg�o respons�vel por fazer o controle externo das pol�cias, M�rio Luiz Sarrubbo acredita que o Estado vive um cen�rio de queda sustentada da viol�ncia policial: "Com as c�meras corporais, deve melhorar mais". Ao Estad�o, o procurador-geral de Justi�a afirma que pol�ticas de controle devem levar em conta quem s�o as v�timas e que o racismo estrutural precisa ser enfrentado no Pa�s. Ele tamb�m critica o armamento da popula��o e atribui a maior circula��o de armas a mais confrontos. Para o procurador-geral, complexidades do sistema de Justi�a contribuem para a sensa��o de impunidade.
S�o Paulo bateu recorde de mortes decorrentes de a��es policiais no 1� semestre do ano passado. J� neste ano, a letalidade caiu 33%. � queda sustentada?
Embora o contexto nacional seja outro, de incentivo � viol�ncia, a PM de S�o Paulo est� fazendo uma s�rie de trabalhos internos para conter a letalidade. � a maior institui��o policial do Brasil, com cerca de 80 mil homens, ent�o veja a dificuldade de construir isso. O Minist�rio P�blico tamb�m faz trabalho envolvendo redes de prote��o, identifica focos de viol�ncia, leva casos para a pol�cia e designa promotores para acompanhar eventuais abusos. Tudo isso, em algum momento, tem de refletir nos n�meros. A nossa perspectiva � que seja uma queda sustentada. Com as c�meras corporais agora, deve melhorar mais.
O que aconteceu em 2020?
� muito dif�cil fazer um diagn�stico. H� um contexto: o Brasil vinha de um momento em que as armas de fogo eram recolhidas da popula��o e, com o governo Bolsonaro, passaram a ser devolvidas. A pol�cia evidentemente teve mais confronto porque h� mais armas circulando. Podem dizer: "Mas j� n�o havia arma por causa do tr�fico?". Hoje tem mais ainda. Qualquer cidad�o tem acesso e, por certo, essa arma vai cair em m�os inadequadas. Isso � muito ruim, porque nos leva ao aumento de confrontos e consequentemente de mortes. � s� isso? N�o, � um contexto gen�rico que pode ser indutor do aumento.
Em se tratando de letalidade policial, diferentes dados e pesquisas realizadas no Brasil apontam que h� um padr�o de mortos: homens, jovens e negros. Nesse caso, n�o � importante focar no perfil da v�tima?
Sem d�vida. Na verdade, o Brasil ainda vive um racismo estrutural muito grande. � injusto imputar isso s� � pol�cia ou ao sistema de Justi�a. Temos de olhar para a sociedade como um todo. O que vou falar � chover no molhado: o racismo estrutural � grave, remonta � escravid�o, � popula��o negra que foi simplesmente jogada, sem direito a nada. At� hoje nenhum governo - de esquerda, direita ou centro - conseguiu superar o problema. Isso acaba se refletindo na quest�o da criminalidade e em consequ�ncia na letalidade policial.
O racismo estrutural reflete na atividade policial?
Afeta em tudo, mas no final acaba refletindo nesse �ndice de mortes. N�o acho que haja racismo na Pol�cia Militar ou na Civil, n�o � isso. At� porque boa parte das corpora��es � formada por negros. Todas as nossas institui��es t�m esse defeito, � um problema brasileiro como um todo. Quantos negros temos no Congresso Nacional? Quantos negros temos no STJ (Superior Tribunal de Justi�a)? E no Supremo? � sempre a minoria. Isso tudo acaba refletindo no n�mero de mortes.
O comportamento de pol�ticos e gestores p�blicos tem impacto na postura da pol�cia na rua?
Eu prefiro ficar sempre com a Constitui��o. For�as policiais e o Estado t�m de cumprir seu papel: a manuten��o da vida de quem quer que seja. Principalmente da v�tima, mas tamb�m do criminoso. Interven��o policial que termina em morte n�o � motivo para comemora��o.
Em Pernambuco, uma crise na seguran�a foi exposta ap�s manifesta��es contra o presidente Jair Bolsonaro serem reprimidas. O Cear� tamb�m testemunhou um motim em 2020. Quais raz�es existem para acreditar que S�o Paulo n�o corre risco semelhante?
Volto a insistir que o trabalho de profissionaliza��o das pol�cias de S�o Paulo � de longa data. N�o creio que a tropa tenha qualquer vi�s ideol�gico, mas sim profissional, de combate ao crime. Essas coisas n�o podem acontecer. Se houver, vai ser apurado.
Bolsonaro tem subido o tom contra o sistema eleitoral e isso tamb�m provoca manifesta��es sobre riscos de ruptura institucional. Em caso de golpe, h� chance de as tropas aderirem?
Na segunda, o Minist�rio P�blico lan�ou nota ressaltando a import�ncia do sistema democr�tico e das institui��es. Eu sou entusiasta das institui��es. Creio que elas n�o faltar�o ao Pa�s e n�o haver� ruptura. Confio no Congresso Nacional, no Supremo, nas For�as Armadas, nas pol�cias e no Minist�rio P�blico. O Brasil chegar� �s pr�ximas elei��es, o sistema garantir�, n�o obstante a exist�ncia de algumas falas que n�s consideramos que n�o deveriam acontecer.
Quando era subprocurador, atuou no caso do Carandiru, que vai completar 30 anos e � um dos mais emblem�ticos. Os PMs foram condenados no j�ri, mas a senten�a foi anulada depois, na segunda inst�ncia, pelo TJ. Tamb�m aconteceu na chacina de Osasco e Barueri, conhecida como "a maior de S�o Paulo"...
Eu acredito no Tribunal do J�ri e no sistema de Justi�a. O Brasil envolve vari�veis e, muitas vezes, a gente n�o alcan�a aquele resultado que a sociedade pretende. Isso envolve todo um sistema de apura��o de provas capaz de construir um arcabou�o probat�rio que leve � condena��o. H� muita defici�ncia. Existe um d�ficit enorme de investigadores e peritos por conta da eterna crise que vivemos. As institui��es tentam crescer, mas convivem com �ndice de miserabilidade muito grande no Pa�s e os investimentos n�o podem ser os desejados. Quando o sistema vai ser eficiente? Quando as institui��es puderem se fortalecer. E incluo at� o Minist�rio P�blico de S�o Paulo, que hoje tem um d�ficit de 200 membros. Isso significa cerca de 10% a menos da for�a de trabalho.
O principal problema est� na fase de investiga��o?
A solu��o passa por incrementar, aparelhar e melhorar as condi��es de trabalho daqueles que s�o incumbidos de apurar os crimes. N�o h� m�o de obra suficiente.
Em julho, o MP ofereceu den�ncia contra 12 policiais no caso de Parais�polis, quando nove pessoas morreram pisoteadas durante uma opera��o. A promotoria v� "homic�dio com dolo eventual", que � uma interpreta��o mais dura comparada � da Pol�cia Civil, que havia indiciado os agentes por "homic�dio culposo". Por qu�?
O MP tem de trabalhar sempre com os ind�cios. No momento de condenar, a d�vida deve contar a favor do r�u. Mas, na hora de acusar, deve ser pela sociedade. A interpreta��o dos colegas (promotores) � que havia ind�cios de dolo eventual, n�o h� outro contexto a n�o ser a prova dos autos e o que diz o C�digo de Processo Penal. Com o andamento do processo, vai se chegar a um resultado. A conclus�o pode ser o que diz o MP ou pode ser de homic�dio culposo.
A diferen�a entre homic�dio culposo ou com dolo eventual � uma nuance jur�dica, nem todo mundo entende. Para conseguir a condena��o dos r�us, � mais f�cil trabalhar a tese em um j�ri popular ou com um juiz togado?
Com juiz togado, mas essa � uma opini�o particular. Notadamente em contexto que envolve PMs pode ser mais dif�cil levar aos jurados porque a diferen�a � muito sutil e fica dif�cil de identificar em caso concreto. O sistema de Justi�a � complexo.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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