Em 10 anos, dobra n�mero de moradores em ocupa��es irregulares em Ilhabela

A dona de casa Domingas Oliveira, de 65 anos, viveu mais da metade da vida em uma ocupa��o irregular, no Morro do Cantagalo, em Ilhabela, litoral norte de S�o Paulo. Quando chegou de Minas com quatro filhos pequenos e sem dinheiro, em 1986, foi o �nico lugar em que conseguiu erguer um barraco e acomodar a fam�lia. Desde aquela �poca, ela v� aumentar o n�mero de moradias e ouve promessas de regulariza��o do seu e de outros im�veis do n�cleo, o que ainda n�o ocorreu. "Quem esperou 35 anos pode esperar um pouco mais", diz.

Em 2010, 6.203 pessoas moravam em assentamentos prec�rios (22% da popula��o na �poca) na cidade, segundo o Projeto de Avalia��o de Impactos Cumulativos, estudo t�cnico que subsidia a��es do Minist�rio P�blico de S�o Paulo em Ilhabela. Em 2020, o n�mero saltou 95% e chegou a 12,1 mil pessoas ou perto de um ter�o dos habitantes da ilha.

Nesse per�odo, a popula��o local cresceu 26%, passando de 28.196 habitantes para 35.591, conforme o IBGE. J� o n�mero de moradias regulares, inscritas no cadastro municipal, ficou praticamente est�vel, em 14,1 mil domic�lios, segundo dados da prefeitura.

Com a alta do desemprego e o d�ficit de moradias, barracos de madeira avan�am pelas encostas de morros. Estruturas prec�rias surgem em meio ao verde da ilha - �rea de preserva��o da Mata Atl�ntica com 360 cachoeiras e 36 praias -, criando n�cleos com esgoto a c�u aberto.

Diferentemente do caso de Domingas, muitas ocupa��es s�o recentes. Em um desses barracos, no ponto mais alto do Morro dos Mineiros, a dom�stica Maria (nome fict�cio), de 39 anos, e os dois filhos - de 14 e 6 anos - vivem o temor de serem despejados.

Em julho, ela foi abordada por policiais ambientais, que falaram sobre a situa��o irregular do im�vel. A mulher conta que soube que o dono anterior foi multado pelo corte do mato para construir o barraco e intimado a deixar o local. Ele n�o pagou a multa e passou o barraco adiante. Maria afirma que desconhecia a situa��o quando seu tio comprou a tapera para ela.

Maria morava em casa alugada, em Caraguatatuba, mas teve de entregar o im�vel ap�s o companheiro ser preso no fim de 2017. A mulher e os filhos foram morar de favor na casa do tio, no Buraco do Morcego, outra �rea de ocupa��o.

"Meu tio ajudou a comprar o barraco e, aos poucos, estamos fazendo as paredes de constru��o. � dif�cil, porque n�o pode subir material aqui. Puxamos a luz, mas ainda n�o tem �gua."

Sem emprego fixo, Maria trabalha como diarista e espera ser inclu�da no projeto de regulariza��o fundi�ria municipal. "N�o gosto de ficar falando porque saio para trabalhar e meus filhos ficam sozinhos. O medo � de algu�m tirar a gente", conta.

J� Domingas foi a primeira a se instalar no Cantagalo e virou l�der de sua comunidade na luta pela regulariza��o do local. Ela conta que, ao chegar � ilha, improvisou como moradia um barraco de lona e buscava sobras de alimentos em feiras livres. Ap�s trabalhar anos como faxineira e vendendo salgados como ambulante, conseguiu construir sua casa de alvenaria, mas ainda n�o tem a escritura. A �rea hoje re�ne quase cem fam�lias. S� agora melhorias come�aram a chegar.

"Demorou, mas uma parte do morro j� tem rua aberta, �gua encanada e energia el�trica, um presente de Deus. Ainda espero a �gua, pois a caixa fica na parte mais baixa e n�o sobe at� aqui. Mas estamos lutando e cada avan�o � uma vit�ria. Tamb�m espero a documenta��o e tenho f� que agora sai."

D�ficit habitacional

A maior parte do arquip�lago, 85%, est� coberta pela Mata Atl�ntica e inclu�da no Parque Estadual de Ilhabela, com 27 mil hectares. Em 2013, o d�ficit era de 644 novas habita��es, mas havia cerca de 4 mil moradias � espera de regulariza��o, segundo o Plano Local de Habita��o de Interesse Social. A prefeitura n�o informou o d�ficit atual.

Para o vereador Raul Gon�alves Cordeiro (PSD), o Raul da Habita��o, a topografia dificulta a fiscaliza��o. Ele conta que, no Morro da Irene, a mata encobre constru��es irregulares, mas � poss�vel ver pontos de luz sob o arvoredo � noite. "A cada semana tem novos barracos."

O engenheiro Ulysses Moreira Neto, que trabalha com regulariza��o fundi�ria no litoral norte, afirma faltar � Ilhabela um programa para reassentamento de fam�lias em �reas de risco. "As ocupa��es s� podem ser prevenidas com pol�tica adequada de conten��o, acompanhada de plano de regulariza��o e de recoloca��o."

Outras obras j� se espalham pelas encostas do Morro da Irene, algumas perto de uma cachoeira. Relat�rio da prefeitura enviado no dia 2 � Companhia Ambiental do Estado de S�o Paulo (Cetesb) aponta como grave problema o lan�amento de esgoto in natura no Morro dos Mineiros. O secret�rio municipal do Meio Ambiente, Xico Graziano, afirma que isso afeta cachoeiras e praias - trazendo risco para a biodiversidade, para os moradores e para os turistas. Recentemente, segundo ele, a Sabesp come�ou a instalar 500 liga��es de esgoto em bairros como Reino, Arma��o e Costa Bela.

Ambiente

A ocupa��o irregular tamb�m provoca o encurtamento de praias. Segundo o secret�rio, a faixa de areia est� estreitando em alguns pontos, principalmente ao norte do munic�pio, por fatores que incluem a eros�o decorrente da perda de vegeta��o.

H� riscos, ainda, para a fauna - s�o 130 esp�cies de mam�feros e 800 de aves, al�m de r�pteis e insetos que habitam as matas do parque estadual -, para os manguezais e para a restinga. O mais amea�ado de extin��o � o cururu�, esp�cie de roedor arbor�cola que s� existe em Ilhabela.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.