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Estado de Minas GERAL

Ap�s 5 anos, crian�as com microcefalia t�m situa��o agravada por pandemia


16/08/2021 08:05

Em meio � pandemia de covid, o Brasil completou cinco anos do an�ncio de outra emerg�ncia em sa�de p�blica: o surto de microcefalia causado pelo zika v�rus. Embora os casos da m�-forma��o venham diminuindo desde 2016, as 3 mil crian�as que nasceram com o problema no Pa�s continuam lidando com sequelas graves da s�ndrome - em alguns casos, agravadas com a crise do coronav�rus.

Alessandro, Laura, Matheus e P�rola fazem parte do primeiro grupo de crian�as nascidas com a s�ndrome cong�nita do zika no Brasil, entre 2015 e 2016. Hoje com 5 anos, tiveram algum n�vel de regress�o em seu desenvolvimento ap�s suspenderem total ou parcialmente o tratamento. S�o acompanhadas pelo Estad�o desde o primeiro ano de vida. Quando completaram 12 meses, uma reportagem especial mostrou o descaso governamental na oferta de terapias e as dificuldades enfrentadas pelas fam�lias. Quatro anos depois, o cen�rio n�o � muito diferente.

Segundo o �ltimo boletim epidemiol�gico do Minist�rio da Sa�de sobre o tema, publicado em fevereiro, das 2.953 crian�as vivas com s�ndrome cong�nita associada ao zika, 56,4% est�o recebendo atendimento especializado. E o problema da falta de acesso �s terapias pode ser ainda maior. Isso porque n�o se sabe ao certo o n�mero real de crian�as vivendo com as sequelas da SCZ no Pa�s por causa do alto n�mero de casos suspeitos da s�ndrome que ainda n�o tiveram investiga��o conclu�da.

De 2015 a 2020, foram notificadas 19.622 suspeitas do quadro, das quais 3.577 foram confirmadas e 2.890 est�o sob investiga��o, mais de 500 referentes a nascimentos ocorridos nos anos de 2015 e 2016. Isso quer dizer que o Pa�s pode ter centenas ou milhares de crian�as com alguma sequela do v�rus sem nem constar nos registros oficiais - e provavelmente sem contar com assist�ncia profissional.

Considerando apenas o ano de 2020, 1.007 novos casos foram notificados, dos quais 35 (3,5%) foram confirmados e 597 (59,3%) permanecem em investiga��o. O pr�prio minist�rio ressalta em seu boletim de fevereiro que os casos sem resolu��o dificultam a elabora��o de pol�ticas p�blicas e destaca que, embora o per�odo cr�tico do surto tenha terminado, o Pa�s vem registrando novos casos da s�ndrome. "O alto porcentual de casos em investiga��o pode comprometer o conhecimento do verdadeiro cen�rio epidemiol�gico da SCZ no Brasil. A notifica��o dos casos suspeitos s� faz sentido se devidamente investigados, de modo a produzir informa��o confi�vel e guiar o planejamento das a��es para enfrentamento da doen�a", destaca o documento.

Tamb�m chama a aten��o a alta mortalidade entre essas crian�as. Dos 3.423 nascidos vivos entre 2015 e 2020 com o diagn�stico confirmado da s�ndrome, 493 j� morreram, o equivalente a 14,4%. Se calculada a taxa de mortes por mil nascidos vivos at� 5 anos, o �ndice das crian�as com a s�ndrome � de 144, dez vezes maior do que esse �ndice na popula��o geral da mesma faixa et�ria (13,9).

Para Germana Soares, presidente da Uni�o M�es de Anjos (UMA), associa��o de Pernambuco que representa fam�lias de crian�as com a s�ndrome do Estado, a pandemia s� agravou as dificuldades vividas pelas crian�as e suas fam�lias. "Guilherme, sem a fisioterapia, foi ficando com o p� atrofiadinho e tive de passar com ele numa consulta de urg�ncia no ortopedista", explica ela, referindo-se ao filho, tamb�m de 5 anos.

A m�dica Mariangela Rocha, coordenadora da infectologia pedi�trica do Hospital Universit�rio Oswaldo Cruz (HUOC), no Recife, refer�ncia no Estado para acompanhamento das crian�as com a m�-forma��o, conta que, durante a pandemia, a unidade se tornou refer�ncia tamb�m para atendimento de covid-19, o que dificultou a manuten��o do atendimento multidisciplinar. "Ficamos praticamente com todos os leitos dedicados � covid", conta ela, que tamb�m teve de se distanciar do trabalho presencial por ser do grupo de risco.

A m�dica diz que os terapeutas do hospital chegaram a gravar v�deos com instru��es para os familiares fazerem estimula��o com as crian�as em casa, mas que, por mais dedicados que sejam os pais, dificilmente os esfor�os substituir�o um atendimento profissional. A m�e de Guilherme conta que, mesmo antes da pandemia, os centros de reabilita��o que atendiam as crian�as foram reduzindo as vagas. "E alguns centros mais distantes da capital t�m dificuldade para contratar profissional porque ningu�m quer estar em um local mais pobre e distante para ganhar R$ 1,4 mil. S�o v�rios obst�culos", diz.

Para Monique Oliveira, doutora pela Faculdade de Sa�de P�blica da USP que, em sua tese, pesquisou a rela��o da ci�ncia com as fam�lias no zika v�rus, "o esfor�o da comunidade cient�fica foi fechar a rela��o de causalidade entre o zika e a microcefalia". "Mas essa era a pergunta mais relevante? N�o vemos o mesmo esfor�o da comunidade cient�fica para respostas como o modelo de interven��o que precisa ser pensado para essas crian�as. Ent�o fica uma frustra��o das fam�lias."

Governo federal

Questionado, o Minist�rio da Sa�de informou que, atualmente, h� 506 servi�os de reabilita��o que recebem or�amento de custeio do governo federal. De acordo com a pasta, muitos desses servi�os "passaram a utilizar estrat�gias alternativas por causa da pandemia, como o teleatendimento". Al�m disso, ressaltou que foram investidos, desde 2015, mais de R$ 223 milh�es em pesquisas relacionadas aos temas zika e microcefalia.

Alessandro

'11 KG E DIFICULDADE PARA PODER COMER

O pesadelo da fam�lia de Alessandro come�ou com a dificuldade dele em se alimentar pela boca ap�s parar com as sess�es de fonoaudiologia. Com o atendimento semanal suspenso por causa da pandemia, o garoto de Goiana, cidade a 70 km do Recife, passou a ter dificuldades para deglutir e come�ou a perder peso. Chegou a pesar, no in�cio de 2021, 11 quilos - o esperado para crian�as na faixa dos 2 anos.

Segundo a m�e, a dona de casa Rayane Gomes Mendes, de 24 anos, por alguns meses o menino teve de ser nutrido por sonda - primeiro pela via nasog�strica, aquela que � colocada do nariz at� o est�mago. "Era fevereiro de 2021 e os hospitais todos lotados por causa da covid, eu fiquei muito nervosa, tremia, n�o conseguia dormir quando ele estava nessa situa��o", diz ela. A ang�stia de ver o filho internado com quadro de desidrata��o fez a jovem desenvolver depress�o, doen�a que vem agora tentando controlar com medicamentos e terapia.

Rayane espera agora que o menino consiga retomar integralmente as terapias que fazia em tr�s hospitais.

Laura

'ELA N�O SENTA, N�O USA A M�O'

Sem fisioterapia, a rigidez muscular, t�pica das crian�as com sequelas neurol�gicas, se intensificou. "Ela teve de entrar at� no Rivotril por causa da musculatura r�gida. A fisioterapia era boa para relaxar os m�sculos, para poder fazer coc�. Na fono, fazia exerc�cios para conseguir deglutir a saliva, para n�o broncoaspirar. Alimento, ela n�o consegue comer, usa sonda. Com a suspens�o, n�o tem mais evolu��o. N�o senta, n�o pega nada com as m�os", diz a dona de casa Jaqueline Oliveira, de 30 anos, m�e de Laura.

Como se n�o bastassem os preju�zos em sua qualidade de vida, a menina de 5 anos (g�mea de Lucas, que nasceu sem a m�-forma��o) foi afetada at� pela crise econ�mica na pandemia. Seu pai perdeu o emprego ap�s a empresa onde trabalhava fechar - o dono morreu de covid.

Sem a principal renda da casa e com Laura e mais tr�s crian�as para sustentar, Jaqueline e o marido decidiram, em abril, voltar para Pernambuco, onde nasceram e t�m familiares. Foram viver em Camutanga, munic�pio de 8 mil habitantes distante pouco mais de 100 quil�metros do Recife. Ao procurar assist�ncia especializada na cidade, Jaqueline se decepcionou. Segundo ela, os m�dicos "nem sabiam lidar" com uma crian�a com microcefalia.

Matheus

TRATAMENTO PAGO POR VIA JUDICIAL

Matheus � uma das poucas crian�as com a s�ndrome cong�nita do zika que conseguiu manter as terapias. Como � benefici�rio de um bom plano de sa�de oferecido pela empresa da m�e, ele p�de continuar com sess�es domiciliares de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, al�m de hidroterapia e psicologia fora de casa. H� tr�s anos, tamb�m frequenta uma cl�nica privada que oferece therasuit, terapia inovadora que usa equipamentos, vestimentas e �rteses para estimular de diferentes maneiras as crian�as com problema motor.

A fam�lia entrou na Justi�a para obrigar o conv�nio a arcar com os custos da assist�ncia. "Ganhamos. O tratamento custa de R$ 9 mil a R$ 12 mil por m�s", conta a m�e, a banc�ria Isabel Cristina Gomes de Albuquerque, de 43 anos.

P�rola

'SE EU MORRER, QUEM VAI CUIDAR?'

Durante quase um ano, P�rola ficou sem frequentar as terapias. No meio de 2021, Marcione Gomes da Rocha, de 33 anos, conseguiu que a filha retomasse o tratamento duas vezes por semana em unidades de sa�de da cidade. A vendedora conta que ficou receosa em sair do isolamento por medo de se contaminar e deixar desamparados os filhos, outro dilema das m�es de menores com microcefalia.

Se n�o v�o �s terapias, veem os filhos regredirem no desenvolvimento. Se decidem ir, ficam com o medo de uma contamina��o."Se eu morrer, quem vai cuidar dessas crian�as?", questiona.

Mesmo com a retomada das terapias h� cerca de dois meses, os danos da interrup��o da assist�ncia ainda s�o evidentes para a m�e. "Ela pode ter de fazer cirurgia", conta.

ESTA REPORTAGEM FOI FEITA COM O APOIO DO DART CENTER FOR JOURNALISM & TRAUMA, UM PROJETO DA ESCOLA DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE COLUMBIA (EUA)

As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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