�Na amaz�nia, a realidade � pior do que disse o IPCC�

As �ltimas semanas trouxeram not�cias nada animadoras sobre as mudan�as clim�ticas. No in�cio deste m�s, o relat�rio do IPCC, o painel clim�tico da ONU, apontou que o planeta ficar� 1,5�C mais quente at� 2040 - uma d�cada antes do previsto. Menos de um m�s antes, um estudo publicado na revista Nature mostrou que algumas �reas da Floresta Amaz�nica j� emitem mais di�xido de carbono do que absorvem. A pesquisa foi liderada por Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Investiga��o Espacial (Inpe), �rg�o do Minist�rio da Ci�ncia e Tecnologia, e n�o foi parte das an�lises do relat�rio do IPCC por ter ficado pronta pouco tempo antes.

Foram nove anos dedicados a esse estudo - com uma depress�o, como consequ�ncia, para sua autora. "A Amaz�nia � como um ser gigantesco, de uma divindade enorme. Imaginava que aquela grandeza toda fosse capaz de achar uma sa�da para o dano que estamos fazendo nela. Quando eu vi que n�o, isso me baqueou", diz Luciana nesta entrevista ao Estad�o.

Como voc� avalia os resultados do IPCC em rela��o a seu trabalho? Ele n�o fez parte do relat�rio?

O in�cio do trabalho est� l�. � uma s�rie de nove anos, e a primeira parte, 2010 e 2011, est� l�. Naquele momento n�o dava para concluir nada porque um ano foi completamente diferente do outro. Em 2010 foi um ano de El Ni�o, muito quente, muito seco, com muita queimada e a emiss�o de carbono foi enorme. A gente esperava, como todo mundo, que a Amaz�nia fosse um sumidouro de carbono. Naquela �poca achamos que 2011 n�o foi porque estava se curando do 2010 dram�tico. A� veio o resultado de 2012, 2013 tamb�m. E 2014, mais ainda. Em 2017 eu apresentei pela primeira vez esse trabalho. Na �poca eu estava deprimida por ver que a Amaz�nia � realmente uma fonte de carbono e isso foi muito pesado para mim, passei um tempo deprimida.

Deprimida clinicamente?

Sim. Ver que a Amaz�nia est� emitindo mais do que absorvendo � not�cia terr�vel. Ela est� em mudan�a e uma mudan�a s�ria. Isso foi em 2016.

Como isso a surpreendeu?

Em 2014, meu primeiro movimento foi questionar o nosso m�todo. Comecei a pensar que havia algo errado. Investi anos em melhorar isso. Desenvolvi sete m�todos diferentes. O que usamos, o s�timo, � super-sofisticado, validado. Foram dois anos de trabalho at� publicarmos esse m�todo. � muita responsabilidade voc� dizer ao mundo que a Amaz�nia est� emitindo mais carbono do que absorvendo. Eu n�o me sentiria confort�vel em dizer se n�o tivesse 100% de certeza.

A que voc� atribui essa rea��o t�o forte?

Tenho uma rela��o muito forte com a natureza. A Amaz�nia � como um ser gigantesco, uma divindade enorme. Imaginava que aquela grandeza toda fosse capaz de achar uma sa�da para o dano que lhe estamos fazendo. Quando vi que n�o, isso me baqueou. Do ponto de vista cient�fico, a Amaz�nia, hoje se acredita, est� compensando uma quantidade muito grande do quanto a humanidade est� emitindo de CO� na atmosfera. Ent�o, n�o s� n�o t�-la ajudando como v�-la contribuindo (para emitir mais CO�)... significa que a realidade � pior do que o que o IPCC disse. Cerca de 86% das emiss�es mundiais v�m da queima de combust�vel f�ssil e 14% das mudan�as do uso da terra e floresta. Se imagina que a Amaz�nia est� contribuindo com 20% de toda a remo��o que � feita na parte continental. S� que n�o... Quando digo que a Amaz�nia est� emitindo mais do que absorvendo, n�o falo s� da floresta, mas de tudo o que est� acontecendo l�. Quem est� emitindo s�o desmatamento e queimadas. As emiss�es dessas duas s�o tr�s vezes maiores que a absor��o que a floresta est� fazendo. A Amaz�nia ainda remove carbono da atmosfera, mas muito menos do que se acreditava.

O que isso significa?

A m�dia, em nove anos, foi de 130 milh�es de toneladas de carbono. Mas desmatamento e queimadas emitem cerca de tr�s vezes esse valor, 410 milh�es de toneladas. A Amaz�nia est� jogando na atmosfera 290 milh�es de toneladas de carbono por ano. Quando eu falo carbono � s� carbono, n�o CO�. No balan�o (entre emiss�es e absor��o de CO�), o total � de 1,06 bilh�o de toneladas de di�xido de carbono lan�ados por ano. Das emiss�es (totais), 1,51 bilh�o vem de queimadas. A floresta consegue remover 30% desse valor. Essa � a Amaz�nia total. A parte brasileira, sozinha, � bem pior.

Quais s�o as regi�es mais afetadas por esse problema?

Uma coisa que nos intrigava �: por que temos �reas com resultados t�o diferentes? Nesses nove anos calculamos m�s a m�s e as correla��es s� eram fortes para emiss�es de queimadas. Quer�amos entender por que certas regi�es funcionavam de forma t�o diferente das outras. A� resolvemos estudar 40 anos de temperatura e precipita��es por m�s. E tamb�m estudei as �reas desmatadas. A� consegui ver que na m�dia anual as coisas n�o est�o mudando tanto, mas quando voc� v� determinadas �pocas do ano... o impacto � gigante.

Pode dar exemplos?

Descobri que as �reas mais desmatadas haviam sofrido maior mudan�a na precipita��o e na temperatura, principalmente a esta��o seca (agosto, setembro e outubro). A� voc� pega Santar�m com 37% de desmatamento, at� na m�dia anual essa regi�o perdeu 9% de chuva. S� que em agosto, setembro e outubro perdeu 34% de chuva. Um ter�o de chuva a menos ao longo de 40 anos. E aumentou 1,9�C a temperatura. Isso � a regi�o nordeste da Amaz�nia. Quando vai para a regi�o sudeste da floresta, com 28% de desmatamento, perdeu 24% de chuva nesses meses de agosto, setembro e outubro. S� que o aumento de temperatura foi maior ainda: 2,5� C. E se olhar s� agosto e setembro: 3,1� C de aumento em 40 anos.
Agora imagina uma �rvore t�pica de uma floresta tropical �mida, uma �rvore com abund�ncia de �gua e temperaturas amenas.

Que provid�ncia poderia ser tomada nessa situa��o?

Se a gente conseguir proibir queimada e desmatamento no ano que vem, a Amaz�nia vai remover mais carbono do que emitir. Ent�o, j� vai conseguir se recuperar um pouco. Se ainda fizer projetos de reflorestamento, ainda mais. Veja que esse processo est� acontecendo na parte leste da Amaz�nia que tem �rea, em m�dia, 30% desmatada. O que nosso estudo est� mostrando? Que com 30% desmatado a Amaz�nia � mais fonte do que sumidouro.

As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.