A demanda dos pais por uma educa��o antirracista pode levar a uma das maiores mudan�as na hist�ria recente das escolas particulares de elite de S�o Paulo. J� h� reformula��o de curr�culos, n�o s� na forma como se fala dos negros e ind�genas na aula de Hist�ria, mas com novos autores e pesquisadores n�o brancos. Elas tamb�m passaram a dar prefer�ncia para contratar professores negros - superando a ideia de que eles s�o sempre o porteiro ou a faxineira. E ainda abriram bolsas para alunos negros e ind�genas, com mensalidade, material, transporte e passeios pagos pela escola e pelas fam�lias, com doa��es que chegam a R$ 4 milh�es.
Projetos parecidos surgiram em 2020 e 2021 em col�gios como Santa Cruz, Vera Cruz, Oswald de Andrade, Escola da Vila, Gracinha, Equipe, entre outros. O caminho para a mudan�a n�o � f�cil e causa questionamentos pessoais e institucionais, admitem diretores e professores ouvidos pela reportagem. Eles falam da defici�ncia na pr�pria forma��o, baseada tamb�m em curr�culos euroc�ntricos e brancos. E ainda existe a dificuldade em lidar com situa��es de racismo, considerado muitas vezes um tabu, ou com d�vidas das crian�as sobre ra�a e cor.
Para ajudar no chamado letramento racial, as escolas procuraram assessorias que analisam materiais, abordagem dos docentes e falam da import�ncia de se cuidar tamb�m da rela��o entre negros e brancos no ambiente escolar. "N�o � pra traz�-los para �o mundo encantado do Alto de Pinheiros�, e, sim, criar um novo lugar", diz a advogada Roberta di Ricco Loria, m�e de tr�s filhos na Escola Vera Cruz e diretora da associa��o criada pelos pais, o Projeto Travessias. "O racismo � complexo. Se n�o houver sensibiliza��o de toda a comunidade escolar, n�o funciona."
Em 2020, o Vera Cruz recebeu 18 alunos negros ou ind�genas no �ltimo ano da educa��o infantil - s�o tr�s bolsistas por sala. A mensalidade � dividida entre a escola e a associa��o de pais, que j� arrecadou R$ 4 milh�es. A inten��o � garantir 18 bolsistas anualmente e que todos possam ficar at� o fim do ensino m�dio na escola.
Uma delas � Fernanda, de 6 anos, filha da massagista Norma Oliveira da Luz. Entre os requisitos do processo seletivo, que j� est� aberto para 2022, est�o ra�a, renda baixa e morar, no m�ximo, a 12 quil�metros da escola. No ano passado, a dire��o entrevistou cerca de 50 fam�lias das 270 que se inscreveram. Norma fala da alegria quando soube que a filha, que estudava numa escola p�blica, tinha conseguido a vaga. Ela veio do interior da Bahia com o pai e 21 irm�os, j� foi bab�, empregada dom�stica e hoje sustenta Fernanda sozinha. "Eu n�o pude, mas minha filha vai poder sonhar."
A press�o das fam�lias por uma educa��o antirracista ganhou for�a no ano passado depois do assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos. Em meio � pandemia, surgiram grupos no WhatsApp para discutir a inclus�o nas escolas. Alguns pais e m�es formaram a Liga Interescolas por Equidade Racial, que intermediou o acesso dos col�gios a especialistas.
A inclus�o de negros na educa��o havia ganhado for�a no Pa�s em 2012, quando foi aprovada a lei de cotas, que estabelece reserva de vagas nas universidades federais para jovens pobres, com recortes por ra�a. A Universidade de S�o Paulo (USP) tamb�m adotou a��es afirmativas recentemente, amparada em estudos sobre o bom desempenho de cotistas. Antes disso, em 2003, uma lei determinou que os curr�culos das escolas inclu�ssem a hist�ria e a cultura afro-brasileira, mas pouco foi feito na rede privada.
"N�o tem mais como a gente n�o reconhecer o racismo estrutural e n�o contribuir para elimin�-lo. A escola � uma institui��o importante porque participa da educa��o da sociedade", diz a diretora pedag�gica do Col�gio Santa Cruz, D�bora Vaz. A escola contratou professores negros, est� mexendo no curr�culo e anuncia amanh� bolsas para negros e ind�genas para 2022. Ser�o 12 vagas para n�o pagantes e 10 para pagantes, um lugar de honra no concorrido processo seletivo do Santa Cruz.
Mirian Ferreira dos Santos, de 27 anos, foi contratada este ano como professora assistente na escola. Nas s�ries iniciais do fundamental, onde d� aulas, � a �nica negra. Certa vez, ela substituiu uma outra professora numa sala onde h� uma aluna negra. "Eu vi a diferen�a no olhar dela, o sorriso, ela me viu como uma profissional que estava em um lugar de reconhecimento e se parecia com ela."
Curr�culo. Em vez de apresentar o negro pela primeira vez na escola como o escravo, falar de Martin Luther King - esse � um exemplo de educa��o antirracista. Ou aprender sobre os povos ind�genas antes de falar sobre a chegada dos portugueses ao Brasil. E n�o ter apenas bonecas brancas na educa��o infantil. "O curr�culo �s vezes � muito engessado e conteudista. Os professores t�m dificuldade na literatura, usam s� os c�nones em seus planos de aula", diz Suelem Lima Ben�cio, consultora de educa��o em rela��es �tnico raciais do Col�gio Oswald de Andrade.
Ela fez forma��o dos professores e dos funcion�rios administrativos e analisou o projeto pedag�gico. "� um processo que vai durar muito. Se queremos formar jovens transformadores, a escola precisa estar incomodada", diz a diretora pedag�gica do Oswald, Andrea Andreucci. O cientista pol�tico C�ssio Fran�a, pai de duas filhas na escola e membro do grupo antirracista, diz que o col�gio "j� � outro". A leitura de f�rias da filha adolescente incluiu O quarto do despejo, de Carolina Maria de Jesus, o di�rio da catadora de papel que vivia numa favela. "Com o fim da pandemia o projeto deve acelerar mais."
Para Sheilla Andr�, contratada como coordenadora pedag�gica no Oswald este ano, um col�gio que se diz humanista precisa buscar a igualdade. "No meu curr�culo n�o dizia que eu era negra, mas percebi que era importante para a escola nas entrevistas." O col�gio tamb�m deve lan�ar um programa de bolsas em setembro. Sheilla diz que temeu a rea��o dos pais na escola de elite, mas acabou se sentindo acolhida.
"Nosso desafio � que n�o seja uma coisa pontual, um evento, para ter um selinho antirracista", diz a coordenadora da A��o Educativa, Denise Carreira. Ela � autora de um documento sobre rela��es raciais na escola, feito em 2013 com o Unicef e o Minist�rio da Educa��o, mas abandonado pelo governo federal hoje. Denise usa o material com as escolas particulares e diz que a abordagem tem de ser multidimensional. "Precisamos educar crian�as e adolescentes brancos para construir uma cultura democr�tica. A situa��o dram�tica atual do Pa�s � em parte responsabilidade de uma elite segregada em seu mundo."
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
GERAL