O que come�ou com ataques de integrantes do governo se transformou em um cen�rio de crise em parte das universidades federais. Ap�s dois anos e meio de Jair Bolsonaro na Presid�ncia, 18 dos 50 (36%) reitores escolhidos desde 2019 n�o foram os mais votados nas elei��es internas e a maioria desse grupo est� alinhada ao governo. Em 1998, a nomea��o de apenas um reitor sem ser o 1.� da lista desencadeou uma onda de protestos - at� ent�o, este era o �nico caso recente. Os relatos hoje s�o de comunidades universit�rias rachadas, decis�es sem consulta a colegiados, paralisia administrativa e no preparo da volta presencial. H� ainda queixas de persegui��o a professores e alunos - e at� uma esp�cie de processo de impeachment contra um reitor.
Embora financiadas pelo Minist�rio da Educa��o (MEC), a lei d� autonomia �s federais para eleger seus reitores. A lista com os tr�s nomes mais votados no conselho universit�rio - formado por uma maioria de professores, al�m de t�cnicos e alunos - � enviada ao presidente, que escolhe um deles. N�o h� irregularidade em escolher o 2.� ou o 3.�, mas especialistas veem como uma desvaloriza��o da autonomia universit�ria, al�m do potencial de elevar conflitos internos. A garantia de autonomia est� associada � l�gica da liberdade de c�tedra e de pesquisas sem cerceamento pol�tico ou ideol�gico.
Junta-se ao quadro pol�tico uma redu��o or�ament�ria promovida pelo governo - esta comum a todas as 69 institui��es. Entre 2019, antes da pandemia, e 2021 as verbas das federais ca�ram 18%. A maioria delas n�o fez investimentos para volta presencial, como adaptar ventila��o, comprar m�scaras e �lcool em gel, e todas continuam dando aulas essencialmente online. "O caos s� n�o se instalou porque estamos em atividades remotas", disse Marcus David, presidente da Andifes (que re�ne os reitores das federais).
Al�m da falta de recursos, esses novos dirigentes - chamados de "interventores" pelos cr�ticos - t�m problemas para aprovar projetos, diante da forte oposi��o interna. O Estad�o conversou com mais de 20 de professores, alunos e dirigentes de dez institui��es ao longo de tr�s semanas. Muitos, por medo, pediram para seus nomes n�o serem divulgados. Os reitores que responderam aos questionamentos da reportagem negaram as den�ncias. Procurado, o MEC n�o se manifestou.
Na Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o engenheiro Carlos Andr� Bulh�es foi anunciado como o novo reitor pelo deputado bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS), antes mesmo da nomea��o por Bolsonaro, em 2020. Ele havia ficado em 3.� na elei��o da institui��o. Logo em seguida da posse, sem aval do conselho universit�rio, Bulh�es mudou a estrutura de pr�-reitorias.
O conselho se autoconvocou e pediu a abertura de processo administrativo disciplinar contra ele e sua destitui��o, enviados ao MEC. Funciona como uma esp�cie de impeachment, mas est� nas m�os do ministro afastar ou n�o o dirigente. O Minist�rio P�blico Federal (MPF) tamb�m foi acionado. Apesar da tentativa, os docentes t�m pouca esperan�a.
"A UFRGS vive um v�cuo de gest�o e um momento de desrespeito � institui��o, causados por uma postura de uma gest�o autorit�ria que tem tratado a universidade como empresa", diz a diretora da Faculdade de Educa��o, Liliane Giordani. Segundo ela, decis�es como a volta presencial travam porque n�o h� di�logo com o reitor.
Os pr�dios da Arquitetura e da Educa��o, por exemplo, n�o t�m circula��o de ar e h� at� janelas lacradas. "Nos raros encontros com as equipes de dire��o, o reitor diz que aguarda a imuniza��o dos estudantes. J� queremos antecipar esse planejamento", diz. Em agosto, a administra��o da UFRGS disse ao Estad�o que as mudan�as tinham foco nos "interesses" da universidade e afirmou haver quest�es "ideol�gicas" por tr�s da postura dos conselheiros. Procurada de novo, a reitoria n�o falou.
Batalha judicial. Com apenas 4% dos votos na elei��o na Federal do Cear� (UFC), o advogado Jos� C�ndido de Albuquerque foi escolhido em 2019 por Bolsonaro. Neste ano, quatro diretores de unidades entraram na Justi�a contra o reitor, ap�s receberem avalia��es bem mais baixas que em outros anos. Alegam que tiveram notas ruins - que podem comprometer a carreira do docente - por discordarem ideologicamente do dirigente. Procurada, a reitoria disse que "� muita presun��o os avaliados julgarem a pr�pria avalia��o, ao inv�s de corrigirem alguns equ�vocos administrativos graves", sem citar quais. "A persegui��o � difusa no objetivo, tenta intimidar e serve como amea�a para os demais. Houve um sil�ncio geral dos diretores", conta um professor que pediu para ficar no anonimato.
Os estudantes da UFC ainda perderam assentos nos conselhos deliberativos, representatividade prevista em lei. Assim, deixam de votar nas propostas enviadas pelo reitor. Em nota, C�ndido disse que eles n�o conseguiram "realizar uma elei��o v�lida" no Diret�rio Central dos Estudantes (DCE). "Ele alegou fraude nas elei��es e judicializou o processo", rebate o aluno de Psicologia Rodrigo Nogueira, de 19 anos, do DCE.
Alguns dos escolhidos por Bolsonaro nem sequer tinham liga��o com o grupo pol�tico do presidente, mas se aproximaram ao ver que escolher o 1� deixou de ser praxe. Em alguns casos, ningu�m da lista foi nomeado e h� reitores tempor�rios. Outros 13 ainda ser�o nomeados at� o fim do mandato. E h� seis federais que ainda n�o realizaram o processo eleitoral por serem novas.
Na Federal da Para�ba (UFPB), Valdiney Gouveira - o 3.�, com 5% dos votos - foi nomeado em outubro de 2020. "A discuss�o sobre volta presencial nem � feita porque ele teria de admitir que houve cortes e que isso prejudica a universidade, mas ele n�o vai comprar briga com o MEC", afirma o vice-diretor do centro de Educa��o da universidade, Roberto Rondon, que diz faltar at� �lcool em gel. Gouveia n�o respondeu � reportagem.
Ataques e cortes de verbas revelam, para especialistas, a inten��o da gest�o Bolsonaro de desvalorizar as federais. Abraham Weintraub, ex-ministro, as acusou de fazer "balb�rdias" e cultivar maconha. "Mesmo com tudo que as federais fazem no combate � pandemia, nada do que apresentam de resultado � suficiente para interromper a ofensiva de car�ter ideol�gico do governo", diz Nina Ranieri, professora da USP especialista em ensino superior. "N�o � s� pelo financiamento que se estrangula, mas por nomea��es, persegui��es, contrariando liberdade acad�mica e autonomia universit�ria."
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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