
Ap�s sucessivos anos de poucas chuvas, os reservat�rios das hidrel�tricas brasileiras nas regi�es Sudeste e Sul chegaram ao m�s de setembro em seu pior n�vel hist�rico, abaixo mesmo do patamar de 2001, quando o pa�s enfrentou um severo racionamento de energia .
Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, esse cen�rio torna elevado o risco de apag�es (interrup��es tempor�rias localizadas de fornecimento), ainda mais em momentos de picos de consumo, que ficam mais frequentes com a volta do calor.
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Enquanto no inverno o auge do consumo de energia se concentra no in�cio da noite, quando escurece, com a chegada da primavera a demanda fica maior tamb�m de tarde, devido ao aumento do uso de ar condicionado.
Os dados do Operador Nacional do Sistema El�trico (ONS) mostram que esse fen�meno j� come�ou a ocorrer a partir do final de agosto. Na semana passada, o consumo de energia entre 15h e 16h chegou a superar a demanda da noite nos dias 13 e 14 de setembro.
O risco de apag�es � considerado alto porque o sistema j� est� operando no limite, com o acionamento de mais t�rmicas para compensar a quantidade menor de energia gerada nas hidrel�tricas e uso intenso das linhas de transmiss�o, que permitem levar energia de regi�es em que a oferta est� menos apertada para outras em situa��o mais cr�tica. Dessa forma, a interrup��o de abastecimento pode ocorrer tanto da gera��o insuficiente, como da falha em algum ponto do sistema, explica o meteorologista da Climatempo Filipe Pungirum.
"Apag�es s�o prov�veis. Hoje, estamos com pouca folga no despacho de energia, justamente por estarmos usando pr�ximo ao m�ximo das linhas que temos para transmitir energia no pa�s", ressalta.
"Ent�o, se algum problema causar interrup��o numa linha de transmiss�o, como n�o h� redund�ncia (espa�o dispon�vel em outra linha) nesse transporte de energia, consequentemente alguns apag�es poder�o ocorrer, principalmente nos momentos de picos de carga, em que a popula��o consome mais energia", acrescenta.
O risco tamb�m � apontado por Ana Carla Petti, presidente da consultoria MegaWhat.
"Apesar das medidas do governo, o risco de apag�o permanece para o atendimento � carga de ponta, aquele momento do dia em que a sociedade consome mais energia el�trica. Esse momento de ponta tem ocorrido na parte da tarde, por conta de temperatura, uso de ar condicionado, e vai at� o in�cio da noite, por volta de 18h. Principalmente o mercado Sudeste tem esse comportamento caracter�stico", nota ela.
"Como as termel�tricas j� est�o praticamente todas despachadas, ou seja, tudo que tem dispon�vel est� gerando, esse atendimento de ponta deveria ser feito por uma gera��o hidrel�trica maior, a a� pode ser que em algum momento a gente n�o tenha �gua suficiente para poder atender essa demanda de ponta, porque os reservat�rios j� est�o muito baixo. Existem n�veis (m�nimos dos reservat�rios) de seguran�a de opera��o das pr�prias m�quinas", explica.

Na noite de s�bado (18/09), um apag�o de cerca de uma hora atingiu dezenas de cidades de Minas Gerais e Rio de Janeiro, em especial na Zona da Mata e na Regi�o dos Lagos. Segundo nota do ONS, a interrup��o foi causada por uma falha em uma subesta��o de Furnas.
"O ONS avaliar� as causas da ocorr�ncia junto aos agentes envolvidos. Vale ressaltar que o epis�dio n�o tem rela��o com a crise h�drica do pa�s", diz ainda o comunicado.
Reservat�rios com 18% da capacidade no Sudeste
A crise h�drica � considerada a pior em 91 anos, segundo especialistas e o pr�prio Minist�rio de Minas e Energia. A situa��o � especialmente grave no Sudeste, a regi�o que responde por 70% da energia produzida no pa�s.
Segundo dados do ONS, o volume �til — quantidade de �gua que pode ser usada para gera��o de energia — dos reservat�rios que integram o subsistema das regi�es Sudeste e Centro-Oeste est� em apenas 18% da sua capacidade m�xima, segundo o boletim de s�bado (18/09). � o pior resultado j� registrado para setembro. Um ano atr�s, o volume �til desse subsistema era de 32,9%, quase o dobro do atual.
J� em setembro de 2001, quando o governo teve que impor medidas dr�sticas de racionamento � popula��o e a empresas para reduzir a demanda, a capacidade dos reservat�rios estava em 20,7%. Naquele ano, consumidores que ultrapassassem determinado patamar de consumo de energia tinham que pagar multas, e at� a ilumina��o p�blica nas ruas foi reduzida em diversos estados.
A situa��o tamb�m � preocupante no subsistema Sul, em que os reservat�rios est�o com capacidade m�dia de 30%. J� no Nordeste e Norte o cen�rio � mais confort�vel (44% e 64,5%, respectivamente).
A expectativa � que os reservat�rios devem continuar secando at� novembro, quando come�a a temporada de chuvas na maior parte do pa�s.
Durante audi�ncia p�blica na C�mara dos Deputados no final de junho, o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, disse que os reservat�rios do subsistema Sudeste e Centro-Oeste devem chegar, em m�dia, a 10% da sua capacidade em novembro com as medidas adotadas pelo governo para estimular a redu��o de consumo e usar outras fontes de energia, n�vel que ainda seria suficiente para as hidrel�tricas seguirem operando.

Com a volta da temporada chuvosa, os reservat�rios devem voltar a subir no final do ano, mas a proje��o de meteorologistas � que a quantidade de chuva deve ficar novamente abaixo da m�dia hist�rica, sendo insuficiente para uma recupera��o satisfat�ria.
A mudan�a clim�tica aumenta o risco de clima quente e seco. Nem todas as secas se devem �s mudan�as clim�ticas, mas ambientalistas apontam que o excesso de calor na atmosfera est� tirando mais umidade da terra e piorando as secas.
A economista e professora do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de S�o Paulo (USP), Virginia Parente, explica que os reservat�rios das hidrel�tricas brasileiras foram projetados para aguentar alguns anos de chuvas abaixo da m�dia. O problema, diz, � que as secas t�m sido muito severas, ao mesmo tempo que o consumo de energia e �gua no pa�s cresceu muito ao longo das d�cadas.
Diferen�as em rela��o a 2001
Se a situa��o � pior que h� duas d�cadas, por que, ao menos por enquanto, n�o houve um racionamento da mesma dimens�o daquele ano?
Ap�s a crise de 2001, o pa�s adotou medidas para reduzir esse risco, como aumentar a conex�o do sistema com mais linhas de transmiss�o. Isso permite distribuir melhor a energia de uma regi�o que esteja com mais oferta para outra, em que a gera��o esteja insuficiente. Al�m disso, tamb�m houve aumento da oferta de outros tipos de eletricidade, com mais gera��o de energia t�rmica, solar e e�lica.
Hoje, os mercados do Sudeste, Centro-Oeste e Sul, em que a situa��o � mais cr�tica, est�o sendo em parte abastecidos por energia produzida no Nordeste, onde os reservat�rios das hidrel�tricas est�o mais cheios e h� tamb�m gera��o relevante de energia e�lica.
A situa��o, por�m, n�o � confort�vel porque, ao mesmo tempo que ampliou-se a gera��o e a transmiss�o de energia no pa�s, tamb�m houve aumento do consumo nas �ltimas duas d�cadas, destaca Filipe Pungirum.
Governo deveria ter adotado racionamento?
O baixo n�vel dos reservat�rios � especialmente preocupante porque as hidrel�tricas representam 65% da capacidade de gera��o de energia do pa�s. Por isso, o governo j� adotou uma s�rie de medidas para tentar reduzir a demanda e, ao mesmo tempo, aumentar a oferta de outras fontes geradoras — a��es que alguns especialistas ainda consideram insuficientes.
Uma dessas medidas foi o aumento do uso de t�rmicas — como o custo delas � maior que das hidrel�tricas, isso aumentou a conta de luz no pa�s, o que acaba tendo o efeito de desestimular o consumo. Segundo o IPCA, principal �ndice de pre�os do IBGE, a conta de luz ficou em m�dia 21% mais cara no pa�s nos �ltimos 12 meses encerrados em agosto, mais que o dobro da infla��o geral (9,68%).

Al�m disso, o Minist�rio de Minas e Energia tamb�m lan�ou a partir deste m�s um programa de desconto na conta de luz para quem reduzir seu consumo, com objetivo de provocar uma redu��o de 15% na demanda entre setembro e dezembro.
Tamb�m foi editado um decreto em agosto com a��es para os �rg�os p�blicos federais consumirem de 10% a 20% menos energia de setembro a abril de 2022. Outra provid�ncia foi aumentar a importa��o de energia da Argentina e do Uruguai.
Para o engenheiro Edvaldo Santana, diretor da Ag�ncia Nacional de Energia El�trica (Aneel) entre 2005 e 2013, o governo deveria ter feito mais, adotando uma estrat�gia de racionamento a partir de julho para evitar os riscos de apag�es agora. Na sua vis�o, isso n�o foi feito por temor do impacto eleitoral da medida.
"Desde que o PSDB perdeu a elei��o (de 2002 para o PT) por causa do racionamento (no governo Fernando Henrique Cardoso), os governos consideram melhor o consumidor gastar mais (com energia das t�rmicas) do que fazer um racionamento", ressalta.
"O racionamento n�o sai em menos de 60 dias. Primeiro tem que planejar, depois as pessoas t�m que entender (como funciona). Como a temporada seca est� terminando, n�o faz mais sentido fazer. Agora � esperar o que vai acontecer", disse ainda.
J� a professora da USP Virginia Parente diz que o governo falha em n�o fazer campanhas maiores para conscientizar a popula��o a economizar energia e luz, ou em estabelecer melhores acordos bilaterais para uso de energia dos pa�ses vizinhos. Ela discorda, por�m, que deveria ter sido feito um racionamento antes.
"O racionamento tem um custo muito grande, causa sofrimento e desemprego. Se uma f�brica s� vai poder gastar 80% ou 70% da energia, por exemplo, ela vai dispensar os funcion�rios parte dos dias e vai produzir menos, vender menos", nota ela.
"A empresa vai ent�o negociar para reduzir o sal�rio dos funcion�rios, eles v�o ter menos grana pra comprar outros produtos, as outras empresas v�o vender menos pra eles e o PIB do Brasil vai afundar", refor�a.
Por outro lado, a professora lembra que apag�es, ainda que localizados em apenas algumas partes do pa�s, tamb�m podem causar grandes preju�zos.
"Os momentos de pico de consumo s�o perigosos, com maior probabilidade de ter apaguinhos de dura��es variadas. A gente corre esse risco e � bem grave, porque se voc� estiver em casa trabalhando no seu computador, a bateria aguenta um tempo. Mas, se voc� for uma ind�stria de cer�mica que precisa apagar seu forno, voc� estraga toda a produ��o do dia. Pequenos apaguinhos da ind�stria podem fazer grandes estragos", nota ela.
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