N�o dava para ver um espa�o vazio na rua. O entorno da esquina da Rua S�o Vicente com a Rua Doutor Louren�o Granato estava tomado de uma aglomera��o euf�rica: a escola de samba Vai-Vai acabara de ganhar a divis�o de acesso e voltaria ao grupo especial do carnaval paulistano.
"At� pessoas de outras escolas estavam l� para comemorar", recorda-se Fernando Penteado, diretor cultural e h� 67 dos 74 anos na agremia��o. Era imposs�vel saber naquele 26 de fevereiro de 2020, mas a data seria a �ltima vez que a escola levaria uma multid�o �quele peda�o do Bixiga.
O motivo n�o � apenas a pandemia da covid-19: o Vai-Vai trocar� de quadra e endere�o ap�s 50 anos. A entrega do espa�o atual ocorrer� em at� tr�s meses e se deve a um acordo com a Acciona, respons�vel pelas obras da Linha 6-Laranja, do Metr�, que pagar� pela constru��o de uma nova sede a cerca de 550 metros, com entrada principal na Rua Almirante Marques de Le�o e acesso tamb�m pela Rua Rocha.
No lugar da quadra, ser�o feitas obras da esta��o 14 Bis, iniciadas no lote vizinho, antes ocupado por um posto de combust�veis. A possibilidade de trocar de endere�o come�ou a ser discutida h� cerca de oito anos, inclusive para as imedia��es do Anhangaba�, quando outra empresa era respons�vel pela implanta��o da linha, cujas obras ficaram paradas at� 2019.
Enquanto a nova sede n�o � entregue, os adere�os e outros itens guardados na sede ser�o levados para um espa�o no Bixiga, enquanto a realiza��o dos ensaios est� em negocia��o com os respons�veis pelo Complexo do Pacaembu (para ensaios gerais), gerido por uma concession�ria, e pela Vila Itoror� (para ensaios fechados de alas coreografadas, comiss�o de frente e afins), da Prefeitura. A entrega da nova sede � esperada em cerca de um ano.
A mudan�a foi anunciada pela escola na ter�a-feira, 21. Na data, diretores e conselheiros explicaram que n�o seria poss�vel realizar ensaios na rua durante as obras da linha, cuja inaugura��o � prevista para 2025, e que outros fatores dificultariam a manuten��o dos trabalhos no local.
Eles ressaltaram que o novo espa�o ser� de propriedade da agremia��o, diferentemente do atual, em que est�o h� 50 anos e cedido pela Prefeitura em 1978. Comentaram, ainda, sobre a emo��o que ser� deixar a sede em que celebraram 15 t�tulos do grupo especial. "� um momento �nico, que mexe com o cora��o. N�o s� o meu, como de todos voc�s, por este momento, por este local sagrado", comentou Clar�cio Gon�alves, presidente do Vai-Vai.
No an�ncio, o presidente do conselho deliberativo da escola, Luiz Mattos, citou uma can��o do m�sico Geraldo Filme, que diz: "Fiquei sem o terreiro da escola/ J� n�o posso mais sambar/ (...) Surgiu um viaduto, � progresso/ Eu n�o posso protestar/ Adeus, ber�o do samba/ Eu vou-me embora/ Vou sambar noutro lugar".
"O momento da raz�o chegou", disse o conselheiro. Ele tamb�m comentou das mudan�as no bairro, cada vez mais urbanizado e verticalizado. "N�o tem mais ch�o de terra para o samba levantar poeira. Os pr�dios est�o a�, nem o luar a gente v�. Mas a gente continua no peda�o. E n�s n�o podemos perder essa emo��o, temos que levar para a nova casa."
A futura quadra ter� tr�s pavimentos, divididos entre bilheteria, loja, quadra, camarotes, tr�s bares, cozinha, banheiros, sala de trof�us e setores administrativos e culturais. A capacidade de p�blico � de 2,5 mil pessoas. Ao todo, ser�o 1,7 mil metros quadrados, dos quais 497 de quadra e 223 de camarotes (da velha guarda, das baianas, da diretoria e outros).
Segundo o engenheiro respons�vel pelo projeto, Enio de Souza, da TRS, a nova quadra ter� uma ac�stica que isolar� totalmente o som. No meio da quadra, no alto, haver� um item ac�stico, com formato semelhante ao de um lustre, que tamb�m trar� retratos de nomes importantes da hist�ria do Vai-Vai.
Abaixo do palco, ficar� um tel�o de LED, enquanto o nome da escola estar� escrito sobre a laje externa, sendo vis�vel do alto. A sala de trof�us ficar� no segundo pavimento, acima do palco e vis�vel de todos, por�m o acesso ser� restrito a quem pagar um ingresso, cujo valor ser� "simb�lico".
A novidade foi transmitida pela internet. A maioria dos coment�rios em rede social foi entre o elogio e o saudosismo. "Vou sentir falta de dizer: �quem precisa de uma quadra quanto temos uma rua toda para n�s�", escreveu um foli�o. J� outro disse: "Vou sentir saudade dos ensaios raiz, debaixo de chuva e sol, calor ou frio, est�vamos ali dando nosso sangue. (...) Mas toda majestade merece sua coroa e seu castelo."
Em nota, a Prefeitura afirmou estar "analisando o pedido" para destina��o da �rea para as obras do Metr�. J� a Acciona disse que as "demoli��es dos im�veis necess�rios � implanta��o da Linha 6-Laranja ocorrem de acordo com o cronograma da obra", mas n�o divulgou datas. Acrescentou que o acordo com o Vai-Vai � um "passo importante para a continuidade das obras da linha", que conectar� as esta��es Brasil�ndia, na zona norte, e S�o Joaquim, na regi�o central, com paradas tamb�m na zona oeste.
Outra obra vi�ria j� havia obrigado mudan�a de endere�o do Vai-Vai
O Vai-Vai partir� em breve para o quarto endere�o de sua hist�ria. Ao longo de pouco mais de 90 anos, surgiu na Rua Rocha, foi parar na Rua 14 de Julho e, h� 50 anos, mudou-se para as proximidades da Pra�a 14 Bis. A troca para a sede atual foi motivada tamb�m por obras vi�rias, assim como a futura mudan�a para a Rua Almirante Marques de Le�o.
Se hoje a motiva��o � a Linha 6-Laranja do Metr�, l� atr�s foi uma obra j� ent�o criticada e ainda pol�mica na cidade: a do Minhoc�o e de outras vias elevadas no entorno. A cria��o do elevado acabou por cortar o Bixiga ao meio, mudando tamb�m grande parte da regi�o central paulistana.
Em meio a essas mudan�as, o pr�prio Vai-Vai deixou de ser cord�o para se tornar escola de samba, acompanhando as transforma��es do carnaval paulista. Ao todo, a agremia��o alvinegra acumula 15 t�tulos no grupo especial e nove enquanto cord�o.
Quando teve de sair do terreno junto � 14 de Julho, integrantes levaram os objetos da agremia��o para o endere�o em que est� hoje. N�o havia sequer porta no local, tanto que alguns instrumentos foram furtados e tiveram de ser reavidos por meio de buscas pela regi�o.
Mesmo com a constru��o da sede, o espa�o era insuficiente para atender a todos durante os ensaios dominicais, que atra�am n�o s� a comunidade, mas tamb�m pessoas de outras partes da cidade e turistas. O barulho tamb�m se tornou motivo de reclama��o por parte da vizinhan�a ao longo dos anos.
Com a pandemia e os ensaios parados, h� quem d� uma passadinha na frente da quadra para fazer um registro, um v�deo. O Vai-Vai abrir� os desfiles de s�bado do grupo especial no pr�ximo carnaval, com o enredo Sankofa, que faz refer�ncia a uma ave sagrada africana relacionada ao ensinamento "nunca � tarde para voltar atr�s e buscar o que ficou perdido".
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