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Estado de Minas GERAL

Jacar�s e 'corridos': a vida de Gordo, o traficante que sonha ser Escobar


19/10/2021 17:02

O caderno apreendido na casa do narcotraficante Anderson Lacerda Pereira, o Gordo, de 41 anos, estava em cima da mesa do cart�rio da delegacia. Deixaram-no aberto em uma p�gina onde se lia: "Nascidos no ber�o da criminalidade, compreendemos que o dinheiro atrai muito problemas e violentos nos tornamos. Entre a morte e a amargura existem respeito e honra � sagrada tradi��o".

Duas linhas abaixo do primeiro par�grafo, o texto continuava: "Foram muitas as guerras pelo respeito � regra. Afortunadamente, tudo na vida tem solu��o; a morte � o instituto razo�vel para traidores e conspiradores". O texto vinha logo ap�s uma p�gina ocupada por uma poesia sobre o of�cio dos magistrados. E conclu�a: "Erros s�o irrevog�veis".

Foi essa l�gica que cruzou o caminho do prot�tico Emerson Fernando da Silva. Ele foi visto pela �ltima vez quando estava no 49.� Distrito Policial, em S�o Mateus, na zona leste de S�o Paulo. Era 30 de dezembro de 2016. Funcion�rio de uma cl�nica odontol�gica, Silva foi ao lugar para receber o que os patr�es "lhe deviam". Acabou algemado e torturado por dois homens - um deles, filho adotivo de Pereira. Em um momento de distra��o dos torturadores, o prot�tico foi deixado sozinho na sala. P�de ent�o apanhar seu celular e pedir socorro a uma amiga. Em pouco tempo, a Pol�cia Militar chegou � cl�nica e levou todo mundo para a delegacia.

A cl�nica, segundo a pol�cia, era uma das 38 que Pereira usou para lavar dinheiro do tr�fico internacional. Estava ent�o em liberdade, depois de ter sido preso na Opera��o Alquimia, da Pol�cia Federal (PF), em 2010, acusado de vender lidoca�na e cafe�na para traficantes misturarem na droga. "Enquanto a ocorr�ncia era registrada, o Emerson foi atra�do para fora da delegacia e sequestrado. Nunca mais foi visto. Seu corpo nunca foi encontrado", afirmou o delegado Fernando Santiago, do Departamento Estadual de Investiga��es sobre Narc�ticos (Denarc). Santiago desconfia que o destino de Emerson pode ser explicado pelo que descobriu investigando o traficante.

Gordo ficou conhecido por ter criado um esquema que misturava o tr�fico de drogas com a lavagem de dinheiro, por meio de organiza��es sociais contratadas por prefeituras. Chegou a dominar os contratos da �rea de Sa�de de Aruj�, uma cidade com 90 mil habitantes na Grande S�o Paulo.

Acusado de ser um dos l�deres do Narcosul, o cartel da droga do PCC e de seus associados, Gordo est� foragido. A pol�cia tem certeza de que ele est� vivendo na regi�o de Santa Cruz de La Sierra, na Bol�via, com outras lideran�as do cartel. Recentemente, a pol�cia encontrou pistas de uma passagem sua pelo Recife. Em junho de 2020, ele deixou �s pressas seus apartamento antes da chegada dos policiais que cumpriam os mandados de busca e pris�o da Opera��o Soldi Sporchi (dinheiro sujo).

Um desse policiais era o delegado Santiago, que coordenou a opera��o. "Ele escapou com o filho Gabriel Donadon, de 25 anos." Donadon � acusado de criar uma farsa para tentar desmontar a investiga��o que encurralou sua fam�lia - tudo ficou registrado em anota��es feitas por seu pai, que mantinha cadernos onde escrevia seus planos e analisava cen�rios e hip�teses sobre como enfrentar seus desafetos e as a��es das pol�cias.

Santiago logo compreendeu que tinha diante de si um material in�dito para compreender como funcionava a cabe�a do megatraficante. O delegado leu e analisou documentos durante meses para decifrar c�digos e tra�ar o perfil de Gordo. "A meta dele � ser como os grandes traficantes colombianos e mexicanos. Esse � o modelo que ele segue", afirmou.

Pereira n�o � o primeiro bandido da hist�ria a usar grandes criminosos da realidade ou da fic��o como espelho. Em 2009, a Pol�cia Civil paulista surpreendeu na regi�o de Sorocaba um integrante da m�fia de ca�a-n�queis que usava as falas do personagem Michael Corleone, de O Poderoso Chef�o, como exemplo sobre como agir no mundo do crime.

Com Gordo, os policiais apreenderam livros que demonstram o interesse em aperfei�oar seus procedimentos. Ali estavam O Pr�ncipe, de Nicolau Maquiavel; Hitler, de Joachim Fest; Cosa Nostra, o juiz e os homens de honra, de Giovanni Falcone; e Minha Vida com Pablo Escobar, de Jhon Jairo Velasquez, o Popeye. "Ele transformava as hist�rias da m�fia em uma esp�cie de literatura de autoajuda", disse o delegado. Gordo tamb�m se dedicava � gest�o dos neg�cios e estudava matem�tica financeira.

M�SICA

Tamb�m se interessou pela hist�ria de Amado Carrillo Fuentes, o Senhor dos C�us, nascido em Guamuchilito, em Sinaloa, no M�xico. O 'narco' mexicano foi o respons�vel por montar uma grande frota de avi�es para trazer a coca�na colombiana do cartel de Medell�n at� o M�xico nos anos 1980. Dominava ent�o o tr�fico de drogas em uma das principais rotas de entrada nos EUA: Ciudad Juarez. Foi com o nome da cidade natal de Fuentes que Gordo batizou uma de suas propriedades - um s�tio - e planejou at� uma logomarca para o local.

O delegado guarda em seu computador um arquivo com uma m�sica que Gordo dizia ter mandado gravar. Inspirado nos "narcocorridos", ele encomendou no M�xico a grava��o, segundo a pol�cia, da m�sica em sua homenagem. Un ser humilde conta o que seria a hist�ria de Gordo. O corrido � um ritmo mexicano, usado pelos traficantes daquele Pa�s como o funk no Rio. Muitos dos traficantes - como mostrado na s�rie Breaking Bad - s�o "homenageados" com corridos.

Na fuga apressada, Pereira deixou para tr�s quatro telefones celulares com dezenas de arquivos recuperados pela per�cia t�cnica. H� uma s�rie de fotos de avi�es sendo inspecionados na Bol�via. Uma pasta trazia os arquivos com fotografias de passeios feitos por Gordo e sua fam�lia na Bol�via. Eles visitam shopping, chegam a um aeroporto, compram joias, fazem testes sobre a pureza da coca�na, registram encontros de neg�cios em um restaurante, festas, fachadas de empresas - incluindo uma cl�nica que seria de sua propriedade - e at� mesmo uma ema.

Gordo tinha tempo ainda para se dedicar � poesia. Escreveu oitavas e sonetos. Fala de sua vida, amores, de sua m�e e do crime. Em um dos sonetos, o primeiro terceto abre assim: "Eu que sou declaradamente antiestado /podem hipocritamente chamar de m�fia ou crime organizado". Em outro texto, diz "viver entre o amor e o �dio em um ambiente estranho". Tamb�m registrou uma estranha ora��o: "Oh, Deus ajude-nos a manter vivo o nosso �dio", conclu�da com a frase: "Mata, que Deus perdoa".

De Pablo Escobar, o traficante copiou o zool�gico em uma de suas propriedades. Mandou fazer jaulas e viveiros. Completava o lugar um lago, onde passou a criar jacar�s. Foi ali que a pol�cia suspeita que o traficante tenha se desfeito do corpo do prot�tico. Tudo de acordo com os princ�pios que ele uma vez listou no fim de um de seus cadernos: "Posso perdoar; esquecer � outra coisa".

MENSAGENS

Mensagens de WhatsApp recuperadas nos celulares de Anderson Lacerda Pereira, o Gordo, mostram a rota de tr�fico mantida pelo Narcosul entre as Ilhas Can�rias e a �frica, al�m de exibir dados sobre a presen�a do Primeiro Comando da Capital (PCC) em 12 pa�ses, expondo os chefes da fac��o em cada um deles, al�m dos respons�veis pelas comunica��es do grupo: os chamados salveiros, que devem receber e repassar os "salves" emitidos pela Sintonia Final, a c�pula do grupo.

Dos pa�ses citados no zap da fac��o, seis s�o europeus. Eles mostram a estrutura e filiados em Portugal, na Espanha, na Holanda, na Su��a, na Fran�a e na It�lia. Investiga��es do Departamento de Narc�ticos (Denarc), da Pol�cia Civil paulista, mostram que o PCC nomeou um bandido conhecido como Betinho para gerir os neg�cios nos Estados Unidos. O PCC come�ou a montar em 2014 sua estrutura americana na Fl�rida por causa da impossibilidade de atuar na fronteira do M�xico, dominada pelos cart�is mexicanos, com os quais a organiza��o come�ou a manter contato. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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