
“Achei estranho. Mas fui l� [atender]. Devia ter acontecido alguma emerg�ncia. Ele falou, com uma voz meio assustada, que um avi�o tinha ca�do em cima da minha casa e que eu precisava ir para l�. Em princ�pio, achei que ele estava brincando”, contou Silva, em entrevista � Ag�ncia Brasil.
Silva mostra � reportagem uma foto da �poca, estampada em um jornal, que mostra um trem de pouso do avi�o dentro da casa dos pais. Felizmente, todos da fam�lia sobreviveram. O pai teve apenas uma queimadura no bra�o. Foi levado ao hospital, mas no mesmo dia foi liberado. O acidente, no entanto, jamais foi esquecido pela fam�lia. E provocou traumas.
“Para meus pais, que tinham mais idade, foi um per�odo muito dif�cil, que marcou muito a vida deles. Eles passaram a ter dificuldade de dormir no escuro", relatou. “Eu tenho mem�ria olfativa, para voc� ter uma ideia. O cheiro era muito desagrad�vel e ficou marcado."
No aeroporto
Pouco antes de o acidente acontecer, Sandra Assali havia levado seu marido, o m�dico cardiologista Jos� Rahal Abu Assali, para o aeroporto de Congonhas. Naquele mesmo dia, ele daria aula em um congresso no Rio de Janeiro e retornaria a S�o Paulo.
“Eu levei meu marido ao aeroporto. Tinha o h�bito de lev�-lo porque ele viajava muito. Mor�vamos perto do aeroporto, ent�o, quando poss�vel, eu o levava. E naquele dia n�o foi diferente. Eu deixei ele l� e, como ele viajava muito, ele chegava j� bem pr�ximo do hor�rio de embarque”, contou Sandra. “Era um dia normal, de rotina. Ele voltaria no mesmo dia. Eu me despedi dele e fui embora. Meia hora depois tive a confirma��o do acidente, de que ele tinha morrido”, afirmou.
Ela n�o viu o acidente acontecer. Mas quando j� havia sa�do do aeroporto e estava dentro do carro, chegou a ouvir um barulho. “Ouvi um grande barulho e vi um grande clar�o, apesar de ter sido de manh�. Naquele momento eu achava que era [algo] num posto de gasolina. Na verdade, voc� nunca imagina que pode ser um avi�o”, destacou.
Ela s� ficou sabendo do acidente depois. A lista dos passageiros que morreram com a queda e a explos�o do avi�o ela soube pela TV. Da companhia a�rea, Sandra jamais recebeu um telefonema sobre a morte do marido.
Cen�rio de guerra
Ao saber do acidente pelo irm�o, Jorge Tadeu da Silva voltou correndo para casa. Ele lembra de estar tudo em chamas e de ter se juntado aos vizinhos na tentativa de abrir alguns port�es e gritar por sobreviventes. Segundo ele, o avi�o destruiu oito casas na sequ�ncia.
"Ele pegou a minha na parte da frente. Na dos meus pais, um pouco mais a estrutura da frente. Na terceira casa, a parte principal da fuselagem caiu. E o cockpit do avi�o, a ponta do avi�o, percorreu mais cinco ou seis casas cortando elas pelo meio. Imagine um cen�rio de destrui��o, muito fogo. O avi�o havia acabado de decolar e estava com o tanque cheio. Estava abastecido para o voo at� o Rio de Janeiro", lembrou.
"A primeira vis�o que eu tive foi essa: de uma cena clich� de um bombardeio de guerra ou algo assim. Era muito fogo, muita fuma�a preta. Voc� via os destro�os, mas n�o conseguia ver o que que era, na hora", completou.
O avi�o havia acabado de sair de Congonhas, aeroporto de S�o Paulo, com destino ao Rio de Janeiro. Mas apenas 24 segundos depois, de acordo com relat�rio final elaborado pelo Centro de Investiga��o e Preven��o de Acidentes Aeron�uticos (Cenipa), a aeronave bateu em tr�s pr�dios e caiu em cima de diversas casas na Rua Luis Orsini de Castro, a cerca de 2 quil�metros do aeroporto. Com a queda, o avi�o pegou fogo matando todos as 96 pessoas a bordo. Tr�s pessoas que estavam no solo tamb�m morreram.
"De maneira surpreendente, apenas tr�s pessoas no solo faleceram. Para um acidente desse porte, numa �rea urbana, foi realmente um milagre. � uma rua em que muitas crian�as usam para ir para a escola. Mas devido ao hor�rio, tinha pouca gente na rua", disse.
Ap�s a trag�dia, Silva teve uma grande vontade de escrever sobre o acidente. Ele come�ou a pesquisar sobre desastres a�reos e criou um site para falar sobre o assunto. “Mais para frente, vim a saber com uma psic�loga que eu estava usando uma maneira de lidar com o luto ou com o estresse p�s-traum�tico, que � escrever sobre o assunto".
Quanto ao sobrado geminado, ele foi reformado com o dinheiro que os pais tinham guardado antes do acidente. "A gente [reconstruiu uma das casas] com recursos pr�prios, recursos que meu pai tinha guardado. E, ao longo de dez anos, fomos reconstruindo a outra, mas n�o no mesmo padr�o”, contou.
Da empresa, o dinheiro de indeniza��o demorou a chegar. "Foi um processo longo para recuperar [o que foi perdido no acidente] e sem receber a indeniza��o porque as propostas [da empresa] eram absurdas. Foi levado para a Justi�a porque n�o houve acordo. Levou muito tempo para a gente conseguir receber alguma coisa. Levou, na verdade, onze anos", disse ele, relembrando que recebeu a indeniza��o no ano em que um outro avi�o da TAM caiu em Congonhas, em 2007, matando 199 pessoas.
Hoje, ele continua vivendo na mesma rua, no im�vel que antes era ocupado por seus pais.
Associa��o
Sandra tinha dois filhos � �poca do acidente: um menino, de 7 anos, e uma menina, de 4. Sem receber o apoio necess�rio da empresa, ela e outros parentes de v�timas criaram a primeira associa��o de parentes de v�timas de acidente a�reo do Brasil, a Associa��o Brasileira de Parentes e Amigos de V�timas de Acidentes A�reos (Abrapavaa), da qual ela � presidente. A associa��o ajudou a mudar a avia��o no Brasil, principalmente em rela��o � indeniza��o e ao tratamento dispensado aos familiares das v�timas de acidentes com aeronaves.
Sandra tamb�m passou a escrever sobre o epis�dio, publicando dois livros. O primeiro deles, "O Dia que Mudou a Minha Vida", foi lan�ado em 2017, quando a trag�dia completou 20 anos. O segundo, "Acidente A�reo – O que Todo Familiar de V�tima Pode e Deve Saber", foi lan�ado em mar�o deste ano e pretende ser um guia para orientar fam�lias sobre direitos em caso de acidente a�reo.
O acidente
A queda do avi�o foi provocada por uma falha no reversor da turbina direita (o freio aerodin�mico), que abriu durante a decolagem. O reversor � um equipamento que se abre para ajudar a aeronave a desacelerar, preparando o avi�o para o pouso. Mas, naquele dia, o equipamento abriu na decolagem, em pleno voo. Isso foi como acionar o freio no momento em que a aeronave precisava acelerar para ganhar mais sustenta��o. Um problema para o qual o piloto e o co-piloto n�o haviam sido treinados, j� que as chances de que isso ocorresse eram rar�ssimas.
“O manual da Fokker 100 dizia que n�o havia necessidade desse tipo de treinamento porque a possibilidade era de uma em um milh�o do reverso abrir em voo. Ou seja, os pilotos, dentro do que tinham de treinamento, fizeram o que sabiam. N�o eram treinados para essa eventualidade", disse Sandra Assali.
“Um acidente a�reo, como eu sempre digo, acontece sempre por v�rios fatores. Nunca � um fator s�”, destacou M�rio Luiz Sarrubbo, procurador-geral de Justi�a do estado de S�o Paulo, em entrevista � Ag�ncia Brasil. Sarrubbo foi o promotor do caso � �poca.
Antes de decolar de Congonhas com destino ao Rio de Janeiro, naquela manh� de quinta-feira, o Fokker tinha feito uma viagem de Caxias do Sul, na Serra Ga�cha, para S�o Paulo. Quando o piloto desse voo chegou a Congonhas, ele relatou aos tripulantes do voo seguinte que um alarme havia indicado um defeito no acelerador autom�tico, o chamado autothrottle, um mecanismo que ajuda o piloto a controlar a velocidade da aeronave, mas que n�o � essencial para o voo. Durante a investiga��o, se descobriu que o problema, na realidade, n�o estava no autothrottle, mas no reversor de uma das turbinas.
“Interessante � que at� hoje a gente n�o sabe se o reverso abriu em voo anteriormente em outros locais, porque a tripula��o que levou o Fokker para Congonhas naquele dia reportou para o piloto que assumiu o voo [de S�o Paulo para o Rio de Janeiro] que o controle de acelerador autom�tico, chamado de autothrottle, estava com defeito, que o manete [alavanca que acelera ou reduz a pot�ncia do motor] estava voltando em algum momento. Por isso, o piloto [do voo que caiu] foi enganado. N�o era o acelerador autom�tico. No caso dele, era o reverso em voo, que acabou sendo o fio da trag�dia”, disse o procurador-geral.
“Os fatores determinantes para a queda da aeronave: um rel� [esp�cie de interruptor el�trico] que entrou em curto, e o piloto ter sido induzido a erro em fun��o da movimenta��o do manete em decorr�ncia desse curto”, explicou o promotor. “A possibilidade do reverso abrir em voo era muito pequena. Por isso, o piloto nem pensou em reverso em voo”, acrescentou.
Se o piloto tivesse conhecimento de que o problema no avi�o era o reverso, seu procedimento no voo teria sido outro, acredita Sarrubbo. “Ele desligaria aquele motor e alternaria para Cumbica, pousaria ali, n�o iria para o Rio de Janeiro. Ele faria altern�ncia para Cumbica, desligaria aquele motor - o reverso pode ficar aberto com o motor desligado, e ele pousaria em Cumbica com toda a seguran�a e nada aconteceria.”
Ap�s a investiga��o sobre as causas do acidente, nenhuma pessoa foi responsabilizada pela trag�dia. “Na nossa manifesta��o, arquivamos o inqu�rito policial porque entend�amos que n�o dava para se atribuir culpa criminal a quem quer que fosse. Foi realmente uma situa��o absolutamente inusitada”, disse Sarrubbo. “N�o havia nenhuma responsabilidade em n�vel pessoal criminal que pudesse fazer com que fiz�ssemos um processo criminal. Fui o autor do arquivamento porque realmente, sob o prisma do crime, n�o havia nenhum tipo de responsabiliza��o. Foi mesmo inusitado”, relembrou.
Latam
Procurada pela Ag�ncia Brasil, a Latam informou n�o ter hesitado em “dar assist�ncias �s fam�lias das v�timas, mesmo n�o tendo protocolos e normas globais para assist�ncia humanit�ria”.
Segundo a empresa, “todas as fam�lias das v�timas envolvidas [no acidente] foram indenizadas”.
A Latam disse ainda que tem um plano robusto, estruturado e detalhado de resposta � emerg�ncia cuja premissa n�mero um � a “seguran�a � valor inegoci�vel”. Esse plano, de acordo com a empresa, contempla dez pontos, que prev�, por exemplo, atendimento e assist�ncia �s fam�lias envolvidas.