
De um lado est�o as montanhas e na dire��o oposta, o Mar do Jap�o. Entre um e outro, se localiza a cidade de Tsuruoka (prov�ncia de Yamagata), com seus 125 mil habitantes, arrozais e dezenas de templos que atraem peregrinos para ref�gio espiritual.
� nesse cen�rio que encontramos o monge Ryush�. Nascido h� 30 anos em Itapetininga (interior de SP) com o nome Antonio Luiz Gulart e um quase arquiteto (deixou o curso no 5º ano da faculdade), atualmente ele � abade (um importante cargo administrativo) do Renpukuji, al�m de administrador de outros dois templos de seu mestre Saikawa Roshi, de 73 anos.
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A rotina de um monge com tantas atribui��es � surpreendentemente agitada. O dia come�a por volta das quatro e meia para o zazen (medita��o sentada, pr�tica principal do zen budismo) e a cerim�nia matinal do templo.
Durante o dia, o abade precisa cuidar do jardim, da manuten��o, da administra��o, dos servi�os lit�rgicos com os membros dos templos, al�m das atividades dom�sticas. Lavar, cozinhar, fazer compras tamb�m s�o tarefas de um monge.
A limpeza talvez n�o tenha a intensidade com que a praticou nos cinco anos em que esteve em treinamento em um mosteiro, mas � sempre uma parte importante em um templo zen.
"Limpamos lugares que na vida cotidiana nunca pensar�amos em limpar. J� se imaginaram polindo o ralo da pia da cozinha ou do lavabo de nossas casas todas as noites ap�s um dia de uso? Polimos de espelho a ralo. Polimos a nossa mente. Tudo deve estar impec�vel. Deve-se andar sem fazer barulho com os chinelos. Suas vestes devem estar sempre limpas. Sua postura tem de ser elegante, a gola dos quimonos alinhadas. Tudo em perfeita harmonia", lembra o monge Ryush�.
Ele pertence � Ordem Soto Zen, uma das maiores religi�es do Jap�o, com cerca de quinze mil templos, oito milh�es de adeptos e dois principais mosteiros, o Eiheiji (em Fukui) e o Sojiji (em Yokohama).
Nesse �ltimo, o monge Ryush� esteve em treinamento fechado por quase 5 anos, com a inten��o de voltar ao Brasil como mission�rio internacional Por�m, tornou-se abade no Jap�o por escolha de seu mestre.
"Tive a honra de assumir como seu herdeiro."
Quando encerram o per�odo de treinamento, geralmente os monges estrangeiros voltam para seus templos de origem, onde trabalham com popula��o do entorno, ou s�o enviados para cuidar de outras comunidades.
"Uma das caracter�sticas do Soto Zen � estar em constante intera��o", completa o monge carioca Sh�ei, o segundo brasileiro e terceiro estrangeiro enviado para treinamento em Sojiji, ap�s um hiato de 14 anos.
O mosteiro recebeu seis brasileiros no total. Atualmente, apenas o monge Sh�ei permanece no local, em treinamento especial para atuar como professor em algum mosteiro de forma��o.
A tecnologia tem ajudado muito na transmiss�o dos ensinamentos.
"Tenho redes sociais e canais no Youtube. Atualmente sou orientador do Jiho Sanzenkai (Grupo de Medita��o Zen) no Facebook, al�m de promover e fomentar um Clube de Leitura de textos Zen, ambos com participa��o gratuita".
O Zen Budismo no Jap�o n�o � o mesmo de quando veio da China, diz o monge Ryush�.
No Brasil, cada professor do Dharma tem adaptado seu m�todo de ensino de acordo com o seu espa�o e seus alunos praticantes.
"Mesmo no Jap�o, cada templo tamb�m tem as suas particularidades, e acredito que diferen�as sempre ir�o existir".
Mas o ensinamento � o mesmo.
Monge Ryush� teve contato com o budismo quando pequeno. O interesse pela cultura herdada do lado materno da fam�lia o aproximou de um monge japon�s, em S�o Paulo.
"Comecei a frequentar o templo regularmente. Quando vi, j� estava preparando meu rakusu".
Esse � o manto de Buda, costurado com retalhos de tecido pelo aluno, significando que ele deu um passo no caminho do Dharma.
Recebeu um nome b�dico que re�ne os ideogramas "ryu", de prosperidade e nobreza, e "sh�", que significa auspicioso, regozijo.
J� como monge, veio ao Jap�o para o treinamento. Os primeiros anos s�o dif�ceis para os estrangeiros, principalmente aos n�o habituados com a l�ngua japonesa, a nostalgia do lar e hor�rios.
"O treinamento nos mosteiros n�o � um mar de rosas como muitos pensam. H� muito trabalho e pouco tempo para instru��es. Por isso, cada fun��o � atribu�da de acordo com sua capacidade de desempenho. Um estrangeiro que n�o domina o idioma n�o poder� ficar na recep��o atendendo o telefone, por exemplo", explica.
Durante esse per�odo, os monges recebem forma��o para uma atua��o social, com aulas sobre direitos humanos, preconceito e discrimina��o.
A Ordem Soto � signat�ria da agenda mundial dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustent�vel) promovida pela ONU, composta por 17 objetivos e 169 metas a serem atingidas at� 2030.
"N�s estamos o tempo todo trabalhando para construir uma sociedade que cultive a paz, sem discrimina��o, com menos viol�ncia e que zele pelo bem-estar do pr�ximo."
Segundo o monge Ryush�, o ser humano est� vivendo e sofrendo por aquilo que ainda est� por vir.
"Ele se esquece que tem muitas fases na vida. O budismo nos ensina a viver o presente, a respirar conscientemente e perceber o que est� acontecendo com n�s mesmos. Ao reconhecer nossas inquieta��es, podemos us�-las para o bem do outro."
Dif�cil � fugir de algumas inquieta��es, como pelo que passa a mais de 18 mil quil�metros de dist�ncia.
"Em meio a uma pandemia, vemos muitos problemas voltarem. As pessoas no Brasil est�o morrendo de fome", lamenta o monge Sh�ei.
"N�o vivemos sozinhos e nossas vidas s�o sempre cheias de encontros e desencontros. Devemos viver em um estado de aten��o ao momento atual", completa o monge abade Ryush�.
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