Carlos de Freitas, de 65 anos, � um atleta experiente. Viajou de S�o Paulo para o extremo-sul do Pa�s, na ponta do Rio Grande do Sul, para percorrer uma ultramaratona de 226 quil�metros de areia entre o Chu�, munic�pio ga�cho que faz fronteira com o Uruguai, e a barra da Lagoa dos Patos, a cerca de 20km do centro da cidade de Rio Grande. O objetivo da prova era percorrer toda a extens�o da Praia do Cassino, considerada a maior praia do mundo. Mesmo em meio ao forte vento, ele conseguiu percorrer cerca de 160 quil�metros, mas cansou, teve alucina��es por exaust�o, se perdeu e passou cerca de 58 horas desaparecido.
Em determinado ponto da prova - a Extremo Sul Ultramarathon, que acontece anualmente e atrai corredores de diversas partes do mundo - Carlos se sentiu cansado e precisou pegar uma carona at� o pr�ximo ponto de parada. Chegando � base, ele descansou um pouco, se alimentou, se hidratou e foi informado que, por causa da carona, havia sido desclassificado da competi��o. Mesmo assim, motivado por um desafio pessoal, decidiu prosseguir. A prova iniciou �s 10h da �ltima sexta-feira, 12. O ultramaratonista se perdeu por volta das 7h30 do domingo, 14.
Segundo relatou Silvia Rocha, uma das organizadoras da ultramaratona, as equipes sempre orientam os participantes a manterem o mar � direita, principalmente durante a noite, quando a visibilidade diminui.
Em determinado ponto, o ultramaratonista se deparou com um riacho que cruzava a praia e desembocava no oceano. Acreditando se tratar do pr�prio mar, manteve o riacho a sua direita, subiu algumas dunas e adentrou em uma mata pr�xima � praia.
Ali, desgastado por um percurso de 160 quil�metros em meio a um forte vento vindo do Nordeste, pegando de frente os competidores - o que fez 20 dos 49 corredores deixarem a prova -, come�ou a sentir vertigem e chegou a ter alucina��es por exaust�o.
"Ele come�ou a ver coisas. Me relatou que come�ou a ver crian�as, foi pegar na m�o de uma crian�a e na verdade era um galho. Ali ele come�ou a se sentir mal e se deitou", descreve o coordenador da Defesa Civil de Rio Grande, Rudimar Machado, que participou das buscas.
Carlos de Freitas conta que foram essas vis�es que ajudaram ele a se perder: "Eu via casas e uma estrada, mas eram dunas. Isso j� era miragem. Via casa, cavalos, casas com antena parab�lica, gente de bicicleta, gente de carro."
Ele ainda conseguiu fazer uma liga��o para sua esposa, relatou que estava perdido em meio a dunas de areia. O corredor ent�o se deitou e aguardou o resgate. Experiente, carregava castanhas, nozes, damasco e �gua. Ao redor dele mesmo, colocou luzes de sinaliza��o e, acima da cabe�a, uma camisa fluorescente para ser localizado mais facilmente. Se cobriu com uma manta t�rmica e aguardou.
"Passei duas noites parado no mesmo lugar. Chegou uma hora que acabou a �gua, mas eu sempre carrego na mochila um comprimidinho de purificador de �gua. Eu filtrava �gua na m�scara (de prote��o ao coronav�rus) e aplicava o comprimido. Tamb�m carrego sal e a��car, e fazia um tipo de soro fisiol�gico, para me hidratar", relatou.
"Eu mantive a calma. Quando ficou de dia e pude enxergar de novo, sa� da mata e parei perto de uma cerca, num lugar aberto, e n�o me movi. Imaginei que eles pudessem rastrear a liga��o, ent�o tinha que estar em um local pr�ximo", contou ele.
Assim, Carlos sobreviveu por cerca de 58 horas abaixo de muito vento e chuva, em um terreno desconhecido, at� ser encontrado. As buscas mobilizaram a cidade de Rio Grande e parte da seguran�a da for�a sul ga�cha.
Buscaram pelo ultramaratonista, bombeiros militares, a Marinha, o Ex�rcito, a Guarda Municipal, a Guarda Ambiental, a Secretaria de Tr�nsito e diversos volunt�rios como jipeiros, pessoas que praticam esportes de quadriciclo e motocicleta e at� maratonistas de outros Estados, que perderam seus voos para ajudar nas buscas.
Foi a liga��o que ele fez para sua mulher, Cristiane Lima de Andrade, que possibilitou que Carlos fosse encontrado. Ap�s boletim de ocorr�ncia e liminar judicial, foi determinada a quebra de sigilo telef�nico e a liga��o foi rastreada.
O senhor de 65 anos foi encontrado bem e consciente. T�o bem que chegou a causar espanto em quem o procurava j� com cada vez menos esperan�a. "
Eu estava l� quando o encontramos. Ele estava com muita sa�de e muito bem. Estava at� melhor que eu, com toda aquela preocupa��o, adrenalina elevada, afinal se tratava de uma vida. Ele ria, era inacredit�vel. Mas gra�as a Deus, o Carlos foi encontrado. Conseguimos salvar uma vida, o que � imensur�vel. A esposa dele estava apavorada, e em um momento chegou a perder as esperan�as, porque � uma regi�o muito grande" relatou Machado.
Carlos foi conduzido ao hospital, realizou todos os exames requeridos e passa bem. Na noite da quarta-feira, 17, por iniciativa da pr�pria Cristiane, ser� realizada uma comemora��o ao sucesso das buscas para todos que ajudaram a encontrar o ultramaratonista de 65 anos s�o e salvo.
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