Quem foi Odetinha, a menina carioca que pode se tornar santa

Ela viveu apenas 9 anos. Mas, para os cat�licos, parece ter sido tempo suficiente para que tenha deixado exemplos de virtudes t�o fortes que, conforme esperam os que defendem sua causa, far� dela mais uma santa a povoar os altares das igrejas. Trata-se de Odette Vidal Cardoso (1930-1939), carioca que ficaria conhecida como Menina Odetinha.

Ela passou a ser venerada como santa no Cemit�rio de S�o Jo�o Batista, no Rio, e sua hist�ria acabou reconhecida oficialmente pelo Vaticano.

Na semana passada, o papa Francisco publicou um decreto em que reconheceu as chamadas "virtudes heroicas" de seis novos candidatos a serem santos. Na mesma data em que celebraram-se os 82 anos da morte de Odetinha, ela passou a figurar nesse rol: a partir de agora, � ser considerada "vener�vel serva de Deus", um degrau no quase sempre longo processo de canoniza��o.

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Formalmente, isso significa que os tr�mites, antes circunscritos � Arquidiocese do Rio, onde Odetinha viveu, agora prosseguem na alta c�pula do Vaticano, sob o comando da Congrega��o para as Causas dos Santos.

"Quando h� o reconhecimento das 'virtudes heroicas', o que significa que a vida da pessoa realmente seguiu os princ�pios do evangelho de maneira extraordin�ria, ela passa a ser chamada de 'vener�vel'", esclarece � BBC News Brasil a vaticanista Mirticeli Medeiros, pesquisadora de hist�ria do catolicismo na Pontif�cia Universidade Gregoriana de Roma.

A pouca idade da candidata n�o muda nada aos olhos dos peritos e religiosos encarregados da an�lise. "Uma crian�a segue o mesmo processo de um adulto. Sempre se faz a pergunta: ela viveu o evangelho de maneira excepcional?", explica Medeiros.

Em entrevista ao Vatican News, portal oficial da Santa S�, o cardeal Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, comemorou a not�cia. "[Ela era uma] menina de nove anos que rezava, cuidava dos pobres, tinha uma grande preocupa��o com os necessitados", comentou ele. "Deixou diversos exemplos e morreu com fama de santidade aqui no Rio de Janeiro. Agora passa a ser vener�vel. � uma boa not�cia a todos n�s da arquidiocese."

Tempesta enalteceu o fato de que a garota � a "primeira vener�vel de nossa arquidiocese" e pediu para que ela "interceda por nossa cidade, pelas crian�as e por todos n�s".

Quem foi?

Odetinha era filha de um casal de imigrantes portugueses considerados ricos comerciantes na sociedade carioca. Segundo relato biogr�fico divulgado pelo escrit�rio que cuida de sua causa junto ao Vaticano, "os pais eram profundamente religiosos e, sobretudo, de grande caridade para com os necessitados".

"Desde muito jovem, a menina aprendeu com os pais a recitar as ora��es e a ter uma terna devo��o a Nossa Senhora, al�m de um amor particular pela Santa Missa", pontua o texto.

Odetinha come�ou a tomar aulas de catecismo aos cinco anos e, diz o relat�rio, para ela "aprender as coisas de Deus era t�o r�pido" que logo a menina estava "a ensinar os outros, tornando-se a catequista dos colegas".

Um m�s antes de completar 7 anos, recebeu a primeira comunh�o. De acordo com o material biogr�fico, ao entrar na igreja para a cerim�nia, a m�e perguntou o que ela gostaria de pedir a Jesus. "M�e, se Jesus aparecesse para mim, eu lhe daria um beijinho com todo o meu cora��o e diria: eu te amo", teria respondido a garota.

Sua f� aumentava cada dia mais, com manifesta��es fervorosas de devo��o. Odetinha incorporou h�bitos de jejum. H� diversos epis�dios em que ela relatava, para sua m�e, conversas e intera��es com Jesus.

"O amor e a caridade de Odette estendiam-se a todos, sem exce��o", diz ainda o texto preparado pelo escrit�rio que defende a causa. "Para a festa de Natal, pediu aos pais que todos os empregados da casa se sentassem com eles na mesma mesa para comerem juntos. Ela nutria um amor particular por uma menina �rf� e, quando recebia um presente, compartilhava com ela. Ao saber que o filho de um empregado da fam�lia ainda n�o havia feito a primeira comunh�o, ofereceu-se para ela mesma lhe ensinar o catecismo. Mais tarde, quando a crian�a adoeceu, Odette se preocupou em fazer com que ele recebesse todos os sacramentos."

Odetinha teve uma forte febre em 8 de outubro de 1939. Foi � missa muito cansada. Depois daquele dia jamais se recuperaria. A menina havia contra�do tifo. Nada fez com que a febre baixasse.

Segundo o relato biogr�fico, a garota "revelou paci�ncia heroica durante a doen�a, sem nenhuma l�grima nem gemido". "Quando questionada sobre como estava indo, sempre respondia que bem. �s vezes, em �xtase, dizia que 'Jesus estava aqui, mas n�o me levou'. Ela n�o culpava ningu�m e ficava triste quando via a m�e com olhos vermelhos de tanto chorar", afirma o texto.

Na madrugada de 25 de novembro, Odetinha n�o conseguia falar. Mas gesticulou que queria receber a comunh�o. Um padre estava presente e lhe disse que ela n�o seria capaz de engolir. A menina insistiu. Deram-lhe �gua e um pequeno fragmento da h�stia. A menina morreu em seguida, recitando uma ora��o.

Autor do livro Odetinha: L�rio de Caridade em Miss�o, o padre Jos� Claudio Loureiro do Nascimento afirma � BBC News Brasil que a menina era "um b�lsamo de amor e caridade". "O grande significado que podemos extrair de sua vida �: caridade n�o tem idade", argumenta. "Odetinha era uma crian�a com um grau altamente desenvolvido de caridade, extraordin�rio e impressionante. Ela tinha sensibilidade com o sofrimento alheio e manifestava desejo e atitude de ajudar."

Padre Nascimento, que � perito do escrit�rio da Causa dos Santos ligado � Arquidiocese do Rio, conta que h� registros de que a menina organizava feijoadas beneficentes aos pobres, doava roupas, pedia para os pais que a levassem ao orfanato, fazia com que os pais dessem roupas iguais as delas para outras crian�as, entre outros gestos. "Essa era a Odette", diz Nascimento.

Pr�ximos passos

Quem defende a causa de Odetinha junto ao Vaticano � o postulador italiano Paolo Vilotta — postulador � como se fosse um "advogado de santos". Trata-se de um homem com bom tr�nsito na Santa S� e um curr�culo vasto. Para citar um exemplo recente, ele tamb�m foi o postulador da causa da brasileira Irm� Dulce (1914-1992), canonizada em 2019.

Em conversa com a BBC News Brasil, Vilotta diz que j� esperava pelo decreto de Francisco. "Mas minha emo��o e minha felicidade acompanharam todos os passos que antecederam a not�cia", comenta. "Todos os estudos anteriores realizados primeiramente pelos consultores hist�ricos, depois pelos consultores teol�gicos e finalmente pelos cardeais e bispos, todos responderam positivamente. E foram acolhidos por mim, todas as vezes, com alegria e felicidade, tanto pela figura como pela Igreja, do Rio de Janeiro em particular, do Brasil e universal."

Vilotta salienta que o decreto de Francisco ainda "n�o indica um culto p�blico" � Odetinha, mas "reconhece precisamente que ela viveu as virtudes crist�s em grau heroico". "Portanto, a causa est� atualmente em um ponto importante e fundamental", afirma.

"Esta venerabilidade aconteceu muito rapidamente, o que significa um forte interesse de todos e um excelente trabalho realizado por todos", acrescenta o postulador. O processo come�ou em 2013.

O pr�ximo degrau no caminho da santidade � a beatifica��o. "Conforme previsto nas normas, [para que isso ocorra] a Igreja deve reconhecer um milagre, atribu�do � [agora] vener�vel Odette, ocorrido ap�s sua morte", detalha Vilotta. "Portanto, agora haver� um trabalho de muita aten��o e avalia��o no que diz respeito �s muitas gra�as que s�o relatadas e entregues aos l�deres da causa."

Padre Nascimento ressalta que quem faz o santo � o povo — nesse sentido, como j� h� uma devo��o popular, � de se esperar que naturalmente o Vaticano a reconhe�a como tal. Agora � preciso a comprova��o de milagres.

Os relatos de curas milagrosas atribu�das � intercess�o da menina devem ser analisados nos pr�ximos anos por uma junta de m�dicos que atuam como consultores do Vaticano. "Alguns deles s�o ateus, inclusive. Porque a ideia da Igreja n�o � declarar um milagre, mas declarar que a ci�ncia n�o tem como explicar aquele caso apresentado", explica Nascimento. Para que a beatifica��o ocorra, essa declara��o tem de ser un�nime.

Depois, de declarada beata, ser� preciso ainda um segundo milagre para que, finalmente, Odetinha se torne uma santa.

O fato de ela ser crian�a n�o interfere no julgamento do processo. � claro que, conforme pontua Nascimento, naturalmente acaba-se tendo menos material biogr�fico para ser analisado. Por outro lado, acumulam-se relatos p�stumos sobre a devo��o popular a Odetinha, nesses mais de 80 anos.

"A Igreja tem outros casos de crian�as canonizadas", ressalta � BBC News Brasil o vaticanista Filipe Domingues, doutor pela Pontif�cia Universidade Gregoriana de Roma e vice-diretor do Lay Centre em Roma. Ele cita como exemplos os dois pastorinhos de F�tima, Jacinta e Francisco, que teriam avistado Nossa Senhora e, mais tarde, morreram na epidemia de gripe espanhola.

"H� um ponto importante que � aquela ideia de que para entrar no Reino dos C�us � preciso ter a ingenuidade de uma crian�a, a pureza, a simplicidade", ressalta Domingues. "Al�m disso, muitas crian�as podem ter uma vida de devo��o e ora��o e, assim, se tornarem modelos de f�."

Em conversa com a reportagem, o pesquisador Jos� Lu�s Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor da Universidade Estadual Vale do Araca�, do Cear�, tamb�m cita os pastorinhos para exemplificar a quest�o da santidade de crian�as. "A venerabilidade de Odetinha a coloca � frente das outras crian�as, sem a presen�a do mart�rio, que s�o estudadas no Brasil em causas de canoniza��o", pontua ele, que cita o caso em seu livro A Caminho da Santidade.

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