Foi por muito pouco que K�tia Giane Pacheco Siqueira p�de estar presente na quarta-feira, 1�, no Foro Central de Porto Alegre para ser a primeira testemunha no julgamento do caso Boate Kiss, que pegou fogo em Santa Maria (RS). Ela era funcion�ria do estabelecimento, trabalhava na cozinha naquela madrugada de 27 de janeiro de 2013 e est� entre os 636 sobreviventes feridos no inc�ndio, mas poderia ser uma das 242 pessoas que nunca deixaram o local.
"A Kiss era um labirinto, eu mesmo trabalhava l� e quase n�o consegui sair", disse K�tia, durante o depoimento. Quando se iniciou o inc�ndio ela estava na cozinha, preparando lanches para os clientes, junto � colega Jana�na, jovem que morreu na trag�dia. Ao perceber que havia algo errado, K�tia teve dificuldade de deixar o espa�o, que ficava relativamente pr�ximo � sa�da.
"Escutava gente gritando que era fogo e gente gritando que era briga. N�o sabia o que estava acontecendo. Quando senti que era fogo mesmo, respirei fundo e tentei sair. Mas tinha gente empurrando porque a porta da cozinha era perto dos banheiros, e tinha gente imaginando que o banheiro era a sa�da", relatou ela. Relatos da �poca indicam que diversos corpos foram encontrados no banheiro ap�s o inc�ndio.
Alguns fatores contribu�ram para a confus�o dos clientes. Segundo o depoimento, quando o inc�ndio come�ou, faltou luz na boate, o que teria dificultado a orienta��o, apesar de algumas luzes de emerg�ncias que foram acesas. Ainda conforme a testemunha, os extintores de inc�ndio eram retirados antes das festas. Um dos motivos seria que alguns clientes j� teriam brincado e esvaziado extintores em ocasi�es anteriores. Havia, tamb�m, na entrada e sa�da do estabelecimento, barras de conten��o para organiza��o interna e divis�o de setores, que teriam atrapalhado a fuga das v�timas. N�o haveria comunica��o entre os seguran�as da casa, o que teria causado demora para identifica��o do ocorrido e aux�lio para a sa�da.
Em v�rios momentos do j�ri nesta quarta, foi usada uma maquete digital 3D da boate, que ajudou a elucidar algumas quest�es e detalhar os eventos para o juiz Orlando Faccini Neto, para os procuradores, os advogados de assist�ncia da acusa��o, representada pela Associa��o dos Familiares de V�timas e Sobreviventes da Trag�dia de Santa Maria (AVTSM) e para as defesas dos r�us Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, s�cios da Kiss, Marcelo de Jesus dos Santos, m�sico, e Luciano Bonilha, produtor musical.
Ainda segundo a testemunha, shows pirot�cnicos n�o eram novidade da boate. Eram, diz ela, frequentes - o que contraria o argumento das defesas de dois dos quatro r�us de que os s�cios n�o saberiam a inten��o da banda Gurizada Fandangueira de realizar apresenta��o com sinalizadores. A depoente afirmou que outras bandas j� haviam realizado apresenta��es parecidas, al�m de que a pr�pria boate oferecia espumantes com pequenas velas com chamas, o que era moda na �poca.
Pouco depois da dificuldade de deixar o local, por causa das pessoas que pensavam que nos banheiros se localizava a sa�da, K�tia desmaiou, ainda dentro da boate. Ela n�o relatou quanto tempo ficou desacordada, mas retomou a consci�ncia quando algumas pessoas perguntaram se ainda tinha gente dentro do local.
"Pedi ajuda. Duas pessoas tentaram me tirar l� de dentro, mas tinha gente em cima de mim. Tentaram me puxar e n�o conseguiram. Iam me deixar l� dentro. Ent�o eu me agarrei nas pernas de algu�m, de maneira que n�o conseguia se desvencilhar, foi quando fizeram for�a para me puxar e sa�mos de l�".
O depoimento de K�tia come�ou pouco depois das 14h e se estendeu por quase 5 horas. Ela perdeu cerca de 50 amigos, colegas e conhecidos naquela noite. Teve 40% do corpo queimado e, ao chegar ao hospital, desmaiou novamente e s� acordou 21 dias depois, entubada, j� em Porto Alegre.
"Tentaram me desentubar. Tive uma parada cardiorrespirat�ria e tiveram que me entubar de novo �s pressas", contou ela. Nesse momento, K�tia come�ou a chorar, antes de conseguir prosseguir: "falaram que iam tentar me entubar de novo e, se caso eu n�o resistisse iam me deixar morrer, porque meu organismo tinha de reagir e ele n�o estava reagindo".
Foi com a ajuda e o est�mulo da m�e que K�tia teve for�as para lutar contra a morte: "Coloquei na cabe�a que queria viver e o organismo come�ou a dar resposta". Ao todo, ela ficou 46 dias no hospital, e at� hoje, quase 9 anos depois, necessita de acompanhamento dermatol�gico para tratar das queimaduras no corpo.
Nesta quinta-feira, 2, continuam os depoimentos de testemunhas.
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