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Estado de Minas BODE EXPIAT�RIO OU USURPADOR?

A incr�vel hist�ria de Maximiliano de Habsburgo, primo de Dom Pedro 2� e �ltimo imperador do M�xico

Nascido em uma das mais poderosas fam�lias do mundo, o jovem nobre aceitou a aventura de governar o M�xico e pagou por isso


06/12/2021 06:36 - atualizado 06/12/2021 09:29


Maximiliano de Habsburgo
O austr�aco Maximiliano de Habsburgo tornou-se imperador do M�xico com apoio da Fran�a (foto: Getty Images)

Para alguns, ele foi o bode expiat�rio das ambi��es expansionistas da Fran�a. Para outros, n�o foi mais que um usurpador, colocado no trono do M�xico por outro usurpador, Napole�o 3º, para cumprir seu projeto imperialista.

O fato � que a hist�ria do austr�aco Maximiliano de Habsburgo e sua mulher Carlota, no chamado Segundo Imp�rio mexicano, foi um epis�dio tr�gico da hist�ria do M�xico — e um dos mais curiosos da Am�rica Latina.

Primo do imperador brasileiro Dom Pedro 2º, Maximiliano era admirador do Brasil e sonhou com uma alian�a regional entre os dois pa�ses, o que nunca se materializou. Jovem liberal, sabia pouco da realidade pol�tica no pa�s que aceitou governar.

Mas o que levou um arquiduque austr�aco e uma princesa belga a aceitarem o trono de um pa�s no chamado Novo Mundo, marcado por profundas divis�es e conflitos? Por que os mexicanos decidiram, naquele momento de sua hist�ria, que n�o poderiam governar sozinhos e aceitaram ser liderados por um aristocrata estrangeiro e desconhecido?

M�xico: um 'pa�s em chamas'

Em maio de 1864, quando Maximiliano desembarca no porto de Veracruz, ele chegava a um pa�s extremamente dividido e inst�vel.

J� haviam se passado quatro d�cadas desde a independ�ncia mexicana da Espanha, e durante todo esse per�odo a rec�m-formada na��o soberana havia estado mergulhada em anos de profundas crises e divis�es, como explica H�ctor Zagal, professor de filosofia da Universidade Panamericana, � BBC News Mundo (o servi�o em espanhol da BBC).

"Em 1864, o M�xico havia perdido metade de seu territ�rio numa guerra com os Estados Unidos, j� havia tido 27 presidentes, e a maioria deles n�o terminara seus mandatos."

Zagal, autor do livro Imp�rio, que aborda os �ltimos dias de Maximiliano, acrescenta: "O M�xico tinha enfrentado golpe de Estado, revolu��es e finalmente uma guerra civil muito sangrenta. Al�m disso, estava literalmente falido".

Essa sangrenta guerra civil, a Guerra da Reforma (1858-61) foi travada entre os dois grandes grupos que dividiam o pa�s: os liberais e os conservadores. O conflito terminou com a derrota dos conservadores e com Benito Ju�rez, l�der dos liberais, no posto de presidente do pa�s.

Com a fal�ncia nacional, o presidente Ju�rez decidiu suspender o pagamento da d�vida externa, medida que provoca uma interven��o das na��es mais afetadas: Espanha, Fran�a e Reino Unido, que em 1862 enviaram expedi��es armadas a Veracruz.

Tanto a Espanha como o Reino Unido fizeram um acordo com Ju�rez e retiraram suas tropas. A Fran�a, no entanto, sob o reinado de Napole�o 3º, ordenou que seu Ex�rcito avan�asse at� a capital mexicana.

Como explica a professora Erika Pani, do Centro de Estudos Hist�ricos do Col�gio do M�xico, a suspens�o de pagamentos da d�vida do M�xico foi uma "desculpa ideal" para as ambi��es expansionistas de Napole�o 3º.

"Os EUA estavam totalmente consumidos por sua guerra civil [a Guerra de Secess�o], e Napole�o 3º v� como fact�vel seu velho sonho de restaurar a presen�a francesa no continente americano e colocar um ponto final no expansionismo anglo-sax�o", explica a historiadora.


Maximiliano de Habsburgo e sua mulher, Carlota
Maximiliano e Carlota trocaram o conforto de seu castelo na It�lia pela aventura de governar o M�xico (foto: Getty Images)

Al�m disso, os conservadores mexicanos, que haviam lutado e perdido contra os liberais, pediram ajuda � Fran�a para a restaura��o de seus antigos privil�gios e defendem a instaura��o de um segundo imp�rio no M�xico.

"Napole�o 3º escutou os conservadores mexicanos, que queriam que a salva��o do pa�s viesse de fora", afirmou Pani � BBC News Mundo. "Eles decidiram que, como a Rep�blica n�o funcionara no M�xico, era necess�rio regressar ao governo mon�rquico, que acreditavam que eventualmente conseguiria colocar ordem no pa�s."

Maximiliano, um 'candidato ideal'

Maximiliano de Habsburgo, irm�o do imperador austr�aco, Francisco Jos�, era primo do imperador do Brasil, Dom Pedro 2º. Seu pai, o arquiduque Francisco Carlos da �ustria, era irm�o de Maria Leopoldina, a imperatriz do primeiro reinado brasileiro e m�e de Dom Pedro 2º.

A proximidade de Dom Pedro 2º quase ficou ainda maior quando Maximiliano, em 1852, ficou noivo da princesa Maria Am�lia. Irm� do imperador brasileiro, Maria Am�lia nascera na Fran�a, filha da segunda mulher de Dom Pedro 1º, Am�lia. O casamento, entretanto, n�o ocorreu, devido � morte de Maria Am�lia por tuberculose em 1853.

J� casado com Carlota, Maximiliano desembarcou na Bahia em 1860 para visitar seu primo e viajar por dois meses em territ�rio brasileiro. A viagem, que incluiu Bahia, Rio de Janeiro e Esp�rito Santo, teve grande impacto no jovem austr�aco, que a descreveu na obra Recollections of My Life (Lembran�as da Minha Vida), publicada em ingl�s em 1868.

No cap�tulo dedicado � Bahia, Maximiliano descreveu o momento de sua chegada: "Este foi um daqueles momentos felizes em que um novo mundo, no sentido mais completo da palavra, abre-se diante de algu�m; quando uma pessoa gostaria de ter cem olhos para abstrair as maravilhas desconhecidas que est�o continuamente surgindo por todos os lados, quando em meio ao deleite surge um sentimento de tristeza porque n�o se pode absorver tudo, n�o se pode preservar tudo na lembran�a".

No M�xico, as mudan�as pol�ticas que atrairiam Maximiliano vieram em 1863, quando as tropas francesas ocuparam a capital. Ju�rez e seu gabinete fugiram para o norte do pa�s para tentar estabelecer uma estrat�gia para retomar o poder.

Com a derrota da rep�blica, os conservadores mexicanos viram uma oportunidade de reinstaurar a monarquia com um aristocrata europeu que lhes permitisse recuperar o poder e eliminar as leis reformistas liberais.

Napole�o 3º, que queria estreitar os la�os com a �ustria, acreditava que Maximiliano de Habsburgo fosse o candidato ideal para ocupar o trono do M�xico.

Os conservadores mexicanos apoiaram a proposta de Napole�o 3º, e uma comiss�o viajou a Trieste (It�lia) para oferecer a coroa do M�xico ao arquiduque.

"Os monarquistas mexicanos consideraram Maximiliano a pessoa ideal para proteger seus interesses: era um pr�ncipe cat�lico jovem, casado com uma filha do rei Leopoldo, da B�lgica, na��o tamb�m cat�lica e de grande influ�ncia na pol�tica internacional", explica a antrop�loga Glora Delgado de Cant� em seu livro Hist�ria do M�xico, Legado Hist�rico e Passado Recente.

"Eles confiavam que os arquiduques restituiriam ao clero mexicano os privil�gios que o liberalismo juarista lhes havia tirado", acrescenta ela.

Assim, em 28 de maio de 1864, desembarcaram no porto de Veracruz Maximiliano e sua mulher, Carlota, dando in�cio ao Segundo Imp�rio do M�xico.

Maximiliano ficou dependente do apoio da Fran�a, que abra�ou o projeto de mudan�a de regime no M�xico como uma aventura colonial, explica H�ctor Zagal. "Esse segundo imp�rio estava apoiado nas tropas francesas, que ocupavam uma importante parte do M�xico. Oferecer a coroa a Maximiliano de Habsburgo na verdade sugere que ele ser� um fantoche de Napole�o 3º."

Um liberal 'traidor'

O imperador tinha planos ambiciosos n�o apenas para o M�xico, mas para a regi�o. Ele sonhava com uma alian�a com seu primo, o imperador Dom Pedro 2º, que faria de M�xico e Brasil pot�ncias regionais, hegem�nicas na Am�rica Latina.

Como imperador, ele se manteve pr�ximo de Dom Pedro, com os dois pa�ses alinhando-se em temas de pol�tica externa — o M�xico de Maximiliano apoiou o Brasil de Pedro quando o imp�rio brasileiro rompeu rela��es com o Reino Unido, em 1863.

Em pouco tempo, por�m, Maximiliano come�ou a se desiludir e a perder o apoio dos conservadores que o haviam colocado no poder.

O imperador decidiu que n�o devolveria � Igreja os bens que haviam sido desapropriados pelas Leis da Reforma. Tamb�m defendeu v�rias das ideias pol�ticas propostas pelos liberais durante o governo de Ju�rez: reformas agr�rias, liberdade de religi�o e a extens�o do direito ao voto.


Maximiliano de Habsburgo de pé
No trono mexicano, Maximiliano decepcionou os conservadores, que o consideraram muito liberal e o chamaram de traidor (foto: Getty Images)

Maximiliano ainda restringiu as horas de trabalho e aboliu o trabalho infantil, al�m de demonstrar interesse pelas condi��es de vida dos ind�genas nas fazendas dos grandes propriet�rios de terras.

O imperador logo passou a ser rejeitado por todos: os conservadores e o clero, que o viam como um traidor, e os liberais, que sempre o consideraram um invasor. Tampouco conseguiu obter o apoio do resto dos seus s�ditos mexicanos.

"Maximiliano era um homem de pouco car�ter. Gastava muito dinheiro em obras, sem d�vida lindas, como a remodela��o do Castelo de Chapultepec ou a Avenida dos Imperadores (hoje Avenida Reforma), mas n�o se dava conta de que financeiramente o imp�rio n�o era vi�vel", explica o professor da Universidade Panamericana.

"Ele tentou virar mexicano: vestia-se de charro [traje tradicional local], aprendeu espanhol, tentou obter a simpatia das comunidades ind�genas e �s vezes conseguiu."

"Mas, no final, e isso Carlota lembra em uma carta, ele era um pr�ncipe estrangeiro cuja for�a estava fundamentalmente nas tropas francesas", acrescenta Zagal.

'Am�rica para os americanos'

Em 1865, com o fim da guerra civil nos EUA, o presidente Andrew Johnson, invocando a Doutrina Monroe, op�s-se � presen�a da Fran�a no M�xico e exerceu uma press�o maior para que Napole�o 3º retirasse suas tropas do pa�s.

A Fran�a, ocupada em uma guerra contra a Pr�ssia, retirou seu ex�rcito de terras mexicanas. Enquanto as tropas francesas se retiravam, Ju�rez e seus soldados liberais avan�aram rumo � capital e, em 1866, recuperaram o controle do pa�s.

Carlota viajou � Europa em busca do apoio de Napole�o 3º e do papa Pio 11, mas ambos se negam firmemente a ajudar o casal real mexicano. Maximiliano, j� sem apoio dos franceses, tenta abdicar do trono, mas sua fam�lia o convence do contr�rio.

"Um Habsburgo nunca abdica, sob circunst�ncia alguma", lhe disse sua m�e, Sofia da Baviera, em uma carta. "O imp�rio acabou caindo como um castelo de cartas, que deixou talvez uma vis�o rom�ntica, por tr�s da qual existe muito sangue", afirma Zagal.


Castelo de Chapultepec
Maximiliano reformou o castelo Chapultepec para que se tornasse sua resid�ncia oficial (foto: Getty Images)

Tr�s anos depois de haver empreendido sua aventura mexicana, Maximiliano foi detido e fuzilado, em maio de 1867, selando o triunfo da rep�blica liberal no M�xico.

Segundo historiadores, esse tr�gico final levou a uma idealiza��o das figuras de Maximiliano e Carlota, que seguem causando certo fasc�nio mais de 150 anos depois.

Um legado para o M�xico

Mas o que esse epis�dio deixou para a hist�ria do M�xico?

"O M�xico teve uma s�rie de invas�es, como a dos Estados Unidos (1846 a 1848), que foi t�o grave que alguns pensaram que poderiam perder o pa�s", explica Zagal, da Universidade Panamericana.

"Depois do segundo imp�rio, a experi�ncia da Rep�blica � restaurada, e surge a confian�a de que o M�xico ser� independente e n�o ser� uma col�nia ou um protetorado de outro pa�s."

"Porque o M�xico poderia ter se convertido em um protetorado, como pa�ses como a �ndia, que no s�culo 19 terminaram sendo col�nias ou protetorados", acrescenta o autor de Imp�rio.

A professora e historiadora Erika Pani concorda. "Acredito que o contundente triunfo republicano, contra o imp�rio e uma pot�ncia europeia, consolida sem d�vida o sentido de na��o e vincula a rep�blica e a Constitui��o com a p�tria."

"Al�m disso, ao se desfazer desses personagens — que s�o muito vistosos —, [o recado � que] isto � o que acontece aos que v�m conquistar o M�xico: o M�xico os elimina. Europa, pot�ncias europeias: n�o creiam que o M�xico seja um campo de coloniza��o", afirma Pani.

O que muitos seguem se perguntando, mesmo 154 anos depois, � por que esses ilustrados pr�ncipes europeus aceitavam vir a um pa�s t�o dividido e mergulhado em conflitos?

Alguns historiadores creem que foram as ambi��es de Carlota que empurraram Maximiliano a aceitar a coroa do M�xico. Mas os historiadores consultados pela BBC News Mundo acreditam que a raz�o foi tanto a ingenuidade como o desconhecimento da situa��o do M�xico.

"Conservamos cartas que mostram que Maximiliano pensou que vir ao M�xico seria como ir a Miramare [seu castelo em Trieste], colecionando insetos e mob�lia, navegando, construindo terra�os", afirma Zagal.

"Ele chega ao M�xico com esse sonho de construir um castelo no estilo europeu sobre um antigo castelo mexicano, quando o pa�s est� em guerra, ardendo e empobrecido. Creio que bastava conhecer um pouco mais a hist�ria do pa�s."

Maximiliano e Carlota haviam sido vice-reis da Lombardia e de Veneto, regi�es da It�lia. Entretanto, foram retirados dos cargos depois que a rela��o entre Maximiliano e seu irm�o, o imperador Francisco Jos�, se deteriorou. O imperador considerava Maximiliano muito liberal, demasiadamente influenciado pelas ideias renovadoras da �poca.

O casal voltou ao castelo de Miramare — e o Imp�rio �ustrio-H�ngaro perdeu o controle sobre suas posses na It�lia. "Acredito que estivessem muito entediados em Miramare e apostaram na aventura [mexicana]", diz Pani, do Centro de Estudos Hist�ricos do Col�gio do M�xico.

"Mas tamb�m tem sua juventude. Maximiliano era um pr�ncipe, o segundo filho, que chegou ao M�xico aos 27 anos. Essa juventude poderia explicar por que foi t�o pouco eficiente", afirma ela.

"Talvez seja tamb�m o fato de n�o conhecer a realidade mexicana, que realmente era uma situa��o extremamente complexa. Isso talvez contribua para dizer que sim, porque ele n�o sabia que estava se metendo numa 'camisa de 11 varas' [uma enrascada] da qual era praticamente imposs�vel sair."

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