
"Assim como a Igreja Cat�lica � extremamente plural com infinitas igrejas dentro de uma grande igreja, tamb�m temos (evang�licos) conservadores, tradicionais, progressistas… Tem de tudo."
Bencke afirma que o segmento se tornou amplamente conhecido com o advento das chamadas igrejas neopentecostais, mas os protestantes j� est�o presentes h� muito tempo no Brasil. Ela cita dificuldades para a denomina��o ser reconhecida no per�odo do imp�rio e a repress�o ocorrida no governo Get�lio Vargas. "Isso fez com que tiv�ssemos uma presen�a muito discreta na sociedade brasileira, embora n�o menos relevante", explica.
A l�der religiosa observa que os mais conservadores chamam mais aten��o, mas recorda que, ao longo da carreira, trabalhou em comunidades temas como direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. "E isso nunca foi problema", ressalta. "Tem abertura para debate."
Para ela, dentro das igrejas a polariza��o ideol�gica e pol�tica do pa�s est� presente "muito fortemente". E isso tem afetado principalmente as igrejas menores. "Tudo � ideologizado. Por exemplo: tu vais falar do Evangelho e que Jesus caminhava com as pessoas pobres e perdoava a mulher pega em adult�rio, coisa e tal, a� j� vira um '�, o que est� defendendo'. � um neg�cio dif�cil hoje voc� conseguir fazer um trabalho comunit�rio", afirma.
Ao longo da carreira, a ga�cha atuou em defesa de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres desde os tempos em que liderava uma comunidade em S�o Sep� (RS), atuou no aux�lio a migrantes e trouxe para a pauta de suas comunidades temas ligados � cidadania, �s rela��es de g�nero e � modernidade desde que foi ordenada sacerdote da Igreja Evang�lica de Confiss�o Luterana no Brasil, em 1999.
Em 2012, Bencke se tornou a primeira mulher a assumir a secretaria geral do Conselho Nacional de Igrejas Crist�s do Brasil (Conic). Tornou-se, ent�o, uma voz p�blica nos debates brasileiros.
"A sociedade brasileira no dia a dia tem uma tend�ncia mais conservadora. Ou da dupla moral, que � pior do que o conservadorismo. O conservador diz o que pensa. Eu posso n�o concordar, mas � o que ele pensa. O problema � a dupla moral: o sujeito que defende a fam�lia e tem duas fam�lias desconhecidas", argumenta.
A pastora luterana afirma que a polariza��o no Brasil est� gerando "uma teologia bem vazia" que n�o abarca as contradi��es humanas da realidade. "A gente ter diverg�ncias, posi��es diferentes, vis�es de mundo diferentes � ok. Mas tem ido al�m do pensar diferente."
"A polariza��o gera viol�ncia, divide comunidades, divide fam�lias: essa � a realidade que estamos vivendo hoje. As pessoas que t�m papel de lideran�a preferem n�o tocar nesses temas. S� que as pessoas se alimentam por redes sociais, entram no YouTube do influencer n�o sei das quantas, circulam nesses grupos do Telegram, do WhatsApp. E isso se reflete no conv�vio das igrejas."
Bencke conta que muitos pastores preferem n�o tocar em temas considerados delicados para evitar cis�es em suas comunidades.
Ideologias
A pastora relata que mission�rios conservadores t�m recorrido a ferramentas did�ticas para incutir conceitos como "ideologia de g�nero" e "amea�a comunista" na sociedade.
"Dizem: 'toma cuidado, querem que seu filho vire menina'. Claro, uma m�e que n�o est� muito instru�da e n�o est� a par desses debates n�o vai querer isso. E eles (os mission�rios) manipulam muito e nisso t�m muita for�a. Fazem cartilha, desenho animado, tudo para explicar. Usam metodologia da educa��o popular. Usam a linguagem popular e v�o inflando o temor nas pessoas. Eu n�o responsabilizo a trabalhadora dom�stica que pensa 'meu Deus, querem que a menina vire menino'", conta.
Bencke afirma que responsabiliza, sim, "quem, de maneira muito consciente, muito ideol�gica, promove esse tipo de inseguran�a e de medo na sociedade".
"A sociedade teve mudan�as e esses temas est�o no dia a dia. As pessoas t�m de falar sobre eles. Temos de conversar sobre esses assuntos, mas esses grupos (conservadores) impedem aquilo que � o mais importante numa sociedade democr�tica: a gente poder falar, debater livremente sobre todos os temas. E eles impedem com muito autoritarismo e repress�o que essa discuss�o aconte�a", diz.
"A Frente Parlamentar Evang�lica, quando o [presidente Jair] Bolsonaro ganhou, lan�ou um documento que era como se fosse uma proposta de governo. E o foco era a educa��o e a cultura. Que � bem o que a gente est� vendo: eles est�o fazendo todo o desmonte da educa��o e da cultura. S�o as pautas priorit�rias deles e isso � pensado", comenta. "N�o � ing�nuo."

Pol�tica e f�
Bencke argumenta que os evang�licos que est�o no alto escal�o da pol�tica s�o os conservadores das igrejas protestantes tradicionais, e n�o os representantes das igrejas neopentecostais.
"O ministro da Educa��o (Milton Ribeiro) � da IPB (Igreja Presbiteriana do Brasil). Andr� Mendon�a (novo ministro do Supremo Tribunal Federal) tamb�m. Quer dizer: s�o do presbiterianismo hist�rico os que est�o l�", diz. "A gente tende a responsabilizar Edir Macedo, Silas Malafaia — e n�o estou aqui defendendo esses l�deres, s�o pessoas muito controversas."
Bencke define a IPB como uma igreja "bem conservadora mas muito intelectualizada". "Pode ser uma intelectualidade que a gente discorda, mas � intelectualizada. E classe m�dia alta. Esse � o estilo da IPB. J� as igrejas pentecostais, elas servem mais como curral eleitoral, espa�o para fazer propaganda pol�tica. Mas quem pensa e ocupa (o poder) � uma determinada elite de protestantes. Uma parcela masculina, branca, com dinheiro. � essa que pensa", afirma.
Em sua vis�o, o presidente Bolsonaro joga com as religi�es, pois n�o se define entre cat�licos e evang�licos, � "um h�brido".
"Eu acho que o Bolsonaro � um baita de um esperto. Vem de uma tradi��o cat�lica, daqueles cat�licos como tem muitos no Brasil que se dizem cat�licos mas n�o s�o frequentadores. Ent�o se batizou nas �guas do Rio Jord�o (em cerim�nia conduzida pelo pol�tico e pastor Everaldo, da Assembleia de Deus, em 2016, durante viagem a Israel) um pouquinho antes de se tornar candidato, como se tivesse recebido uma un��o para isso", recorda a pastora.
"Mas olha s�: quando um novo fiel pentecostal quer ser batizado, tem de renunciar ao seu batismo anterior para poder aceitar o novo, porque isso simboliza a convers�o. Bolsonaro n�o fez isso. Ele manteve um p� no catolicismo e um p� no pentecostalismo. Com isso ele consegue jogar com as duas maiores vertentes do cristianismo no Brasil. Ele representa bem esse h�brido religioso do Brasil, um pouco disso, um pouco daquilo", reflete a pastora.
"E joga tamb�m com os grupos ultraconservadores da Igreja Cat�lica Romana, tem ades�o desses grupos. Isso garante a ele a popularidade, garante para ele um certo aspecto de que ele � popular. Quando vai aos cultos, diz que � evang�lico, n�o � cat�lico. Quando vai � Igreja Cat�lica, diz que � cat�lico, e n�o evang�lico."

Ministro "terrivelmente evang�lico"
Ainda sobre o avan�o de grupos crist�os nas esferas de poder sob o governo Bolsonaro, ela diz que a escolha de Andr� Mendon�a como o "ministro terrivelmente evang�lico" vai contra a exig�ncia de compet�ncias t�cnicas e pr�-requisitos constitucionais.
"Como seria se o presidente fosse candomblecista e dissesse que 'quero um ministro terrivelmente candomblecista'? Ou 'uma ministra terrivelmente feminista?' N�o. A pessoa tem de estar preparada para exercer o cargo", comenta.
"Isso � muito complicado aqui no Brasil. A gente fala sobre laicidade do Estado, mas isso � um monstro que ningu�m sabe o que � que significa", comenta.
Mulheres � frente das igrejas
Como a primeira mulher � frente do Conselho Nacional de Igrejas Crist�s do Brasil, Bencke afirma n�o sentir discrimina��o no dia a dia. Mas ressalta que "h� contextos que precisam ser considerados".
Ela relata que assumiu o cargo em um cen�rio de crise institucional da entidade e acha que isso facilitou sua entrada. "Eu vejo que, no que diz respeito �s igrejas, esses ambientes de crise s�o quando elas se abrem para a mulher. Quando est� tudo bem, geralmente s�o os homens que ocupam os espa�os", analisa.
N�o porque esperam que s� uma mulher pode resolver. "Mas se n�o resolver, � muito f�cil dizer que 'a fulana afundou o projeto'. Que � de todos, n�? H� uma vis�o bem patriarcal, bem machista sobre o papel das mulheres. Mas, no conv�vio do dia a dia, nunca me senti desrespeitada."
Na Campanha da Fraternidade lan�ada no in�cio deste ano, a pastora se viu alvo de manifesta��es de �dio de grupos conservadores. Projeto anual da Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), organismo cat�lico, a campanha tem car�ter ecum�nico e teve Bencke como uma das articuladoras.
O texto-base da campanha trouxe a necessidade de defesa de minorias — pessoas LGBT, popula��es ind�genas, viol�ncia contra mulheres, persegui��o a defensores dos direitos humanos.
"Teve umas lives que foram feitas pelo Centro Dom Bosco (organiza��o cat�lica conhecida por posturas ultraconservadoras). Eles colocavam minha imagem e chamavam (os seguidores) para uma guerra, uma cruzada, a ideia de banir o inimigo — o inimigo era personalizado simbolicamente pela minha pessoa. Isso foi muito forte, muito impactante", recorda ela.
Meses depois, ela avalia o epis�dio como "um processo de aprendizagem", embora enfatize que as agress�es — suscitadas pela exposi��o nas redes sociais — foram "bem violentas".
Procurado pela reportagem, o Centro Dom Bosco enviou uma nota assinada por Alvaro Mendes, vice-presidente da entidade e autor dos v�deos sobre a pastora. Segundo ele, "o Conic � uma organiza��o revolucion�ria min�scula de extrema-esquerda e n�o representa nem os cat�licos nem os evang�licos".
"O texto-base foi elaborado com o intuito de difundir as ideologias da Teologia Ecofeminista da Liberta��o dentro das par�quias e ofendeu os cat�licos de todo o pa�s. N�s s� queremos que a Igreja seja respeitada e que a quaresma seja vivida de uma forma santa e n�o politizada", afirmou Mendes.
"Somos contra qualquer tipo de agress�o. Ao mesmo tempo acreditamos que o argumento de 'agress�es virtuais' soa como um vitimismo que deve ser desconsiderado. Trata-se de um recurso utilizado para tentar desqualificar qualquer argumento contr�rio. O foco do debate deve ser mantido dentro do campo argumentativo e nos causa estranheza o fato de a Romi Bencke nunca ter vindo a p�blico para defender a sua vers�o do texto-base", completou.
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