
Desde 2016, o Brasil passou a exportar a couro do animal para a produ��o de um rem�dio conhecido como ejiao, bastante popular na China. N�o h� comprova��o cient�fica de que ele funcione, mas, no pa�s asi�tico, o ejiao � utilizado com a promessa de tratar diversos problemas de sa�de, como menstrua��o irregular, anemia, ins�nia e at� impot�ncia sexual. Ele � consumido de v�rias maneiras, como em ch�s e bolos.
Para fabricar o produto, os animais s�o recolhidos da caatinga e de zonas rurais do Nordeste em grande volume, sem que exista uma cadeia de produ��o que renove o rebanho, como ocorre com o gado. Ou seja, eles s�o abatidos em uma velocidade maior do que a capacidade de reprodu��o, o que acendeu um alerta de que a popula��o de jegues pode ser eliminada nos pr�ximos ano no Nordeste.
No final de dezembro, uma reportagem da BBC News Brasil mostrou que cidades do centro-sul da Bahia se tornaram dependentes economicamente do abate de jumentos. No entanto, o setor cresceu em conson�ncia com o aumento da fome e da pobreza em uma regi�o historicamente j� castigada por esses problemas, al�m de den�ncias de maus-tratos, contamina��o de animais por mormo (uma doen�a mortal), trabalho an�logo � escravid�o e abandono de jegues � morte por inani��o.
A decis�o do TRF-1 � mais um passo jur�dico de uma a��o que corre desde 2018, quando entidades de defesa do direito dos animais entraram com um processo solicitando a proibi��o. Em um primeiro momento, a Justi�a da Bahia concedeu uma liminar proibindo os abates no Estado.

Em 2019, por�m, a medida foi suspensa por Kassio Nunes Marques, hoje ministro do STF e � �poca desembargador do TRF-1. Ele voltou a liberar os abates atendendo a um pedido dos governos estadual e federal, al�m prefeitura de Amargosa, onde funciona o maior frigor�fico de abates de jegues do pa�s.
O magistrado concordou com o argumento de que a proibi��o do mercado prejudicava a economia do munic�pio e da Bahia.
Nesta quinta-feira, a maioria dos desembargadores do TRF-1 refutou esse argumento, alegando que a prefeitura de Amargosa n�o conseguiu provar os supostos preju�zos econ�micos provocados pela suspens�o inicial do setor.
"N�o se demonstrou (no argumento) a exist�ncia de uma grave les�o � economia p�blica", afirmou o desembargador Carlos Eduardo Moreira Alves, que votou pela nova suspens�o. Segundo ele, tamb�m n�o ficou ficou comprovada a exist�ncia de uma cadeia produtiva para abate no Brasil, o que coloca a esp�cie em risco. "N�o h� noticia de que haja rastreabilidade em cadeias de produ��o ou algo semelhante com que ocorre com o abate de gados", disse.

J� o desembargador Carlos Augusto Pires Brand�o, que tamb�m votou pela suspens�o, citou a import�ncia cultural do jumento para o Nordeste brasileiro.
"O que se v� nos autos � que a exporta��o � proveniente de um animal que est� muito associado �s nossa tradi��es, � nossa coloniza��o e � nossa inser��o no interior do Brasil", disse.
"H� m�sicas e poemas sobre o jumento. H� uma m�sica do Luiz Gonzaga (Apologia ao Jumento) que fala que o animal � nosso irm�o, que relata essa proximidade do jumento como um animal de estima��o. Imagina se a gente come�a a exportar carne de cachorro e de gato para outras culturas que n�o t�m essa proximidade com o animal", disse.
A decis�o foi comemorada por ativistas que h� anos lutam contra o mercado de ejiao no Brasil.
"Recebemos a decis�o com muita felicidade, com sentimento de que vale a pena lutar pelo que � o correto. O abate de jumentos � inaceit�vel do ponto de vista �tico, ambiental e cultural. N�o existe motivo para exterminar um animal que faz parte da nossa hist�ria, uma esp�cie com tantos la�os afetivos com o Brasil", diz a advogada Gislane Brand�o, coordenadora-geral da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, uma das entidades que entrou na Justi�a contra o setor.
A suspens�o do abate vale para todo territ�rio nacional, mas ainda cabe recurso. Al�m disso, h� outros processos na Justi�a e investiga��es do Minist�rio P�blico sobre esse mercado.
Mercado lucrativo
Estima-se que o mercado de ejiao movimente bilh�es de d�lares por ano. Uma pe�a de couro de jumento, por exemplo, pode ser vendida na China por at� U$ 4 mil (cerca de R$ 22,6 mil) — uma caixa de ejiao sai por R$ 750. No Brasil, os valores do com�rcio s�o bem menores — jegues s�o negociados por R$ 20 no sert�o do Nordeste, e depois repassados aos chineses, conforme mostrou a BBC News Brasil em dezembro.
A alta demanda e lucratividade fizeram com que empres�rios chineses mirassem o Brasil, pa�s com uma popula��o abundante de jegues — em 2013, havia 900 mil deles, a maior parte no Nordeste, segundo o IBGE. Hoje, de acordo com o Minist�rio da Agricultura, Pecu�ria e Abastecimento (Mapa), h� por volta de 400 mil. Entre 2010 e 2014, o Brasil abateu 1 mil jumentos — j� entre 2015 e 2019, foram 91,6 mil.
Em relat�rio recente, o Conselho Regional de Medicina Veterin�ria da Bahia (CRMV-BA) afirmou que, sem uma cadeia produtiva, o ritmo dos abates e a demanda chinesa pelo ejiao poderiam praticamente dizimar a popula��o de jumentos no Nordeste em poucos anos.
Apenas em Amargosa, s�o abatidos 4,8 mil animais por m�s — 57,6 mil por ano. H� outros dois frigor�ficos com permiss�o para a atividade nas cidade de Sim�es Filho e Itapetinga, tamb�m na Bahia.

Com 40 mil habitantes, Amargosa � o ponto final do jumento nordestino antes de ele ser abatido e exportado para virar rem�dio na China. Desde 2017, o munic�pio abriga o frigor�fico Frinordeste, local onde mais se abate jegues no pa�s. Ele � comandado pelos chineses Ran Yang e Zhen Yongwei, ambos residentes no exterior, e pelo brasileiro Alex Franco Bastos.
Em entrevista recente � BBC News Brasil, o prefeito de Amargosa, J�lio Pinheiro (PT), afirmou que o setor � o terceiro maior empregador da cidade, atr�s s� da pr�pria prefeitura e de uma f�brica de sapatos. Para ele, o recente mercado � fundamental para a economia do munic�pio, gerando cerca de 150 empregos diretos, al�m de renda e impostos.
"O frigor�fico t�m ajudado na gera��o de renda e de empregos diretos, ainda mais num momento t�o complicado da economia do pa�s, sobretudo com a pandemia. O frigor�fico tem sido a sustenta��o de centenas de fam�lias aqui na cidade", disse Pinheiro.
A BBC News Brasil tentou ouvir o frigor�fico, mas n�o obteve resposta.
Popula��o de jegues
O mercado de ejiao � acusado por autoridades e ativistas de atuar de maneira extrativista. Ou seja, ele vai at� onde os animais s�o abundantes, abate a maior parte da popula��o e deixa o local. Ele afetou inclusive a popula��o de jumentos na pr�pria China, segundo um estudo dos pesquisadores Richard Bennett e Simone Pfuderer, da Universidade de Reading, no Reino Unido.
Em 2000, o pa�s tinha por volta de 9 milh�es de cabe�as — em 2016, o n�mero caiu para 2 milh�es. Em 2000, a produ��o anual de eijiao era de 1,2 tonelada — j� em 2016, foram 5 toneladas. Estima-se que o pa�s precise de 5 milh�es de peles de jumento por ano, mas, desde 2017, o estoque interno n�o � mais capaz de suprir a demanda.
A solu��o de parte do empresariado chin�s foi buscar animais em outros pa�ses, como o Quirguist�o, que perdeu 57% de seu rebanho desde 2017, segundo estudo da ONG The Donkey Sanctuary. Pa�ses como Mali, Gana e Eti�pia recentemente proibiram o abate, embora ele ainda ocorra clandestinamente.
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