
As esp�cies de sapos da fam�lia Dendrobatidae, por exemplo, t�m sabidamente peles ricas em mol�culas que podem ser aproveitadas para o desenvolvimento de rem�dios como analg�sicos.
O avan�o do desmatamento, contudo, pode eliminar esses e outros animais e vegetais do planeta antes que os benef�cios possam ser explorados.
No caso espec�fico dos sapos da fam�lia Dendrobatidae, uma de suas esp�cies, a r� flecha (Hyloxalus chlorocraspedus), j� perdeu 68% de sua �rea de ocorr�ncia.
Ela � encontrada apenas no munic�pio de Porto Walter, no oeste do Acre, regi�o em que a floresta nativa vem perdendo espa�o.
A esp�cie � uma das 486 avaliadas por um estudo recente do WWF-Brasil e passado com exclusividade � BBC News Brasil.
Realizado pela consultoria Gondwana e financiado pela Uni�o Europeia no �mbito do projeto Eat4Change, o levantamento cruzou os mapas do desmatamento da Amaz�nia e do Cerrado at� 2019 com os mapas de ocorr�ncia de esp�cies amea�adas ou que vivem em �reas restritas para entender como a perda da vegeta��o nativa afeta essa biodiversidade.
Do total, quase todas (484 de 486) perderam parte de seu habitat. Algumas viram suas �reas de ocorr�ncia encolher em mais de 90%, como � o caso da perereca Dendropsophus rhea (93,1%), end�mica do Cerrado, e da serpente Typhlonectes cunhai (93,6%), end�mica da Amaz�nia.
Os anf�bios foram os mais afetados: a �rea de distribui��o das 107 esp�cies analisadas reduziu em 43%. Para lagartos e serpentes, o percentual foi de 29%; mam�feros, 27%; e aves, 26%.
S�mbolo do Cerrado, o lobo guar� (Chrysocyon brachyurus) j� perdeu mais da metade do territ�rio.
A cu�ca (Gracilinanus microtarsus), um marsupial com grande potencial socioecon�mico para a agricultura por ser um voraz predador de insetos, reduziu sua distribui��o no bioma em cerca de 67% — n�vel pr�ximo do observado (68%) para o pato-mergulh�o (Mergus octosetaceus), ave criticamente amea�ada que usa o bico fino para pescar e � conhecida por s� habitar �reas com rios l�mpidos e cristalinos.
Animais que vivem entre os dois biomas, como o choror�-de-goi�s (Cercomacra ferdinandi), foram especialmente afetados. Esse � um p�ssaro encontrado na bacia do rio Araguaia, com uma �rea de ocorr�ncia significativa - 107,5 mil km² no Cerrado e 49,7 mil km² na Amaz�nia -, mas que n�o foi suficiente para que ele fosse protegido.
De acordo com o estudo, a altera��o dos ciclos de inunda��o do rio Araguaia por barragens e a substitui��o da vegeta��o nativa por pasto fizeram desaparecer 74% de sua �rea de ocorr�ncia na Amaz�nia e 35% no Cerrado.

Novas fronteiras agropecu�rias
A an�lise apontou que, em ambos os biomas, a vegeta��o nativa vem dando lugar principalmente a pastagens e planta��es de soja. Dados MapBiomas at� 2019 apontaram que essas atividades ocupavam 40,9% da �rea original do Cerrado (33,8% pasto; 7,1% soja), e 14,6% da Amaz�nia (13,8% pasto; 0,8% soja).
A regi�o mais afetada � o Cerrado, que h� d�cadas vinha perdendo vegeta��o nativa com o avan�o da agropecu�ria, especialmente a �rea que compreende os Estados de S�o Paulo e Goi�s.
O desmatamento mais recente, depois dos anos 1990, se estendeu sobre a �rea conhecida como Matopiba, acr�nimo formado pelas siglas dos Estados do Maranh�o, Tocantins, Piau� e Bahia.
A expans�o da fronteira agr�cola nessa regi�o tem amea�ado, por exemplo, o tatu-bola (Tolypeutes tricinctus), escolhido como mascote da Copa de 2014. Em apenas cinco anos, a esp�cie assistiu a um aumento de 9% da cultura de soja dentro dos limites de seu habitat.

O levantamento n�o chegou a fazer distin��o entre as �reas em que o desmatamento foi ilegal ou dentro da lei. Nesse sentido, Mariana Napolitano Ferreira, gerente de ci�ncias do WWF-Brasil, ressalta que, ao contr�rio do bioma Amaz�nia, o Cerrado tem poucas �reas protegidas.
"Quase 50% da Amaz�nia s�o �reas de conserva��o ou protegidas; no Cerrado esse percentual � de 12%, bem pouco. A �rea de reserva legal [determinada por lei] para propriedades na Amaz�nia � de 80%. No Cerrado, cai para 20%, em alguns lugares, para 35%."
Assim, diz a bi�loga, h� muita �rea legal que corre o risco de ser desmatada sem necessidade. Nesse sentido, ela avalia ser necess�rio pensar em uma "pol�tica de planejamento territorial menos agressiva sobre o bioma".
Al�m de criar �reas protegidas, � poss�vel pensar em um uso mais inteligente da terra, diz ela, com a expans�o da produ��o agr�cola em �reas de pastagens j� existentes, mas que sabidamente est�o degradadas e/ou s�o pouco produtivas.
Na Amaz�nia, o desmatamento est� concentrado especialmente na parte sul, com impacto direto sobre animais como o sagui-de-Rond�nia (Mico rondoni), esp�cie apenas encontrada no Estado que lhe d� nome e que responde hoje por uma das por��es mais desmatadas do bioma.
Com uma �rea de ocorr�ncia original de 72 mil km², o mam�fero j� havia perdido 40% dela at� 2014 e, nos 5 anos at� 2019, quando houve intensifica��o do desmatamento, viu desaparecer mais 9%.
Fora da regi�o mais desmatada do bioma, esp�cies que se concentram em �reas pequenas, como o macaco parauacu (Pithecia cazuzai) e o lagartinho de Anavilhanas (Loxopholis ferreirai) viram a perda de seus habitats se multiplicarem em 10 vezes nos �ltimos 5 anos.
"A produ��o de commodities, em especial soja e carne bovina est�o entre os maiores vetores de degrada��o ambiental da atualidade, e da forma como s�o conduzidos hoje, amea�am a capacidade do planeta de inclusive produzir alimentos no futuro", diz o texto da an�lise.
Efeito cadeia
A perda de �rea causa desequil�brios que v�o al�m do impacto individual em cada esp�cie, ressalta Ferreira. No caso dos predadores, como o pr�prio lobo-guar� ou o gato-do-mato-pequeno (Leopardus guttulus), que j� perdeu quase 80% de seu habitat no Cerrado, o impacto se estende por toda a cadeia.
"Essas esp�cies est�o regulando de cima para baixo. Se voc� tira o predador, pode haver um crescimento exagerado de uma popula��o de roedores, por exemplo."
Algumas esp�cies, ela lembra, s�o importantes para a distribui��o de sementes. Sua maior vulnerabilidade, portanto, tamb�m tem impacto negativo sobre a biodiversidade da flora.
Em uma escala mais macro, a deteriora��o do Cerrado e da Amaz�nia aponta para consequ�ncias de longo prazo que transbordam os biomas e podem ter impacto sobre outras regi�es do pa�s.
"O problema vai muito al�m da perda de esp�cies. A biodiversidade � um indicador de sa�de dos ecossistemas", diz a bi�loga.
"A diminui��o da biodiversidade est� ligada � perda de cobertura vegetal, � degrada��o dos corpos h�dricos. Isso tem impacto na produ��o agropecu�ria, nos ciclos de chuva e seca, pode ter como consequ�ncia per�odos de estiagens mais longos, mais queimadas, desabastecimento. Tudo est� interligado."
O Cerrado se espalha por 11 Estados na regi�o central do pa�s e ocupa cerca de 25% do territ�rio. S�o milhares de esp�cies de plantas, algumas delas end�micas, como o baru e o pequizeiro, e centenas de esp�cies de aves, mam�feros, r�pteis e anf�bios.
O bioma � tamb�m uma das mais importantes fontes de �gua para o pa�s. � ber�o de nascentes de rios que comp�em bacias hidrogr�ficas como a Amaz�nica, do S�o Francisco, do Araguaia/Tocantins e do Paran�/Paraguai.
J� a Amaz�nia � a floresta tropical mais extensa e rica em esp�cies do mundo, ocupando mais de 40% do territ�rio nacional.
Por conta do fen�meno conhecido como "rios voadores", a regi�o tem impacto direto sobre o regime de chuvas no Centro-Sul do pa�s. Em paralelo, � considerada fator-chave na luta contra as mudan�as clim�ticas e o aquecimento global.
Isso porque a vasta cobertura vegetal da Amaz�nia retira grandes quantidades de g�s carb�nico (CO2) da atmosfera, um dos gases de efeito-estufa. E, ao contr�rio de florestas localizadas em regi�es mais afastadas da linha do Equador, que em alguns casos passam por invernos rigorosos em que as plantas perdem suas folhas, a floresta amaz�nica, por ser perene, "trabalha" durante o ano inteiro.
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