Isabella promove discuss�es sobre viol�ncia dom�stica nas redes sociais h� seis anos (foto: Redes sociais/ reprodu��o )
“'O feminicida n�o � s� o que mata, o estuprador n�o � s� o que estupra. Esses crimes tem co-autores, e eles s�o voc�s, que n�o escutam as mulheres enquanto elas est�o vivas, e falam por elas quando j� est�o mortas.” Isabella C., conhecida nas redes sociais como @afeminisa, tem 28 anos, � comunicadora, empreendedora, formadora de opini�o, promove discuss�es sobre viol�ncia dom�stica nas redes sociais h� seis anos, e � estudante de Investiga��o Forense e Per�cia Criminal.
Ela acusa um ex-namorado de estupro de vulner�vel, estupro, persegui��o, difama��o, cal�nia, viol�ncia psicol�gica, descumprimento de medida protetiva de urg�ncia e coa��o no curso do processo. Mas a hist�ria de Isabella evidencia outras viol�ncias para al�m das praticadas pelo autor: o questionamento � palavra da v�tima, a dissemina��o de boatos, a rede de apoio ao agressor, o despreparo para o atendimento � mulher por parte das institui��es e a revitimiza��o praticada pelo estado. Diante tudo isso, ela precisou mudar de cidade para tentar frear as agress�es e sobreviver.
Isabella divide com seu p�blico, desde o in�cio, a jornada de uma sobrevivente que busca por Justi�a. Mas, por conta do sigilo processual, nunca revelou a identidade ou qualquer informa��o sobre seu agressor. “� importante que as v�timas saibam que expor a identidade do agressor nas redes sociais pode configurar alguns crimes. No fim das contas, as v�timas acabam como r�s. � preciso ter frieza, formalizar a queixa e aguardar o tr�nsito do processo para poder revelar”, alerta.
O fot�grafo de surfe Mateus Prior Barbosa � autor de diversas postagens com imagens, marca��es e mensagens direcionadas � Isabella, que circularam em grupos do WhatsApp compostos por suas seguidoras. Tamb�m � autor de boatos sobre a sa�de mental de Isabella e uma suposta arma��o que ela teria realizado para prend�-lo, que foram confirmados por diversas pessoas da comunidade onde moravam.
Mateus tamb�m n�o escondeu de seus seguidores no Instagram que usava uma tornozeleira eletr�nica, na mesma �poca em que corriam os boatos sobre a v�tima ser respons�vel pelo monitoramento eletr�nico de um ex-namorado. Os inqu�ritos, processos e a��es penais correm sob segredo de Justi�a e, por isso, detalhes sobre as investiga��es e autos, n�o ser�o mencionados nesta reportagem
Ap�s Isabella determinar o fim da rela��o, motivado pelos diversos sintomas som�ticos que desenvolveu ap�s os epis�dios de estupro, passou a ser perseguida pelo ex-namorado. Ela conta que ele saiu �s escondidas com outra mulher enquanto ainda tinha a inten��o de reatar o relacionamento com ela, e foi visto por uma conhecida em comum. Segundo ela, ap�s este epis�dio, foram ao menos 14 tentativas de contato por parte dele.
Ela contou que em algumas delas ele usou como desculpa problemas de sa�de, em outras pediu para que pessoas mentissem para Isabella, chegando a dizer que ela poderia estar gr�vida - ciente de que na semana anterior ela havia realizado dois testes que resultaram negativo -, e que estava "surtada", sugerindo aos terceiros que a mentira seria o melhor para preservar sua sa�de mental.
Por temer pela sua pr�pria seguran�a e evitar ser reinserida no ciclo da viol�ncia, a v�tima solicitou uma medida protetiva de urg�ncia contra o acusado. A Lei 14.188 de 2021, conhecida como Lei Sinal Vermelho, al�m de tipificar a conduta da viol�ncia psicol�gica, reconheceu a necessidade de que medidas protetivas de urg�ncia sejam deferidas em casos como o de Isabella, para que agressores sejam impedidos de continuar manipulando as v�timas, mantendo-as no ciclo da viol�ncia.
O IN�CIO DAS VIOL�NCIAS
“Ele come�ou uma grande campanha de difama��o. Quando ele soube que eu iria pedir a medida, construiu toda uma narrativa de que eu era ‘louca’ a partir dos meus sintomas de estresse p�s-traum�tico (TEPT) provocados pela viol�ncia sexual. Minhas pr�prias amigas ficaram sabendo que eu estava vomitando com frequ�ncia e com pensamentos de morte por ele, antes de saberem por mim.”
Isabella conta que trata sintomas do TEPT devido aos traumas causados pelas viol�ncias sexuais e psicol�gicas, al�m da persegui��o. Ela convive com amn�sia, dificuldade de concentra��o e foco, crises de ansiedade, sensa��o de paralisia, enj�o, crises de p�nico, anorexia secund�ria, pensamentos de morte, idea��o suicida, n�useas, amenorr�ia e v�mitos.
O TEPT foi comprovado por meio de dois laudos, um psicol�gico e outro psiqui�trico, e ambos foram apresentados �s autoridades. S�o justamente estes os sintomas apontados pelo ex-namorado como supostos ind�cios de "loucura", usados para descredibilizar a den�ncia.
Segundo ele, Isabella “surtou” e tra�ou um plano de vingan�a motivado por “ci�mes”. Al�m dos laudos que comprovam o trauma, Isabella tamb�m precisou apresentar em laudo psiqui�trico a confirma��o de que ela n�o possui nenhum tipo de transtorno mental ou qualquer indicativo de que seria capaz de inventar fatos para prejudicar o ex-companheiro.
"Eu tive que provar por meio de parecer t�cnico que n�o sou 'louca', mas esse tipo de informa��o n�o chega em quem est� adorando opinar sobre meu caso", relata. O relat�rio psicol�gico confirma que ela j� havia falado sobre o primeiro estupro em sess�o, n� �poca do fato, meses antes de existir qualquer conflito que pudesse gerar alguma crise por "ci�mes".
O sentimento de medo do agressor por parte da v�tima, o receio de ela ser desacreditada e questionada pelas autoridades e a vergonha e a culpa de admitir que foi violentada atravessam muitas das v�timas no momento de pedir ajuda. Ao chegar a uma delegacia para registrar o boletim de ocorr�ncia, geralmente a mulher precisa aguardar horas para ser atendida e narrar um fato que a deixa muito desconfort�vel. E tem ainda o exame de corpo de delito que ela tem que se submeter no Instituto M�dico-Legal (IML).
Mesmo assim, a sociedade busca “justificativas” para culpar a v�tima e desresponsabilizar o agressor, seja por conta de comportamentos, car�ter ou roupas. Quando Isabella foi at� a Delegacia de Prote��o a Crian�a, Adolescente, Mulher e Idoso registrar o Boletim de Ocorr�ncia do Estupro de Vulner�vel, o policial a questionou sobre quais seriam os seus argumentos de defesa - mesmo ela sendo a v�tima - se o autor era, na �poca dos fatos, seu namorado. “Eu tive que passar uma hora explicando para ele o que � um estupro. Uma mulher que chegue ali sem o mesmo respaldo te�rico, social e pol�tico feminista que eu, sai sem o registro".
A PALAVRA DA V�TIMA EM XEQUE
Fora da delegacia, as especula��es rondavam."Tenho observado que � muito mais confort�vel para o p�blico – que � como chamo quem assiste a experi�ncia mais traum�tica da minha vida como se fosse um espet�culo – acreditar na possibilidade de eu ter realmente tra�ado um plano de vingan�a contra um homem que tem menos dinheiro e menos poder pol�tico do que eu, com quem eu tentava terminar o relacionamento h� meses, do que aceitar que todo homem � um potencial estuprador. Se um cara bonito, carism�tico, de classe m�dia, que tem amigos, tem fam�lia e � um excelente profissional, pode ter feito todas essas coisas, ent�o que homem n�o poderia?", questiona.
"Isso abre uma ferida que demandaria um compromisso com a luta das mulheres que nossa sociedade tem pregui�a de assumir. O argumento de quem o defende para acreditar em sua palavra � o de que ele � um cara legal e simp�tico. Eu sei melhor do que ningu�m o quanto ele � carism�tico e carinhoso, ele era meu namorado, pra mim era o cara mais legal do mundo. Isso n�o quer dizer que ele n�o seja um estuprador. Mas e a minha palavra? A palavra de uma mulher que carrega h� anos uma luta comprometida pela vida das mulheres, vale o qu�?" aponta Isabella.
Cinco dias ap�s a medida ser concedida � Isabella, Mateus foi preso em flagrante pelo descumprimento. Na ocasi�o, ela estava em uma praia com uma amiga que postou nas redes sociais a localiza��o onde estavam. Cerca de uma hora ap�s visualizar a postagem, ele chegou ao local.
"Eu pedi para um gar�om o avisar que se ele n�o fosse embora eu iria chamar a pol�cia. Ele n�o apenas desrespeitou meu pedido, como se aproximou ainda mais de mim. Liguei para o 190 da areia da praia. A caminho da delegacia, ele postou v�deos filmados de dentro da viatura e exp�s a minha identidade, como se o fato de tudo isso ter acontecido em local p�blico n�o fosse exposi��o o suficiente. Descobri que ele tinha divulgado o momento por uma amiga e um seguidor que viram, porque ele apagou o post antes de colocarem ele na cela, quando ainda est�vamos na delegacia".
Isabella relata que os funcion�rios do restaurante, onde estavam no momento em que tudo aconteceu, n�o apenas se omitiram, como tamb�m ofereceram apoio ao agressor. N�o suficiente, ela foi mandada embora tr�s vezes, e contou que foi insultada pelo funcion�rio que a atendia. Ainda, ao pagar a conta no caixa, a v�tima foi mais uma vez hostilizada por um funcion�rio, que recusou-se a atend�-la, acusando-a de ter feito uma denuncia falsa. “O feminic�dio nunca acontece sem que existam co-autores indiretos. Eu podia ter sido agredida, podia ter morrido nesse dia. Qualquer coisa poderia ter acontecido’’, afirma Isabella.
No dia seguinte, foi concedida liberdade provis�ria ao preso, mediante o monitoramento por meio de tornozeleira eletr�nica. O delito de Descumprimento de Medida Protetiva de Urg�ncia - que � incluso pelo artigo 24%u200B%u200B-A da Lei Maria da Penha - prev� pena de deten��o de 3 meses a 2 anos. Isabella ainda aguarda a Audi�ncia de Instru��o, que est� marcada para junho.
A jovem relata que ap�s a soltura o autor passou a realizar diversas postagens nas redes sociais dizendo que ele foi injusti�ado e que Isabella era uma pessoa "desequilibrada".
Post feito pelo Mateus (foto: Redes sociais/ reprodu��o )
“Ele passou a agir como se a liberdade provis�ria fosse uma prova de que ele � inocente, quando � exatamente o contr�rio. As pessoas ao meu redor disseram que eu ‘peguei pesado’ por ter chamado a pol�cia, e ficaram do lado dele. Ningu�m me perguntou como eu me senti diante de toda essa situa��o, como me senti sendo perseguida, monitorada e desrespeitada dessa forma, depois de ter sido estuprada e enganada por aquele que eu considerava ser o meu melhor amigo, um cara pra quem eu sempre fiz o bem. Doeu muito, deu medo, mas ningu�m se importou o suficiente para perguntar. Naquele dia eu tive certeza de que nunca mais teria paz, e n�o tive mesmo. At� hoje, das pessoas que faziam parte do nosso c�rculo de conv�vio, ningu�m me perguntou como foi pra mim viver isso. S� conseguiram me julgar e ficar com pena dele”.
A Medida Protetiva existe para prestar assist�ncia e prevenir viol�ncias contra a mulher, em car�ter preventivo e assistencial. S�o v�rios os tipos de medidas que podem ser solicitadas, entre elas: o limite m�nimo de dist�ncia entre a v�tima e o agressor. A medida � concedida ap�s a an�lise de um juiz sobre a situa��o e a conclus�o deste pela necessidade da interven��o, para conter as a��es do agressor. De acordo com a pr�pria lei, as medidas protetivas t�m como finalidade preservar a integridade e sa�de f�sica, mental e psicol�gica da v�tima.
O advogado da defesa prop�s � advogada que acompanhou o in�cio do caso de Isabella que a situa��o fosse ‘resolvida de outra forma’, "ele prop�s que eu retirasse as queixas em troca de uma 'prova social' do respeito do agressor por mim - seja l� o que isso significa - e, depois que eu neguei, tudo o que ele fez foi me perseguir mais ainda. Se ele � inocente, quiseram me convencer dessa forma a retirar as queixas por qu�? ", questiona.
O APOIO DAS MULHERES AO HOMEM
Isabella conta que no momento da pris�o do ex-companheiro, um grupo de mulheres chegou no local e se juntou a ele. "Elas deram risada e fizeram dancinhas. Enquanto eu estava no ch�o, por ter perdido a for�a nas pernas, elas passaram me encarando, como se a criminosa fosse eu", relata.
No dia seguinte � soltura dele, o encontrou novamente em um restaurante. Ela foi surpreendida ao perceber que na mesa, sentada com ele, estava uma mulher que fazia parte de seu grupo de amigas. Na semana seguinte, o encontrou novamente em outro restaurante, dessa vez na companhia de outra amiga �ntima de Isabella, que frequentava sua casa - essa �ltima veio a se tornar testemunha na defesa do r�u.
Durante o curso do processo, Isabella relata que teve mensagens �ntimas, onde relatava seu medo e desespero, vazadas por uma integrante de um grupo do WhatsApp, formado por mulheres autodeclaradas feministas. A mulher respons�vel era amiga da mulher que mantinha um relacionamento com Mateus, poucos dias ap�s o t�rmino de seu relacionamento com a v�tima.
"Enquanto eu estava isolada em outro estado, num endere�o que nem minhas advogadas conheciam, enviando peti��es que somam mais de cem p�ginas relatando tudo o que ele estava fazendo na �poca, uma amiga da ficante dele assistia a minha desgra�a e ainda postou uma foto com ele nas redes sociais, sorrindo, em uma festa. Ela compartilhou capturas de tela, de mensagens onde pedi socorro, pelo medo de ele divulgar fotos �ntimas, com essa amiga que se relacionava com ele - enquanto ainda usava a tornozeleira - e ela obviamente compartilhou com ele. Isso fez ele perseguir mais uma amiga minha, e me violentar de novo. Eu j� havia comentado no grupo que sabia que algu�m estava vazando informa��es sobre mim para ele, mas s� quando uma outra integrante me enviou a foto deles juntos eu entendi que essa pessoa estava ali dentro", relata.
O caso tomou novas propor��es. “Ele tornou o circo p�blico. Saiu desfilando com a tornozeleira em tudo que era canto e contando pra todo mundo a hist�ria dele de que armei a pris�o’’, lembrou.
Como influenciadora nas redes sociais, ela possui uma imagem p�blica e, portanto, cria-se um espa�o f�rtil para especula��es a partir da narrativa criada pelo ex-namorado.
“� muito f�cil difamar uma mulher e coloc�-la no centro de um caso de viol�ncia dom�stica e sexual, quando este deveria ser o pr�prio agressor. Se essa mulher tem uma vida p�blica, e voc� uma vida que n�o interessa a ningu�m, nem precisa se esfor�ar. As pessoas ficam curiosas, querem competir para ver quem tem a informa��o mais verdadeira, ficam brincando de detetives. Fiquei um bom tempo sem sair de casa e, nas poucas vezes em que fui at� algum bar com amigas, todo mundo na cal�ada virava pra mim quando eu chegava e come�avam a comentar com outras pessoas nas rodas, na minha frente, na minha cara, parecia cena de filme de high school. Essas pessoas fofocam, mas n�o vem at� mim perguntar nada”.
O fator sintom�tico do relato, que revela o poder da automisoginia das mulheres no processo de retraumatiza��o de uma v�tima, � que as autoras dos atos mais invasivos, difamat�rios e violentos foram justamente as mulheres.
“Algumas vezes se aproximaram pedindo satisfa��es, cheguei a ser puxada pelo bra�o por uma vizinha dele. Outras vezes fui literalmente seguida dentro de bares e festas por amigas dele, que faziam quest�o de se sentarem ao meu lado, me empurrarem ou se aproximarem de quem quer que estivesse conversando comigo. Parei de postar fotos com as minhas amigas, para que elas n�o fossem perseguidas tamb�m. E se elas postavam fotos comigo, recebiam mensagens de outras amigas delas, dizendo que eu era a mulher que armou para prender o ex-namorado", contou.
Ela conta que at� mesmo mulheres que se diziam feministas viraram as costas para ela. E quem ficou do lado dela foi questionado. ‘’Uma amiga minha me disse: ‘Eu n�o aguento mais os olhares e o julgamento das pessoas por eu ter ficado do seu lado. Eu sei que � o lado certo, mas eu n�o aguento mais’ e, assim, ela cortou rela��es comigo. Essa amiga era a minha principal testemunha’’, acrescentou.
Assim, a viol�ncia contra a v�tima passou a ter outras autoras, al�m do pr�prio acusado. “Uma ex-namorada dele come�ou a me difamar dizendo que eu sou ‘louca’ e quero ‘palco’, constrangeu uma testemunha exigindo que ela deixasse de acreditar em mim. Tive que denunci�-la por coa��o no curso do processo”.
A situa��o ficou ainda mais grave quando, segundo a jovem, outra familiar do ex-companheiro fez postagens nas redes sociais a insultando com palavr�es mis�ginos e sugerindo que seus seguidores a agredissem. ‘’Eu precisei ficar um m�s fora da cidade por conta de toda a situa��o. Quando eu voltei para onde eu morava, ela publicou ‘a dem�nia vagabund* est� de volta, quem ver ela na rua, chuta que � macumba’’. A Lei Maria da Penha expressa que uma mulher pode ser autora de viol�ncia dom�stica, desde que possua ou tenha possu�do rela��o �ntima de afeto com a v�tima.
Isabella conta que Mateus teve autorizada a remo��o antecipada da cautelar - monitoramento por tornozeleira eletr�nica - para viajar � uma ilha no continente asi�tico � trabalho. "O suposto "bom comportamento" que viram nele significa que ele, durante o per�odo pelo qual foi monitorado, n�o adentrou o per�metro determinado pelo ju�z ao redor da minha casa. Isso n�o quer dizer que ele tenha se comportado bem! Ele n�o deixou de me violentar pela internet ou por meio de terceiros em nenhum momento. Quem ficou em pris�o domiciliar fui eu", relata Isabella.
Assim que a tornozeleira foi removida, quando Mateus j� havia embarcado para fora do Brasil, com a medida protetiva em vig�ncia, mesmo tendo sido advertido anteriormente sobre uma medida protetiva que o pro�be, especificamente, de utilizar imagens de Isabella, ele colocou em seu perfil em rede social foto em que aparecia metade do rosto da jovem. “N�o foi a primeira vez, no dia do meu anivers�rio ele postou tr�s fotos com partes do meu corpo. Eu tenho 20 tatuagens", relata Isabella.
AS CONSEQU�NCIAS
Isabella precisou encerrar as atividades de sua empresa, desistiu das duas gradua��es que cursava, mudou de casa e ficou longe da cidade por um m�s. “Eu estava totalmente presa, j� que n�o era poss�vel mensurar o tamanho da difama��o promovida por ele e seus aliados. Evitava frequentar locais p�blicos, como ir a certas praias, ou postar qualquer sugest�o da minha localiza��o. Tinha medo de ir ao mercado e ele ou a m�e dele me atropelarem na rua. Tinha medo de tudo, nem na festa de anivers�rio de uma das minhas melhores amigas eu fui’’, relatou.
Isabella conta que desenvolveu anorexia como sintoma secund�rio do Estresse P�s Traum�tico desencadeado por epis�dios de estupro
(foto: Redes sociais/ reprodu��o )
Isso tudo refletiu no corpo dela. Isabella que tem 1,74m de altura, pesava 62 quilos, mas chegou a pesar 54 quilos. Ela tenta se recuperar da anorexia como sintoma secund�rio do trauma desencadeado pelos epis�dios de estupro. “Mudei de endere�o e n�o informei no processo, para ele n�o saber. Comprei um colch�o novo, porque n�o conseguia mais dormir naquele onde fui estuprada”.
Os danos cerebrais causados pela viol�ncia tamb�m foram constatados. “At� hoje tenho falhas frequentes na mem�ria. Isso atrapalha n�o s� o meu trabalho, mas tamb�m as minhas rela��es �ntimas, porque esque�o de conversas que tive com pessoas que eu amo. Tamb�m fiquei muito tempo sem conseguir ler, porque n�o associava as palavras e frases”, conta.
Os boatos criados por Mateus chegaram at� o p�blico de Isabella, que a alertou: ”Isso prejudica meu trabalho. Mulheres que acompanhavam a minha atua��o pol�tica no combate a viol�ncia sentiram-se tra�das ao ouvirem que eu era uma fraude. Isso faz as mulheres perderem a f�”.
Segundo Isabella, as provas que constam desde o in�cio nos autos s�o mais do que suficientes para comprovar os crimes: “eu filmei do momento em que ele chegou at� ser colocado dentro da viatura, n�o tem como dizer que n�o aconteceu o descumprimento. E sobre os outros crimes, a mesma coisa. Tem �udios, mensagens, laudos. As advogadas que consultei disseram nunca terem visto um caso de viol�ncia sexual com tantas provas”. No entanto, o r�u sabe que, por conta do sigilo processual, ela n�o as pode divulgar, ent�o aproveita a brecha para colocar sua palavra em descr�dito.
As viol�ncias n�o cessaram at� que a v�tima finalmente decidisse mudar de estado. “Desde que tudo come�ou eu tenho sonhos. Tudo o que ele faz nos meus sonhos acaba acontecendo de verdade poucos dias depois. No �ltimo sonho ele vinha me matar, tr�s dias depois vi o carro dele na rua ao lado da minha casa. N�s pedimos a pris�o preventiva de novo, pedimos aumento da dist�ncia, e isso foi negado. Fiquei alguns dias na casa de amigas. Quando voltei para pegar mudas de roupa, tranquei a casa e liguei o alarme para poder tomar banho mais tranquila. N�o dormia mais sozinha em casa, todo dia alguma amiga ia dormir comigo. N�o tive outra op��o al�m de tentar reconstruir minha vida em outro lugar. Fui embora e n�o voltei nunca mais para a cidade onde morava, nem para buscar minhas coisas”, relata."
Ainda assim, ao saber que a v�tima havia se mudado, o agressor em poucos dias foi at� a cidade onde ela hoje reside, e chegou a intimidar uma das testemunhas pelas redes sociais.
N�o satisfeito, passou a enviar mensagens privadas para seguidoras de Isabella, que compartilharam assustadas as capturas de tela em grupos no Whatsapp.
Mateus adiciona seguidoras da Isabella (foto: Redes sociais/ reprodu��o )
ATAQUE NAS REDES SOCIAIS
Em uma era digital, sequer o deslocamento geogr�fico � capaz de proteger a v�tima de ataques do agressor. Mudar de estado n�o � barreira suficiente para impedir que as viol�ncias continuem sendo praticadas via internet.
“Logo nos primeiros dias depois da mudan�a, recebi a not�cia de que a mesma p�gina no Instagram que foi respons�vel por criar todas as fake news que circulam sobre Mariana Ferrer, estava postando mentiras sobre mim. Vasculharam meu Twitter tentando encontrar qualquer coisa para me descredibilizar, falaram dos meus relacionamentos passados… foi um ataque muito insistente e agressivo", disse.
Isabella contou que se atentou a um detalhe: em uma das postagens, elas mencionaram que o agressor dormiu ap�s o estupro. "Eu nunca falei sobre isso com ningu�m, o �nico lugar onde constava essa informa��o era o inqu�rito, foi quando comecei a pensar que havia algo suspeito. Quem perderia tanto tempo fazendo uma varredura na vida de uma mulher para atac�-la, cometendo os crimes de cal�nia, inj�ria e difama��o, a troco de nada?", questionou.
H� quem insista que a solu��o para a v�tima � seguir em frente e esquecer o passado, mas, para a mulher que � obrigada a conviver com o fantasma do ex-companheiro, isso n�o � uma tarefa simples. “Depois de muito tempo sentindo pavor de qualquer toque f�sico, iniciei um novo relacionamento com uma pessoa que esperei nove anos para reencontrar. Foi tudo perfeito e maravilhoso, foi reconfortante saber que, apesar de tudo, n�o perdi a capacidade de amar e me relacionar de forma saud�vel, que ainda sou capaz de ter uma vida sexual sem gatilhos. Isso durou at� eu descobrir que a fam�lia dele temia que meu agressor pudesse fazer algo contra n�s dois, por vingan�a. Eu n�o pude garantir que isso n�o aconteceria - considerando o hist�rico. Al�m disso, passei a temer que, caso acontecesse, a fam�lia do novo companheiro fizesse algo contra mim”.
COMPORTAMENTO VASCULHADO
A hist�ria de Isabella demonstra o quanto � comum que a sociedade busque encontrar no comportamento da v�tima as justificativas para a viol�ncia. “Eles vasculharam a minha vida inteira, minhas amizades, minhas fotos, tentando encontrar qualquer coisa que me responsabilizasse pelas viol�ncias das quais fui v�tima. Mesmo que a pessoa com quem me relacionei n�o concorde em nada com isso, me senti humilhada e ainda mais vulner�vel, com medo de ser abandonada e jogada na fogueira, mais uma vez, por pessoas da minha intimidade. Por isso, preferi n�o continuar o relacionamento. J� � dif�cil que mulheres sobreviventes de viol�ncia sejam consideradas dignas de serem amadas, mais dif�cil ainda � confiarmos em algu�m depois da viol�ncia. Eu estava feliz, vivendo a minha vida, e mais uma vez as escolhas dele mudaram meus planos. N�o tem como medir nem descrever o quanto isso me deixa triste at� hoje”.
Isabella convive com os traumas que, ao contr�rio do que muitos dizem, n�o s�o superados, e sim, vivenciados diariamente. No entanto, tamb�m divide as viol�ncias sofridas para conscientizar outras mulheres. Sabendo que sua viv�ncia n�o se trata de uma mera experi�ncia individual, a jovem quer elaborar pol�ticas p�blicas a partir do caso.
“Ele conseguiu acabar com a minha vida mesmo antes da conclus�o do inqu�rito. Agora, com a Lei Mariana Ferrer, ao menos a defesa ter� de inventar alguma outra tese, que n�o envolva a minha suposta loucura - ou ‘desequil�brio’, como eles dizem. O que me impressiona � eu n�o ter de fato enlouquecido com tudo isso. Eu n�o temo que ele n�o seja condenado, confio muito que vai ser, porque h� at� um excesso de provas. Mas vai ser tarde. A difama��o j� foi tanta - os diagn�sticos fict�cios da defesa sobre minha sa�de mental, as hist�rias distorcidas sobre o que realmente aconteceu, os boatos sobre um suposto ‘modus operandi’ meu - que, mesmo com as condena��es, ainda ir�o acreditar que sou louca e fiz den�ncias falsas. A minha pena eu j� estou cumprindo, e pouco me interessa qual vai ser a dele, desde que sirva de exemplo para outros agressores. O que eu quero saber � como essas pessoas que foram part�cipes em todos os atos de revitimiza��o ser�o responsabilizadas. Precisamos de pol�ticas p�blicas que protejam a v�tima desde a fase inicial, porque a Justi�a � muito lenta. Se voc� for esperar a condena��o, ela j� estar� morta, ainda que subjetivamente”, aponta.
Outro lado
Na �ltima sexta-feira (26/3), a reportagem entrou em contato com o advogado do acusado e n�o obteve resposta. Na segunda-feira (28/3), o Estado de Minas fez um novo contato por meio do advogado. Por meio de nota, o defensor informou que ‘’o processo tramita sob segredo de Justi�a e meu cliente n�o autorizou a defesa fazer pronunciamentos fora do processo. O que eu posso te dizer � que tais acusa��es s�o falsas, de modo que � o meu cliente quem est� sofrendo com tudo isso.”