
Rio de Janeiro, 29 de mar�o, 5h40: dezenas de passageiros se espremem com as c�meras dos celulares ligadas na esquina de uma passarela de pedestres em um dos terminais de �nibus mais movimentados da cidade. "Esse bicho � violento", grita um homem enquanto todos se movem para tr�s.
A criatura - um jacar� de 2,5 metros e cerca de 40 kg - se move para cima e para baixo tentando encontrar uma sa�da na passagem estreita. As pessoas gritam e correm enquanto o animal faz um movimento apressado em dire��o � multid�o.
Mas o r�ptil parece mais assustado do que qualquer um na cena.
Imagens do jacar�-de-papo-amarelo viralizaram no Brasil. O auxiliar de servi�os gerais Fernando Queiroz, de 24 anos, foi o primeiro a tuitar sobre o assunto: "Fui mandado de volta ao chegar na passarela do terminal de �nibus. O motivo: um jacar� maior que eu", escreveu.
"Era realmente grande", diz ele agora � BBC.
"Ainda estava escuro, eu tinha acabado de descer da van e precisava subir a rampa para chegar � plataforma. Mas assim que a gente subiu, dois rapazes pediram para voltar", ele conta.

De acordo com a Defesa Civil do Rio, o animal "provavelmente" veio de uma lagoa que fica a aproximadamente 1km do terminal Alvorada, na Barra da Tijuca, onde tudo aconteceu. Ap�s uma opera��o de resgate que durou cerca de uma hora, o jacar�-de-papo-amarelo foi colocado em uma gaiola e levado por equipes de emerg�ncia para canais da regi�o.
Nenhum pedestre e nem o animal ficaram feridos. "Em dias de chuva, assusta mais ainda andar por lugares escuros e dar de cara com um bicho desses", diz o jovem trabalhador.
A preocupa��o faz sentido. Esse n�o foi um caso isolado.
Aumento de casos
Animais silvestres avistados nas �reas urbanas do Rio ganharam manchetes em todo o pa�s nos �ltimos meses.
S� quatro dias ap�s a cena da passarela, em 2 de abril, outro jacar� de 3 metros foi filmado nadando em ruas inundadas numa favela carioca ap�s uma forte tempestade.
Um v�deo que circula nas redes sociais flagraram um jacar� durante a chuva de ontem no terreirao no Recreio pic.twitter.com/lGTnPbZtqs
— Informe RJO (@InformeRJO) April 2, 2022"At� agora, a gente estava acostumado a ver ratos", disse um homem que mora na regi�o � BBC.
Em outro v�deo viral filmado na mesma semana, uma serpente marrom foi encontrada escondida no forro do teto de um apartamento no 19º andar, tamb�m na Barra da Tijuca.
Enquanto uma equipe de resgate quebra o gesso, a cobra cai no meio da sala. As imagens foram descritas como "suco de Rio de Janeiro" em memes nas redes sociais.
Tr�s meses antes, um v�deo mostrando um homem tentando sair de seu apartamento t�rreo para uma corrida matinal e encontrando um jacar� descansando calmamente entre seus chinelos e o tapete tamb�m entrou nos trendings topics no Brasil. "Olha o tamanho desse bicho", ele sussurra para a esposa, antes de fechar e trancar a porta rapidamente.
A lista de memes e virais n�o tem fim.
Dados oficiais compartilhados pela Defesa Civil do Rio com a BBC levantam um alerta sobre esses epis�dios. O n�mero de animais silvestres resgatados em �reas urbanas do Rio saltou em mais de mil casos, de 2.419 em 2020 para 3.534 em 2021.
De 1º de janeiro a 28 de mar�o deste ano, foram 1.203 resgates s� no Rio de Janeiro - entre capivaras, cobras, jacar�s, gamb�s, macacos, lagartos, morcegos e porcos-espinho. Nesse ritmo, a cidade pode esperar chegar ao final de 2022 com mais de 4 mil resgates - ou uma m�dia de mais de 11 por dia.
Segundo especialistas, expans�o imobili�ria descontrolada, polui��o e mudan�as clim�ticas s�o algumas das raz�es por tr�s desses n�meros preocupantes.
Press�o urbana

Lar de 6,7 milh�es de pessoas e um dos principais destinos para turistas de lazer no Brasil, o Rio de Janeiro enfrenta intensa desigualdade habitacional e uma expans�o imobili�ria agressiva.
� esta a primeira raz�o para a press�o sobre a vida selvagem da cidade, diz o bi�logo Ricardo Freitas, um doutor em ecologia que estuda o comportamento dos jacar�s na cidade h� duas d�cadas.
"O caso do jacar� subindo a passarela � um triste sinal da situa��o ca�tica que a urbaniza��o apresenta para a biodiversidade carioca", diz Freitas.
"Imagine que voc� tem dois times de futebol jogando no Maracan�. Digamos que o Maracan� teve um problema, ent�o voc� transfere todos os 22 jogadores para uma quadra de futsal. Como esses times podem jogar? Vai ter briga por espa�o".
"Essa � exatamente a realidade dos jacar�s e outras esp�cies no Rio", ele continua. "A expans�o urbana est� tirando esses animais de um grande campo e colocando-os em uma pequena quadra. O n�mero de jacar�s que antes existia em uma �rea muito maior da cidade agora est� concentrado em um espa�o reduzido e o impacto do desenvolvimento cai diretamente sobre esses animais."
Como resultado, o bi�logo diz que os animais acabam se deslocando para �reas movimentadas para fugir de predadores, buscar comida ou simplesmente encontrar um lugar para descansar.
Mas o destino final de muitos desses animais pode ser sombrio, ele conta.
Um cemit�rio silencioso de jacar�s
Ecoando outros ecologistas e pesquisadores da cidade, Freitas diz que "muitos empreiteiros e desenvolvedores n�o est�o realmente preocupados com a vida selvagem".
"O servi�o fica mais barato quando o trabalho ambiental � feito aqu�m dos padr�es. S� neste ano, eu recebi v�rios relat�rios de ocorr�ncia de fauna que diziam n�o haver nenhum animal em canteiros de obras pr�ximos a �reas de lagoas no Rio. Mas a realidade era muito diferente quando cheguei l�."
"Muitas vezes, voc� entra e j� encontra uma quantidade dez vezes maior ou at� mais em rela��o � lista que aparece nos relat�rios", continua o bi�logo.

Segundo Freitas, tamb�m diretor do Instituto Jacar�, ONG que j� resgatou centenas de jacar�s e que desenvolve planos de sustentabilidade na cidade, a estrat�gia de muitas imobili�rias para repelir e dispersar animais silvestres no Rio � conhecida como afugentamento.
"Na maioria das vezes, eles acreditam que os animais v�o fugir do barulho das m�quinas e construtores. Mas, na verdade, a primeira rea��o de animais como os jacar�s � mergulhar e se esconder quando o movimento come�a", diz.
A popula��o de jacar�s do Rio � estimada em 5 mil. Como predador, o r�ptil � uma pe�a importante da cadeia alimentar, sendo respons�vel pelo equil�brio saud�vel da vida selvagem em �reas naturais.
Essa popula��o, no entanto, est� caindo.
"Os jacar�s podem ficar debaixo d'�gua de 30 minutos a uma hora sem respirar. Enquanto est�o l�, escondidos, m�quinas de constru��o passam e soterram todos eles."
"O resultado � uma mortalidade gigantesca", ele continua. "Hoje, s�o in�meros os jacar�s mortos e enterrados nesses canteiros de obras. E, se pararmos para pensar, � de partir o cora��o ver que temos um grande cemit�rio de jacar�s em Jacarepagu�, que na l�ngua ind�gena tupi-guarani significa vale do jacar�, devido � riqueza e abund�ncia de esp�cies".

Um porta-voz da Secretaria de Meio Ambiente do Rio disse que a prefeitura est� "estruturando um programa de prote��o da fauna e da flora amea�adas da cidade".
"Uma comiss�o composta por especialistas e acad�micos da Prefeitura e da academia dar� suporte t�cnico e cient�fico para a��es futuras", disse o porta-voz � BBC, sem definir um prazo.
Al�m de intensificar os esfor�os de resgate, o governo local tem se concentrado nos canteiros de obras irregulares. "Desde o primeiro dia de 2021 at� agora foram 196 constru��es em �reas verdes demolidas, em a��es coordenadas pela Secretaria de Meio Ambiente. Impusemos preju�zos milion�rios a esses grupos."
Amea�as da polui��o

A polui��o � outra raz�o importante pela qual os animais est�o sendo expulsos de seus habitats naturais.
"Toda a regi�o oeste do Rio � afetada pela polui��o. A maioria dos ninhos de jacar� s�o feitos junto a lixo, mat�ria em decomposi��o e esgoto", diz Freitas.
�guas polu�das tamb�m impactam na oferta de alimentos para esses animais.
"Essa polui��o toda reduz a biodiversidade, obviamente reduzindo a disponibilidade de recursos alimentares para as esp�cies".
A popular pr�tica de alimentar animais silvestres com comida para humanos impacta tamb�m seu comportamento, incentivando-os a avan�ar por espa�os urbanos.
Um porta-voz da Prefeitura do Rio disse que o governo local trabalha para limpar lagoas e rios onde vivem jacar�s-de-papo-amarelo e destina "robustos investimentos para universalizar abastecimento de �gua e tratamento de esgotos".
Mudan�as clim�ticas
Na semana passada, a Prefeitura do Rio declarou estado de alerta, ap�s fortes tempestades e inunda��es atingirem a regi�o.
� medida que a chuva se espalhava pela cidade, cenas de jacar�s e cobras come�aram a aparecer nas redes sociais mais uma vez.
Embora n�o seja poss�vel tra�ar uma linha direta entre essas fortes chuvas e o aquecimento global, os eventos clim�ticos extremos est�o se tornando mais comuns no Brasil, como em muitas partes do mundo.
Um estudo recente publicado pela Carbon Brief, revista especializada em estudos sobre mudan�as clim�ticas, mostrou que o Brasil � o quarto maior emissor hist�rico de di�xido de carbono em n�meros absolutos no mundo - atr�s apenas de EUA, China e R�ssia.
As emiss�es do Brasil aumentaram em 2019, primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro, o maior volume registrado em 13 anos.
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