Enganoso: S�o enganosos os v�deos que tentam equiparar uma enquete feita em um restaurante na cidade de Governador Valadares, Minas Gerais, a uma pesquisa eleitoral. O conte�do diz que Bolsonaro tem 70% das inten��es de voto na corrida presidencial deste ano, enquanto Lula aparece com 18%. Enquetes s�o autorizadas pelo TSE antes do in�cio do per�odo eleitoral, mas n�o podem ser consideradas pesquisas eleitorais porque n�o seguem qualquer tipo de m�todo cient�fico para a sua realiza��o. O pr�prio autor da enquete, que � dono do restaurante, disse que fez uma brincadeira com clientes que passavam pelo local, �s margens da BR-381.
Conte�do investigado: V�deo que usa enquete feita em restaurante de Minas Gerais e a trata como pesquisa de inten��o de voto para a elei��o � Presid�ncia da Rep�blica de 2022.
Onde foi publicado: Facebook e YouTube.
Conclus�o do Comprova: S�o enganosos os v�deos compartilhados no Facebook e YouTube que tentam equiparar uma enquete feita em um restaurante na BR-381, em Governador Valadares (MG), a uma pesquisa eleitoral. Pelo menos dois v�deos circulam nas redes com afirma��es parecidas. Um deles diz que uma nova pesquisa mostra Jair Bolsonaro (PL) com 70% dos votos e o ex-presidente Lula (PT) com 18%; outros afirmam que o dono de um restaurante resolveu fazer uma brincadeira “e a verdade apareceu”.
Enquetes, como a que foi feita pelo dono do restaurante em Minas Gerais, n�o podem ser consideradas pesquisas eleitorais porque n�o seguem qualquer tipo de m�todo cient�fico para a sua realiza��o e, portanto, seus resultados s�o suscet�veis a distor��es e vieses. Procurado pelo Comprova, o pr�prio dono do restaurante e criador da enquete explica que fez uma brincadeira, n�o uma pesquisa, que n�o seguiu nenhum rito e que se surpreendeu com a dimens�o que o resultado ganhou nas redes sociais. Um trecho do v�deo tamb�m viralizou ao ser postado no Twitter, mas o autor do conte�do n�o fez manipula��es no material e apenas descreveu a coloca��o da urna no restaurante.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) define bem as diferen�as entre enquete e pesquisa eleitoral: a primeira � um levantamento de opini�o sem plano amostral, que depende da participa��o espont�nea do interessado –ou seja, indica a opini�o apenas daquele grupo que decidiu participar espontaneamente da consulta. J� a segunda adota uma s�rie de crit�rios para ter uma amostra cient�fica da popula��o, de modo que o resultado possa ser usado para inferir as inten��es de voto de um universo maior (como a popula��o de uma cidade, estado ou pa�s, por exemplo). O Comprova j� explicou as diferen�as entre enquetes e pesquisas.
Alcance da publica��o: O Comprova investiga os conte�dos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Os v�deos feitos utilizando trechos do material gravado no restaurante em Minas Gerais acumulam mais de 142 mil intera��es no Facebook e 2,2 mil visualiza��es no YouTube.
O que diz o autor da publica��o: O Comprova entrou em contato por e-mail com o respons�vel por um dos v�deos publicado em uma p�gina do Facebook, mas n�o obteve uma resposta do autor. Na p�gina do Facebook, h� um link direto para o perfil dele no Instagram, mas a p�gina aparece como indispon�vel. Tamb�m foram procurados os respons�veis por um canal no YouTube que publicou um dos v�deos, mas n�o h� op��o para encaminhar mensagem. O YouTube direciona a um site sobre futebol. O Comprova tentou contato por um formul�rio que fica dispon�vel na p�gina, mas n�o houve resposta.
Como verificamos: Primeiro, o Comprova buscou informa��es a respeito do restaurante Garoupa 381, mencionado no v�deo. Ap�s localizar o perfil oficial do restaurante no Instagram, o Comprova encontrou cinco pequenos v�deos postados na conta que mostram o processo de abertura de uma urna onde foram depositados os votos de uma enquete feita entre 13 de mar�o e 2 de abril de 2022.
Em seguida, o Comprova entrou em contato com os respons�veis pelo restaurante atrav�s de um n�mero de telefone dispon�vel no perfil e conversou com o dono do estabelecimento sobre como, quando e por que foi feita uma enquete no local.
Depois, foram acessados materiais j� publicados, inclusive pelo Comprova, sobre a diferen�a entre enquetes e pesquisas eleitorais, e consultado o advogado e membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral (Abradep), Rodrigo Cyrineu. Por fim, foram procurados os autores dos v�deos postados no Facebook e no YouTube.
A enquete do restaurante
Entre os dias 13 de mar�o e 2 de abril de 2022, clientes que passavam pelo restaurante Garoupa 381, que fica �s margens da BR-381, pr�ximo a Governador Valadares (MG), puderam votar em um entre cinco poss�veis candidatos � Presid�ncia da Rep�blica ou deixar a c�dula em branco, se assim preferissem. A participa��o n�o era obrigat�ria, e sim espont�nea, como explicou ao Comprova o dono do estabelecimento, Hudson Schattner. Ele disse que decidiu fazer uma “brincadeira” – sem qualquer rito cient�fico ou com inten��o de se configurar como pesquisa eleitoral – com clientes do restaurante depois que discuss�es sobre pol�tica se tornaram comuns por l� durante o caf� da manh� que � servido no local.
“Todo dia de manh� d� um debate muito acirrado no caf� da manh� sobre pol�tica. A gente oferece um caf� da manh� � vontade e o pessoal comenta muito. A� surgiu uma brincadeira”, explica Hudson, se referindo � instala��o de uma urna de vota��o, lacrada, em que clientes poderiam usar c�dulas de vota��o e escolher um dos candidatos ou votar em branco. Foram pouco mais de 300 votos computados no per�odo.
As c�dulas continham campos para marca��o com os nomes de cinco candidatos, dispostos em ordem alfab�tica: Ciro Gomes, Jair Bolsonaro, Jo�o Doria, Luiz In�cio Lula da Silva e Sergio Moro. Segundo Hudson, os candidatos foram escolhidos para entrar na enquete porque eram os que apareciam nas pesquisas de inten��o de voto divulgadas pela “grande m�dia”. Na �poca, Sergio Moro ainda n�o havia desistido da candidatura � presid�ncia, nem trocado de partido.
Embora tenha dito em um dos v�deos postados no Instagram do restaurante que a enquete representaria “a verdade aparecendo” ou uma esp�cie de “pesquisa DataPovo”, o dono do restaurante afirmou ao Comprova que tudo n�o passou de uma brincadeira.
Cinco v�deos mostrando o processo de abertura da urna foram postados na conta oficial do restaurante no Instagram, mas o material acabou sendo usado por outras p�ginas nas redes sociais, que trataram a enquete como uma pesquisa eleitoral. Isso porque uma regra de tr�s simples mostrou que o atual presidente Jair Bolsonaro recebeu 70% dos votos da enquete, enquanto o ex-presidente Lula recebeu 18%.
“N�o seguiu nenhum rito, ent�o n�o posso chamar de pesquisa. A gente brincou l�, colocou como pesquisa, mas depois eu vi que o nome certo seria uma enquete, porque a gente n�o seguiu nenhum rito, nenhuma avalia��o t�cnica nem nada, ficou a vontade do povo. A �nica coisa que eu fiz foi pegar o nome de todos os candidatos que est�o nas pesquisas demonstradas pela grande m�dia, pelos jornais, que � o Doria, o Bolsonaro, o Ciro, o Lula e o Moro. Coloquei pela ordem alfab�tica e fiz a c�dula, foi s� isso”, disse.
Enquetes e pesquisas eleitorais
Embora o dono do restaurante afirme que a enquete recebeu votos “de pessoas de todo o Brasil”, ela n�o serve para medir, de fato, as inten��es de voto da popula��o brasileira. Isso porque uma pesquisa eleitoral segue crit�rios para selecionar uma amostra que corresponda a um grupo maior de pessoas. Numa pesquisa, por exemplo, � necess�rio ouvir eleitores de condi��es financeiras e sociais variadas, de modo que a amostra se aproxime ao m�ximo do perfil da popula��o.
No caso de uma enquete, como a que foi feita no restaurante, o resultado acaba mostrando as inten��es apenas daquele grupo que decidiu votar. Por isso, n�o � correto afirmar que, ao fazer uma brincadeira, o dono do restaurante acabou mostrando a verdade, como ele diz no v�deo original e como reproduz um dos v�deos verificados. Tamb�m n�o � cab�vel a compara��o entre a enquete e outras pesquisas de opini�o, como faz o autor de outro v�deo checado.
A resolu��o nº 23.600/2019 do TSE define a enquete como um levantamento de opini�o sem plano amostral, que depende da participa��o espont�nea de eventuais interessados, sem utilizar qualquer tipo de m�todo cient�fico para a sua realiza��o. Ainda conforme o documento, as enquetes que forem apresentadas � popula��o como pesquisa eleitoral ser�o reconhecidas como pesquisa de opini�o p�blica sem registro na Justi�a Eleitoral.
Com rela��o � pesquisa eleitoral, o TSE estabelece uma s�rie de requisitos para seu registro. Entre as informa��es que devem ser registradas est�o: o contratante da pesquisa, com CPF ou CNPJ; o valor e a origem dos recursos gastos; a metodologia e o per�odo de sua realiza��o; o question�rio aplicado ou a ser aplicado; o nome do estat�stico respons�vel; e a indica��o do estado em que ser� realizado o levantamento. O pr�prio TSE chegou a elaborar um material explicativo abordando de forma simplificada as principais diferen�as entre enquetes e pesquisa eleitoral.
Recentemente, ap�s ouvir especialistas no tema, o Comprova elaborou um conte�do neste mesmo sentido, indicando os pontos que diferenciam pesquisas eleitorais de enquetes. Entre os profissionais consultados, o professor do Departamento de Ci�ncia Pol�tica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Centro de Estudos de Opini�o P�blica (Cesop-Unicamp), Oswald Amaral.
Ele explicou que a pesquisa � feita com uma amostra cientificamente calculada da popula��o, a fim de representar o grupo como um todo e eliminar vieses. J� as enquetes, n�o levam em considera��o crit�rios cient�ficos na montagem da amostra, e por isso s�o vulner�veis a distor��es e direcionamentos.
O professor chegou a dar um exemplo de uma situa��o rotineira para ilustrar a situa��o: “Imagine que algu�m decida realizar uma enquete na porta do Maracan�, no Rio de Janeiro, num dia de jogo do Flamengo contra o Madureira. 99,9% das pessoas v�o dizer que torcem para o Flamengo porque o Maracan� � o est�dio do Flamengo e do Fluminense. Mas n�o se pode dizer, a partir desses resultados, que 99,9% das pessoas acompanhando a partida no pa�s — seja pela televis�o, r�dio ou outros meios — torcem para o Flamengo”.
Consultado pelo Comprova, o advogado e membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral (Abradep), Rodrigo Cyrineu, acrescentou que, durante muito tempo, as enquetes foram criminalizadas pela Justi�a Eleitoral, justamente por n�o terem o rigor cient�fico pr�prio das pesquisas eleitorais.
“Uma recente resolu��o aprovada, a de n�mero 23.600/TSE, traz como novidade o fato de albergar as enquetes e as tratar como se pesquisa de opini�o fossem. Mas se atendo � quest�o central: as enquetes t�m algum valor cient�fico para medir inten��es de voto de uma campanha eleitoral? N�o. Apesar de as enquetes eleitorais serem permitidas, elas t�m um tempo para acontecer. E o tempo � justamente o prazo final do registro de candidatura”, salientou Cyrineu.
“Quando a gente passa do dia 15 de agosto – que � o in�cio da propaganda eleitoral – as enquetes eleitorais est�o proibidas. O candidato quando se manifestar em sua rede social e, principalmente, no hor�rio eleitoral gratuito no r�dio e na televis�o, n�o pode mencionar o levantamento realizado por uma enquete, porque elas j� n�o mais s�o permitidas. S� pode mencionar inten��o de voto extra�da, levantada por meio de uma pesquisa eleitoral. A partir do momento que a campanha eleitoral entra na rua, passa a valer [a resolu��o], as enquetes s�o proibidas e candidatos n�o podem se valer nas propagandas eleitorais”, emendou.
Por que investigamos: O Comprova verifica conte�dos suspeitos que viralizam na internet sobre a pandemia da covid-19, pol�ticas p�blicas e as elei��es presidenciais deste ano. O foco � analisar publica��es virais, que tiveram grande alcance nas redes sociais e que podem confundir a popula��o. Pesquisas eleitorais ou conte�dos com informa��es distorcidas dos presidenci�veis podem influenciar eleitores na escolha de um candidato antes da vota��o. � importante, portanto, que pesquisas n�o sejam confundidas com enquetes sem m�todo cient�fico, que incluem poss�veis vieses e distor��es e n�o refletem o cen�rio nacional.
Outras checagens sobre o tema: O Comprova j� explicou que pesquisas eleitorais seguem m�todos cient�ficos, ao contr�rio de enquetes, tamb�m mostrou que � falso que apresentador americano riu de pesquisa eleitoral no Brasil e que v�deo engana ao dizer que pesquisas foram forjadas na elei��o de Bolsonaro em 2018.