
A palavra "chala�a", dizem os dicion�rios, significa espirituoso, zombeteiro, gracejador. Por isso, foi com ela que seus amigos e conhecidos - e inimigos - na corte de D. Jo�o 6º, no Rio de Janeiro, apelidaram o portugu�s Francisco Gomes da Silva, um dos 15 mil integrantes da comitiva real que desembarcou no Brasil, em 1808.
Irreverente, bem-humorado, gozador, bo�mio e esperto, ele se tornou amigo pr�ximo e fiel do ent�o pr�ncipe e depois imperador, D. Pedro, de quem foi companheiro de farras e noitadas e alcoviteiro - arranjava belas mulheres para seu amigo real. Tamb�m galgou altos cargos no Imp�rio.
Francisco Gomes da Silva, o Chala�a, nasceu em Lisboa, 22 de setembro de 1791 e morreu na mesma cidade em 30 de dezembro de 1852. Segundo muitos historiadores, era filho bastardo de Francisco Jos� Rufino de Sousa Lobato, que mais tarde seria bar�o e depois Visconde de Vila Nova da Rainha, e de sua empregada dom�stica Maria da Concei��o Alves, uma mo�a pobre de 19 anos, que o registrou como sendo de "pai inc�gnito".
Quando Lobato foi se casar, sua futura mulher exigiu que ele se livrasse de Maria e seu filho. Ele ent�o mandou a empregada para �frica e, de acordo com algumas vers�es, pagou para um protegido seu, Antonio Gomes da Silva, ficar com Francisco e registr�-lo como filho leg�timo.
O certo � que, por influ�ncia do futuro visconde, ele conseguiu um emprego p�blico como ourives oficial corte portuguesa. "Ele foi o respons�vel pela confec��o da coroa de D. Jo�o VI no Brasil", conta o escritor Paulo Rezzutti, autor de v�rios livros sobre o primeiro reinado e bi�grafo D. Pedro I e da imperatriz Leopoldina.
Mas, apesar disso, o pai biol�gico n�o abandou o filho. "A verdade � que ele protegeu o rapaz por muito tempo", diz Rezzutti, que est� escrevendo um livro espec�fico sobre a Independ�ncia do Brasil. "Foi Lobato quem o colocou para estudar no semin�rio de Santar�m, na prov�ncia da Estremadura, onde ele aprendeu franc�s, ingl�s, italiano e espanhol."
O jovem Francisco ficou l� at� 1807, quando, depois de brigar com o reitor e com o padre-mestre de disciplina, veio para o Brasil, acompanhando a fam�lia real em sua fuga. "No Rio de Janeiro, em 1810, foi feito faxineiro do Pal�cio de S�o Crist�v�o, sendo expulso de l�, em 1816, por ter se envolvido com uma dama do Pa�o", conta o escritor e historiador Rafael Cupello Peixoto. O biografado era inimigo de Chala�a na corte do imperador D. Pedro 1º.
Contam algumas vers�es da hist�ria, que a expuls�o da corte se deu, porque ele e a dama foram flagrados nus, num quarto do Pal�cio, pelo pr�prio D. Jo�o VI. "Depois disso, Chala�a se estabeleceu com uma barbearia na rua do Piolho (hoje rua da Carioca)", revela Peixoto. "Ap�s o retorno do pai de D. Pedro para Portugal, voltou ao servi�o do Pa�o, sendo pe�a importante na pol�tica da Corte imperial."

De acordo com Rezzutti, as rela��es pessoais entre ele e D. Pedro eram as mais estreitas poss�veis. "Eles se conheceram na juventude, no Rio de Janeiro, onde, de companheiros de aventuras pelas tavernas, acabaram estreitando la�os, at� que o Chala�a se torna um dos homens mais confi�veis do pr�ncipe e depois imperador do Brasil", diz.
Peixoto complementa, acrescentando que ele era um amigo sincero de D. Pedro, sempre pronto para servi-lo em todas as circunst�ncias, "inclusive como pombo-correio das conquistas femininas". "Chala�a era um conselheiro pessoal, merecendo do imperador um tratamento cordial e com acesso di�rio a dele", explica. "Logo, ele n�o se restringia ao papel mero criado do Pa�o."
Isso fica demonstrado pela atua��o pol�tica do amigo do imperador. De acordo com Peixoto, Chala�a pertencia a um grupo de portugueses de nascimento, que circundavam o Imperador desde sua juventude e que ap�s a independ�ncia foram conquistando cada vez mais espa�o na Corte, e assim, participando diretamente de a��es pol�ticas do Primeiro Reinado.
Conhecidos como "�ulicos", esse grupo pol�tico, que apoiou o imperador D. Pedro 1º, tinha uma concep��o de monarquia, na qual a soberania da na��o repousava na cabe�a da Coroa. "Isso era visto como forma de resguardar os interesses nacionais, com o poder de veto imperial sobre as decis�es da Assembleia Geral e com o prop�sito de garantir a ordem e a tranquilidade p�blica", explica Peixoto.
Segundo ele, um exemplo de que Chala�a n�o era apenas um criado na Corte, � que foi ele que, na qualidade de oficial maior da Secretaria de Estado, inseriu na Carta Constitucional do Imp�rio do Brasil de 1824 a sua assinatura com a rubrica: "Francisco Gomes da Silva, a fez". Por ter redigido a Carta, foi condecorado por Pedro 1º com a comenda da "Torre e Espada".
H� v�rios exemplos de que a atua��o de Chala�a n�o se limitava a apenas ser amigo e prestar "servi�os reservados" a D. Pedro. "Sua miss�o como secret�rio pode ser vista at� hoje, por exemplo, na reda��o final da Constitui��o outorgada em 1824 por D. Pedro ao Brasil", lembra Rezzutti.
"Ele estava ao lado do ent�o pr�ncipe regente na viagem da Independ�ncia e em v�rios outros momentos. Sua influ�ncia sobre o amigo era bastante comentada na �poca, chegando a ser considerada nefasta ap�s a morte de Jo�o 6º, em Portugal, em 1826, quando passou a advogar os interesses dos portugueses junto ao imperador."

Plano trai�oeiro
Chala�a ficou no Brasil at� 25 de abril de 1830, quando foi nomeado embaixador plenipotenci�rio do Imp�rio para o Reino das Duas Sic�lias, cuja capital era N�poles. Foi uma arma��o de seus advers�rios, entre os quais o Marqu�s de Barbacena, que havia participado ativamente das negocia��es do segundo casamento do Imperador, na Europa, e acabava de trazer de l� a segunda de D. Pedro, D. Am�lia de Leuchtenberg, e queria se ver livre dele.
Mas antes disso, Barbacena se aproximou de Chala�a para atingir seus objetivos pol�ticos. Segundo Peixoto, o marqu�s adotou a estrat�gia de "conquistar" a confian�a dele para assim tamb�m ganhar a de D. Pedro. Depois o traiu, no entanto. Quando Barbacena foi feito Ministro da Fazenda, em 1829, contando com a simpatia de D. Am�lia, conseguiu convencer o imperador que era necess�rio afastar Chala�a e Rocha Pinto, componentes do criticado "gabinete secreto", do Brasil e envi�-los em comiss�es na Europa, em abril de 1830, explica.
Naquele momento, o pa�s vivia uma forte tens�o pol�tica com a oposi��o ao primeiro imperador o acusando de "absolutista" e responsabilizando sua proximidade com os "�ulicos" portugueses, como Chala�a e Pinto, como a principal raz�o pelas a��es autocr�ticas de D. Pedro e seu pouco di�logo com a C�mara dos Deputados.
Barbacena passava a imagem de quase um "primeiro-ministro" e conseguiu nos primeiros tempos � frente da pasta da Fazenda pacificar, em parte, a crise pol�tica.
Mas a arma��o do marqu�s se voltou contra ela pr�prio. Chala�a n�o aceitou o cargo em N�poles e, em vez disso, foi para Londres. "L�, quando descobriu que a autoria do plano de sua retirada do Brasil havia sido chefiada por Barbacena, dirigiu-lhe ataques e inj�rias", conta Peixoto.
"O descreve como um sujeito de 'car�ter dobre e atrai�oado' associando-o aos 'obscuros disc�pulos da Escola de Maquiavel, que, tomando mal as li��es do grande mestre da dissimula��o, caem v�timas de seus pr�prios enredos, e trai��es'."
N�o satisfeito, resolveu se vingar. "Em Londres, Chala�a realizou um levantamento dos gastos que Barbacena fez, tanto para o segundo casamento de D. Pedro quanto com a filha de D. Pedro I, D. Maria II de Portugal, que foi obrigada a se instalar por um tempo na Inglaterra, depois que o tio dela, D. Miguel, usurpou o trono de Portugal para si", acrescenta Rezzutti.
Seja consequ�ncia ou n�o dessa devassa, o fato � que Barbacena foi demitido do Minist�rio naquele mesmo ano de 1830. "O curioso dessa rela��o dos dois � que at� o momento em que a crise explodiu, com a demiss�o marqu�s, tanto ele quanto Chala�a trocavam correspond�ncias sobre diferentes assuntos e disfar�avam entre si que ambos conspiravam um contra o outro", diz Peixoto. "O certo � que a queda de Barbacena tem o dedo de Francisco Gomes da Silva."
Apesar de sua trajet�ria curiosa e do papel que desempenhou junto a D. Pedro e na Corte e no governo, h� controv�rsias sobre a real import�ncia hist�rica de Chala�a. Para Rezzutti, de forma espec�fica ele n�o tem nenhuma "Francisco Gomes da Silva participou de v�rios eventos hist�ricos, como acompanhante do imperador ou como seu secret�rio, mas ele n�o foi respons�vel direto por nenhum deles", defende. "H� algumas influ�ncias suas, como na queda do gabinete do marqu�s de Barbacena. Ent�o, � imposs�vel dizer que o Chala�a n�o tem import�ncia hist�rica, mas � aquela que � destinada aos que exercem muitas vezes o poder por detr�s do poder."
Peixoto pensa de maneira diferente. "Se observarmos Francisco Gomes da Silva para al�m da vis�o mais caricata, isto �, como o amigo alcoviteiro, mulherengo, bo�mio e divertido de D. Pedro I, que claro ele era, vamos perceber que Chala�a tamb�m foi um personagem pol�tico", explica. "Ele atuou diretamente nos acontecimentos do Primeiro Reinado, al�m de ter grande influ�ncia sobre o pr�prio imperador."
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