
"N�o � problema meu se voc� n�o sabe falar portugu�s". "N�o h� �gua pot�vel no Brasil". "Mulher brasileira vem para c� para roubar o marido das portuguesas". "Os moradores est�o se sentindo incomodados de ver uma pessoa assim como voc�, estranha, andando por aqui". "Brasileiras s�o todas p*". "Voc� n�o entende nada. Voc� � burra". "Claro que n�o, brasileiro vir dar aula aqui?"
As declara��es acima foram compartilhadas com a BBC News Brasil por brasileiros que viveram ou ainda vivem em Portugal. Apesar de fazerem parte de uma nova gera��o de imigrantes, mais qualificados e com maior poder aquisitivo, eles relatam epis�dios de xenofobia. E essa � uma das raz�es pelas quais alguns dos que j� deixaram o pa�s dizem n�o querer mais voltar a viver l�.
Segundo a Comiss�o para a Igualdade e contra a Discrimina��o Racial (CICDR), �rg�o ligado ao governo portugu�s, den�ncias de casos de xenofobia contra brasileiros em Portugal aumentaram 433% desde 2017 — naquele ano, a comunidade imigrante do Brasil tinha voltado a crescer.Em 2020, foram 96 queixas nas quais a origem da discrimina��o foi a nacionalidade brasileira. Em 2017, apenas 18. Entre os estrangeiros que vivem em Portugal, s�o os brasileiros que mais registram casos em que s�o v�timas de manifesta��es de racismo e xenofobia.
"A express�o que mais se destaca enquanto fundamento na origem da discrimina��o � a nacionalidade brasileira", diz a CICDR em relat�rio.
Recentemente, Pedro Cosme da Costa Vieira, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, no norte de Portugal, foi demitido por coment�rios sexistas, racistas e xen�fobos, entre os quais, "as mulheres brasileiras s�o uma mercadoria".

Em fevereiro do ano passado, Vieira j� havia sido suspenso por 90 dias depois de um grupo de 129 alunos ter denunciado crimes de ass�dio e discrimina��o durante as aulas.
E, em meio � pandemia de covid-19, um perfil identificado como sendo de um grupo da Faculdade de Engenharia da mesma universidade publicou nas redes sociais frases xen�fobas e machistas contra brasileiros e brasileiras.
Destino tradicional de imigra��o brasileira, Portugal registrou nos �ltimos anos um aumento expressivo no fluxo migrat�rio vindo da antiga col�nia — dados oficiais mostram que a comunidade de brasileiros morando legalmente no pequeno pa�s europeu subiu pelo quinto ano consecutivo e atingiu a marca recorde de 209.072 em 2021, um aumento de 13,6% em rela��o a 2020.
Os brasileiros permanecem, assim, na lideran�a isolada como a maior comunidade imigrante em Portugal, representando 29,2% de todos os estrangeiros em situa��o regular no pa�s, segundo o Servi�o de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), �rg�o do governo portugu�s respons�vel pelo controle da imigra��o.
Mas esse n�mero pode ser ainda maior, pois n�o inclui os brasileiros com dupla cidadania portuguesa ou de outro pa�s da Uni�o Europeia e quem est� em situa��o migrat�ria irregular.
O Minist�rio das Rela��es Exteriores do Brasil estima em 276.200 o n�mero de brasileiros vivendo em Portugal, mas associa��es de apoio a imigrantes calculam que o contingente se aproxima de 400 mil.
Alguns brasileiros citados nesta reportagem optaram por denunciar as agress�es que sofreram sob condi��o de anonimato por temer repres�lias.

'Tocou minha vagina'
"Est�vamos juntos havia tr�s meses. Quando me falou sobre um amigo que terminou o relacionamento com uma portuguesa por causa de uma brasileira, ele deu um leve tapa na minha vagina e disse que entendia o porqu�. Fiquei horrorizada", diz � BBC News Brasil Mariana Braz, que vive em Portugal desde que se mudou para o pa�s para fazer mestrado.
"As brasileiras s�o, de maneira geral, vistas de uma forma extremamente sexualizada, como objetos sexuais. A sociedade portuguesa ainda � essencialmente machista e conservadora", acrescenta.
Epis�dios como o que sofreu a encorajaram a idealizar em 2020 o projeto social 'Brasileiras n�o se calam', de apoio a mulheres brasileiras imigrantes.
"Para al�m de um canal onde mulheres brasileiras compartilham suas hist�rias, o projeto tamb�m oferece grupos de apoio emocional online gratuitos, e conta com uma rede de psic�logas e advogadas que prestam apoio psicol�gico e jur�dico a custo social", diz Braz.
"Uma vez fui fazer um treinamento para trabalhar em uma empresa de energia e o supervisor (que era portugu�s), dentro do elevador me disse assim: 'o legal � que n�o precisamos ir l� para escravizar. Voc�s que j� v�m por conta pr�pria para essa fun��o'": � um dos v�rios relatos, a maior parte vinda de Portugal, da conta das 'Brasileiras n�o se calam' no Instagram, que tem cerca de 50 mil seguidores.
https://www.instagram.com/p/Ccp-Pg-jdCe/
'Brasileiras s�o todas p*'
Um relato semelhante aconteceu com a filha de Isabel, que ainda vive em Portugal.
"Est�vamos todos sentados em uma mesa, a fam�lia toda, eu, minha m�e, minhas duas filhas e o namorado de uma delas. Minha filha levantou-se para buscar uma cadeira e pediu gentilmente � mesa ao lado, na qual havia duas senhoras sentadas. Uma delas nem esperou minha filha sair para dizer, sem mais nem menos, que as 'brasileiras s�o todas p*'", diz.
Isabel voltou para o Brasil em setembro de 2020. Ela, que j� tinha morado no Jap�o, viveu em Portugal por dois anos para fazer seu mestrado em uma prestigiada universidade no Porto, a segunda maior cidade do pa�s. E conta ter ficado "chocada" com o preconceito no ambiente acad�mico.
"N�o esperava encontrar tanto preconceito no ambiente acad�mico. Certa vez, um professor falou da bunda das brasileiras. Outra afirmou que n�o havia �gua pot�vel no Brasil", diz.
"J� havia feito mestrado na Funda��o Get�lio Vargas (FGV) e me considero uma pessoa extremamente preparada profissionalmente. Comentei com uma professora que gostaria de me candidatar a uma vaga para lecionar na universidade. Ela riu da minha cara e disse: 'Claro que n�o, brasileiro vir aqui dar aula?'

"Em outra ocasi�o, estava falando com a minha orientadora. De repente, ela deu um soco na mesa e disse: 'n�o entendo nada que falas'".
"Minha filha faz gradua��o aqui em Portugal e algo semelhante acontece com ela. Os alunos portugueses n�o costumam se misturar com os brasileiros. Em um trabalho de grupo, ela ouvia de colegas portugueses: 'N�o entendes nada. �s burra?'.
"O que mais me chamou aten��o em Portugal foi que o preconceito, diferentemente do Jap�o, � descarado".
'Tive que falar em ingl�s para ser bem tratado'
Pedro, que tamb�m fez mestrado em Portugal, compartilha a mesma frustra��o sobre o ambiente acad�mico.
"Nosso curso era em ingl�s e, devido a termos t�cnicos, quer�amos fazer a prova em ingl�s. Mas nos deram a prova em portugu�s de Portugal e acabei indo mal. Quando fui reclamar, ouvi: 'N�o � problema meu se n�o sabes falar portugu�s'."
Mas, para Pedro, o pior era a discrimina��o vivida fora do ambiente universit�rio. Ele relata que fingia n�o ser brasileiro e, por vezes, falava em ingl�s, a l�ngua materna de seu companheiro, para "ser bem tratado".
"Quando telefonava para fazer reservas em restaurantes e falava em portugu�s, sempre ouvia que n�o havia mais mesas dispon�veis. Pedia a meu companheiro para ligar de volta. E, surpreendentemente, ele conseguia fazer a reserva. O tratamento era completamente diferente. Passei, ent�o, a falar em ingl�s em restaurantes para ser bem tratado".
Hoje vivendo em Londres, no Reino Unido, Pedro diz que gosta de Portugal, mas n�o pensa em voltar a morar no pa�s.
'Um estranho no bairro'
Formado em Hist�ria, Felipe foi professor em Bras�lia antes de se mudar para Portugal para fazer mestrado.
Por sua pr�pria experi�ncia, ele diz sofrer preconceito "velado". "Nunca me vi em uma situa��o de preconceito 'descarado'. Mas voc� sabe quando � alvo de discrimina��o, ainda que 'sutil', seja pela forma como algu�m te olha ou fala com voc�".
"Trabalho para uma empresa de engenharia aqui e meu trabalho consiste em sair a campo para fazer medi��es. Uma vez, fui confrontado por um policial que me disse que 'os moradores est�o se sentindo incomodados de ver uma pessoa assim como voc�, estranha, andando por aqui'. Mostrei a ele todos os meus documentos, inclusive minha carteira de identidade portuguesa. E ele me perguntou como eu havia conseguido obt�-la".
"O preconceito se alimenta da ignor�ncia das pessoas. Evidentemente, nem todos os portugueses s�o preconceituosos, mas dizer que n�o h� preconceito contra brasileiros � mentira".
Neste sentido, ele destaca o crescimento da extrema-direita em Portugal, ap�s o partido Chega, com seu discurso anti-imigra��o, se tornar a terceira maior for�a do Congresso, em janeiro deste ano. Embora seu l�der, Andr� Ventura, n�o tenha os brasileiros como foco de suas controversas declara��es contra imigrantes, e sim os chamados 'ciganos', o sucesso da sigla nas �ltimas elei��es legislativas "de certa forma d� legitimidade �queles que querem propagar discursos de �dio, exatamente como aconteceu ap�s a elei��o de Jair Bolsonaro", diz o professor.

'Sou vista como ativo'
Embora tenham sido alvo de discrimina��o, os brasileiros ouvidos para esta reportagem ressalvam que gostam "de Portugal e dos portugueses".
"Gosto de viver aqui. Como em todo lugar, h� pr�s e contras. Sinto que tenho mais qualidade de vida aqui do que no Brasil, mas n�o � por isso que vou 'passar pano' para o racismo e para a xenofobia. Queremos construir uma sociedade mais igualit�ria, e n�o ser� escondendo problemas que vamos alcan��-la. Temos que encar�-los de frente. E uma das formas � denunciando o que acontece", diz Braz, idealizadora do 'Brasileiras n�o se calam'.
Mas a carioca Natalia Arantes, que vive em Lisboa, a capital do pa�s e, portanto, uma cidade mais cosmopolita, relata ter tido uma experi�ncia diferente. Ela diz j� ter ouvido casos de discrimina��o, mas ressalva que nunca passou por situa��o semelhante.
"Pelo contr�rio, sempre fui muito bem recebida aqui. Inclusive na minha empresa, sou vista como um 'ativo', pois entendo como lidar melhor com clientes brasileiros que buscam comprar im�veis aqui em Portugal", diz ela, que � corretora.
Ela conta que nos �ltimos anos v�rios brasileiros compraram im�veis em Portugal em busca de uma melhor qualidade de vida para suas fam�lias. Os juros baixos das hipotecas s�o um atrativo � parte.

"Muitos relatam querer uma vida mais segura aqui, longe dos problemas de viol�ncia urbana do Brasil. H� tamb�m brasileiros que adquirem im�veis por investimento", diz Arantes que mant�m uma p�gina no Instagram com dicas sobre como � viver em Portugal com mais de 20 mil seguidores (@vivasuavidaemportugal).
A reportagem da BBC News Brasil tentou ouvir o governo portugu�s, mas at� a conclus�o desta reportagem, n�o obteve resposta.
Como denunciar?
Segundo a Comiss�o para a Igualdade e contra a Discrimina��o Racial (CICDR), "quaisquer queixas, que se enquadrem no objeto da Lei n.º 93/2017 (legisla��o nacional contra discrimina��o racial), de 23 de agosto, podem ser apresentadas no formul�rio eletr�nico, presencialmente junto da pr�pria CICDR, do ACM, ou atrav�s de e-mail enviado para [email protected] ou por correio postal, endere�ado � Presidente da Comiss�o para a Igualdade e Contra a Discrimina��o Racial, enviado para a Rua �lvaro Coutinho, 14, 1150-025 Lisboa, ou ainda presencialmente neste endere�o".
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