Para muitos hagi�grafos, quando um santo tem uma vida pr�xima da normalidade de uma pessoa comum, embora nos trilhos das tais virtudes inabal�veis, isso ajuda a criar uma empatia com os fi�is.
� o que explica a popularidade de Santa Rita de C�ssia, italiana que viveu entre 1381 e 1457, entre devotos brasileiros.
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"Ela viveu em seu tempo o que vivemos hoje: viol�ncias dentro e fora da fam�lia, escalada de �dio, pobreza e mis�ria. [N�o � toa, �] largamente difundida no Brasil", comenta o escritor J. Alves, graduado em teologia, titular da Academia Brasileira de Hagiologia e autor de, entre outros livros, Santa Rita de C�ssia - Novena e Biografia.
"A fama dos in�meros milagres foi se divulgando e, certamente, chegou ao Brasil com os colonizadores que trouxeram para a nova terra o catolicismo", acrescenta o hagi�logo Jos� Lu�s Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor da Universidade Estadual Vale do Araca�, do Cear�.
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"Essa ideia certamente fez muito sucesso entre a popula��o mais carente no Brasil, por juntar o elemento da vida sofrida e dif�cil e apresent�-la como solu��o para conseguir um milagre imposs�vel. Logo, tornou-se comum pedir ajuda � Santa Rita", explica.
A devo��o � santa acabou se materializando tamb�m em obras vultuosas. Em 2010, o munic�pio de Santa Cruz, no Rio Grande do Norte, ganhou a maior est�tua em honra � religiosa em todo o mundo, uma imagem de 42 metros de altura sobre um pedestal de 6 metros — maior que o Cristo Redentor, do Rio, que mede 38 metros incluindo o pedestal.
Santa Rita j� era padroeira do munic�pio. E o monumento, administrado pela par�quia local, tem servido como atra��o para o turismo religioso: todos os anos, em 22 de maio, a cidade atrai cerca de 60 mil peregrinos, conforme estimativas da Arquidiocese de Natal.
J� o pequeno munic�pio de C�ssia, com 18 mil habitantes, em Minas Gerais, quer se converter em um polo de atra��o de romeiros de todo o pa�s. Neste domingo, ser� inaugurado ali um santu�rio dedicado � Santa Rita, que deve ser o maior em honra a ela em todo o mundo.
Em uma �rea de 180 mil metros quadrados foi constru�do um complexo tur�stico-religioso, com estacionamento para �nibus, centro comercial, r�plica da casa original onde vivia a santa e, claro, uma imensa igreja com 70 metros de largura e 100 de comprimento, com capacidade para 7 mil pessoas — 5 mil sentadas.

O santu�rio, gerido e administrado pela diocese de Guaxup�, na regi�o, foi viabilizado gra�as � doa��o de um empres�rio nascido em C�ssia e devoto da santa — foram R$ 25 milh�es para a constru��o.
O marido violento assassinado e a morte dos filhos
Santa Rita nasceu em 22 de maio de 1381 no povoado de Roccaporena, regi�o de C�ssia, na It�lia.
De acordo com o livro Santa Rita de C�ssia, escrito por Lu�s de Marchi, a "antiga tradi��o" enfatiza que ela foi batizada em C�ssia "porque a povoa��ozinha de Roccaporena s� em 1720 possuiu fontes batismais". Seu nome original era Margherita Lotti.
Seus detalhes biogr�ficos s�o poucos e inconsistentes, variando de fonte a fonte. Muitos dizem que ela era filha de juiz de paz, mas que sua fam�lia era bastante simples e que ela precisava ajudar os pais na lida di�ria, principalmente cultivando alimentos para subsist�ncia.
Tamb�m h� registros de que os pais j� tinham idade avan�ada quando ela nasceu, e que ela teria sido filha �nica.
Contra a sua vontade, seu pai a arranjou um casamento. Marchi aponta que isso pode ter ocorrido quando ela tinha apenas 12 anos, embora alguns "bi�grafos antigos" tamb�m falem em 18 anos.
Do casamento, nasceram dois filhos g�meos. Mas a maior dificuldade da jovem mo�a n�o era cuidar das crian�as, mas sim aturar a constante ira do marido.
"Rita, ao que consta, n�o queria casar, mas, seguir a vida religiosa. Por atender � vontade de seu pai, casou. E casou com um homem violento", pontua Lira.
"O marido de Rita tinha inimigos por causa de seu car�ter violento; era ofendido e procurava vingar-se. Quando n�o podia alcan�ar seu objetivo, desabava em casa a tempestade, e sua pobre esposa, t�mida e inocente, devia suportar as consequ�ncias", diz o livro de Marchi.
"Havia ent�o cenas violentas e brutais. Excitado pelo vinho e pela c�lera, Paulo se deixava levar por raivas loucas, quebrando tudo o que lhe ca�a nas m�os ou lhe oferecia resist�ncia, apostrofando ou blasfemando ignominiosamente, fazendo assim estremecer de horror e desespero a pobre Rita."
Em meio a essas desaven�as com outras pessoas do povoado, o marido de Rita acabou assassinado.
"Seus filhos queriam vingar a morte do pai", conta Maerki.
"Mas ela sempre foi uma mulher de muita ora��o e rezava a Deus para que isso n�o ocorresse, para que os filhos n�o cometessem aquele pecado. Ela dizia preferir que os filhos morressem a matar algu�m."
O pesquisador ressalta que � importante situar a santa como "uma mulher casada", pois isso faz dela algu�m diferente em um contexto em que geralmente as religiosas celibat�rias acabam sendo, com mais frequ�ncia, canonizadas.
Os filhos de Rita acabaram morrendo ainda jovens. Algumas fontes dizem que tiveram hansen�ase. Outros registros apontam para peste bub�nica.
O fim da vida em um convento
Vi�va e sozinha, ela se viu empenhada em realizar o sonho da inf�ncia e, finalmente, abra�ara a vida religiosa.
Depois de muito custo e algumas hist�rias consideradas milagrosas, finalmente conseguiu ser aceita por um convento agostiniano. Ali assumiria o nome de Rita e passaria o resto de seus dias.
O hagi�logo Lira conta que, pela tradi��o e pelos relatos antigos, ela teria sonhado com o convento fechado. Ent�o, apareciam a ela Santo Agostinho, S�o Nicolau e S�o Jo�o Batista — e estes a fizeram entrar na casa religiosa.
Os tr�s santos teriam pedido que ela os seguisse pelas ruas. Depois de andan�as, eles desapareceram e ela sentiu um empurr�o. Quando despertou, estava dentro do mosteiro, mesmo que ele estivesse com os port�es cerrados. Teria sido desta forma que acabou aceita pelas outras religiosas agostinianas.
"[Foi] uma mulher cativante e de uma f� inabal�vel", ressalta J. Alves. "Al�m de seu tempo. Embora tenha vivido e morrido antes da descoberta do Brasil, ela se tornou uma das mais populares santas veneradas por aqui."
"Ap�s a morte de Rita, 43 anos antes da descoberta do Brasil, houve grande populariza��o de sua devo��o na regi�o onde ela viveu. Embora sua beatifica��o tenha ocorrido 180 anos depois, sua santidade j� era notada e percebida", afirma Lira.
"Os santos possuem uma caracter�stica que se aproximam de cada um de n�s, nas necessidades que viveram quando estavam na Terra. N�o se pode negar que Santa Rita teve uma vida dif�cil e que sua f� a tudo superou."
Para o hagi�logo, isto fez dela "um modelo" e a transformou em "uma intercessora para todos n�s, em nossas dificuldades".
"Assim ela foi se tornando popular, devocionada e amada em todo o Brasil, a ponto de que haja no Rio Grande do Norte a maior est�tua a ela dedicada no mundo", enfatiza.
"Ela sofreu, mas n�o desistiu de seu amor a Deus", comenta Lira.
Mensagem de santidade
Para Alves, o extraordin�rio � o fato de Santa Rita "ter se tornado uma figura ic�nica de mulher forte, que n�o se deixa abater pelas adversidades da vida".
"Sua vida foi uma sucess�o de sofrimentos, desde a viol�ncia dom�stica sofrida do marido antes de sua convers�o, at� o assassinato dele, o desejo de vingan�a dos filhos, a morte destes pela peste", analisa.
"Situa��es essas muito semelhantes �s que muitas fam�lias brasileiras vivem hoje, o que a torna t�o pr�xima e familiar � nossa gente."
O escritor acredita ainda que o "legado de santidade" de Rita tenha superado "o tempo, as fronteiras, os modelos e as classes sociais, bem como os paradigmas socioculturais".
"Fica dif�cil explicar racionalmente, a n�o ser pela f�. Como explicar que em um momento da hist�ria humana marcada pelo protagonismo masculino, aquela mulher se tornaria Santa Rita das causas imposs�veis?", reflete ele.
"Como explicar que uma simples mulher do povo, pobre, filha de camponeses, m�e de fam�lia, sem instru��o, exposta a toda sorte de viol�ncia, se tornaria amada e venerada para al�m do seu tempo, pelos cat�licos do mundo todo?"
"Desde o in�cio, sua mensagem � entendida por nossa gente. Mesmo antes de ser canonizada, Santa Rita j� era reconhecida como santa e venerada. Em 1727, no Rio de Janeiro, j� existia uma igreja a ela dedicada", enumera Alves.
"E logo sua devo��o se espalhou por toda a parte, sendo hoje inumer�veis as igrejas e capelas a ela dedicadas em terras brasileiras."
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