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Estado de Minas TREINADO NA SELVA

Bruno Pereira superou desconfian�a e ganhou respeito de ind�genas

Bruno Pereira desapareceu no Vale do Javari durante viagem com jornalista brit�nico Dom Phillips


13/06/2022 22:38 - atualizado 13/06/2022 22:38

Bruno Araújo Pereira junto com indígenas
O indigenista Bruno Ara�jo Pereira (ao centro), servidor da Funai que sumiu enquanto se deslocava de barco (foto: Divulga��o/Funai)
Quando Beto Marubo viu Bruno Ara�jo Pereira em 2010, ent�o com 30 anos, o ind�gena duvidou daquele jovem alto, branco e corpulento.

 

Beto era o respons�vel por dar uma esp�cie de curso aos novatos que estavam tomando posse como indigenistas na Funda��o Nacional do �ndio (Funai).

 

As aulas inclu�am incurs�es na selva ainda preservada da Terra Ind�gena Vale do Javari, no Oeste do Amazonas, e testava at� os mais resistentes. N�o demorou muito, por�m, para que a desconfian�a inicial se dissipasse.

 

"Ele n�o parecia que ia aguentar o tranco. Era muito branco, muito alto, muito grande. Mas ele tinha uma resist�ncia f�sica impressionante e se interessou muito pelo que a gente tinha a ensinar", contou Marubo. "Ele chegou como aluno, mas depois virou um irm�o", completou.

 

Doze anos depois, Beto Marubo e dezenas de ind�genas que conheciam de perto o trabalho de Bruno atuam nas buscas ao indigenista e ao jornalista brit�nico Dom Phillips, que est�o desaparecidos desde o dia 5 de junho na mesma regi�o de floresta onde Bruno iniciou sua carreira na Funai.

 

Marubo � coordenador da Uni�o dos Povos Ind�genas do Vale do Javari (Univaja), entidade para a qual Bruno estava atuando como consultor.

 

A �rea � conhecida pela atua��o de garimpeiros, pescadores ilegais e narcotraficantes, e tamb�m por abrigar a maior quantidade de ind�cios de povos isolados do Brasil.

 

Bruno era considerado uns dos maiores especialistas em ind�genas que vivem em isolamento ou de recente contato do pa�s.

 

Ele viajava com o Dom Phillips pelo Vale do Javari quando a dupla desapareceu.

 

As pol�cias Civil e Federal n�o descartam nenhuma hip�tese, mas, nos �ltimos dias, aumentaram os rumores de que a dupla poderia ter sido v�tima de uma emboscada.

 

As suspeitas s�o de que eles poderiam ter sido v�timas de um atentado praticado por grupos afetados pela atua��o de Bruno na regi�o, que visava a prote��o dos ind�genas contra a invas�o de garimpeiros e pescadores ilegais.

 

Ao longo dos �ltimos dias, um homem teve a pris�o preventiva decretada por suposta conex�o com o crime. A pol�cia encontrou vest�gios de sangue em seu barco.

 

A pol�cia tamb�m localizou mat�ria org�nica aparentemente humana pr�ximo ao munic�pio de Atalaia do Norte (a 1.136 quil�metros de Manaus). O material gen�tico est� sendo periciado pela Pol�cia Federal.

 

O desaparecimento da dupla gerou como��o internacional e fez com que organismos estrangeiros como a o Alto Comissariado das Na��es Unidas para os Direitos Humanos cobrasse uma resposta mais c�lere do governo brasileiro no trabalho de buscas.

 

Nesta segunda-feira (13/06), ve�culos de imprensa informaram que os corpos da dupla teriam sido encontrados, mas a Pol�cia Federal emitiu uma nota desmentindo a informa��o.


Peritos forenses examinaram um barco com vestígios de sangue no Vale do Javari em 9 de junho
Peritos examinaram um barco com vest�gios de sangue no Vale do Javari; resultado deve sair em 30 dias (foto: EPA)

Amaz�nia, lideran�a e asma na floresta

Bruno Pereira entrou na Funai na turma de 2010, um dos �ltimos concursos p�blicos feitos pelo �rg�o. Criado em Pernambuco, deixou o nordeste em meados dos anos 2000 para realizar um sonho: trabalhar na Amaz�nia.

 

"O primeiro emprego dele na Amaz�nia foi numa empresa terceirizada que atuava pr�ximo � hidrel�trica de Balbina, no Amazonas. N�o demorou muito e ele come�ou a prestar servi�os para a Funai. Quando veio o concurso, ele passou e, em 2010, come�ou a trabalhar para o �rg�o", conta Beto Marubo.

Para vencer completamente a desconfian�a, Bruno n�o contou apenas com a ajuda de ind�genas como Beto.

 

Pouco depois de tomar posse, ele passou uma temporada acompanhando o trabalho do indigenista Rieli Franciscato na Terra Ind�gena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rond�nia. Franciscato morreu em 2020 atingido por uma flecha durante uma expedi��o ao territ�rio de ind�genas isolados.

 

"Ele foi para Rond�nia e fez uma ou duas viagens. O Franciscato foi uma esp�cie de grande professor para todo mundo que queria aprender sobre os povos isolados e o Bruno aprendeu muito com ele. Quando ele sai de Rond�nia e volta para o Amazonas, ele j� era um grande conhecedor do assunto", disse Carlos Travassos, que chefiou a Coordena��o-Geral de �ndios Isolados e de Recente Contato da Funai entre 2011 e 2016.

 

A coordena��o � a respons�vel por implementar pol�ticas de prote��o e monitoramento aos povos isolados e foram contactados recentemente no Brasil. Essas popula��es se encontram na Amaz�nia e s�o consideradas vulner�veis tanto ao avan�o de atividades ilegais quanto do agroneg�cio, que pressiona a fronteira agr�cola do pa�s cada vez mais ao norte.

 

De acordo com a Funai, h� 114 registros de povos isolados no pa�s. Oficialmente, a pol�tica do governo brasileiro � de evitar o contato com esses ind�genas e garantir a prote��o �s terras onde eles vivem.

 

"Bruno voltou (ao Amazonas) muito preparado e, depois de um tempo, passou a conhecer o Vale do Javari muito bem. Ele sabia se orientar tanto pelos dados cartogr�ficos quanto pelo conhecimento ind�gena que tinha aprendido. A �nica coisa que atrapalhava, um pouco, � que ele tinha umas crises de asma de noite.

 

Mas ele tomava os rem�dios estava tudo bem", relembrou Beto Marubo.

 

Travassos contou que Bruno era conhecido entre os colegas como um profissional extremamente s�rio e qualificado e que conhecia bem o trabalho de campo e o funcionamento da administra��o p�blica.

 

Ele atuou como coordenador regional da Funai no Vale do Javari at� 2016, quando foi exonerado do cargo ap�s um conflito entre ind�genas de diferentes etnias terminar em morte.

Em 2018, por�m, ele assumiu a coordena��o geral de povos isolados, em Bras�lia. Sob o seu comando, o �rg�o realizou a maior expedi��o para contato de ind�genas em 20 anos.

 

A expedi��o tinha, justamente, o intuito de evitar novos conflitos entre o povo Matis, que j� tem contato com os n�o-ind�genas, e o povo Korubo, que vive em isolamento.

 

"A gente se aproximou muito porque temos a personalidade parecida. Ele � bem s�rio e focado, mas ao mesmo tempo, � uma pessoa extremamente bem-humorada e brincalhona", contou Travassos.

 

"Bruno tinha a postura de um l�der. No servi�o p�blico, � muito comum a gente encontrar pessoas com um perfil mais conciliador, que evita conflito. Ele n�o era assim. Ele se posicionava de forma bastante clara quando via alguma coisa errada", lembrou o antrop�logo Fernando Vianna, que preside a organiza��o Indigenistas Associados (INA), que re�ne servidores da Funai.


Mapa da região do Vale do Javari
Mapa da regi�o do Vale do Javari (foto: Unijava)

Sucesso e demiss�o

Entre o final de 2018 e in�cio de 2019, Bruno procurou o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renov�veis (Ibama) com um alerta: dragas de garimpeiros ilegais estavam se aproximando perigosamente da �rea onde havia registros de povos isolados no Vale do Javari.

 

O ent�o coordenador de opera��es de fiscaliza��o do �rg�o, Hugo Loss, passou a montar, junto com Bruno, uma opera��o para conter o avan�o dos garimpeiros. O problema, no entanto, � que como as dragas j� estava muito dentro da terra ind�gena, as aeronaves do Ibama n�o teriam autonomia de voo para chegar �s �reas onde elas estavam.

 

"Foi o Bruno que resolveu todas as quest�es log�sticas. Ele conhecia o territ�rio e nos ajudou a montar uma rota que permitiu a chegada dos nossos helic�pteros na regi�o", lembrou Hugo Loss.

 

A opera��o aconteceu em setembro de 2019 e foi considerada um sucesso operacional. Pelo menos 60 balsas foram destru�das em uma a��o conjunta da Funai, Ibama e Pol�cia Federal. Mesmo assim, menos de um m�s depois, em outubro, Bruno foi exonerado.

 

"Eu liguei para ele um tempo depois da opera��o para falar sobre outras a��es que a gente queria fazer na regi�o e ele me disse que tinha sido exonerado. Perguntei o que ele ia fazer e ele disse que ia se dedicar a uns projetos pessoais", lembrou Hugo Loss.

 

Em abril de 2020, foi a vez de Loss ser exonerado do cargo ap�s liderar outra opera��o de combate a garimpos ilegais, daquela vez no Par�.

Segunda chance

Ap�s a exonera��o, Bruno pediu uma licen�a para tratar de assuntos particulares e passou a atuar como consultor Univaja. Entre as suas atribui��es estava a estrutura��o de projetos voltados � prote��o da regi�o contra a atua��o de garimpeiros, pescadores ilegais e narcotraficantes.

 

Foi nessa �poca que ele passou a ser amea�ado por seu trabalho na regi�o. Segundo o jornal O Globo, uma carta com amea�as de morte contra Beto Marubo e Bruno foi enviada � Univaja.

 

Beto Marubo diz que as amea�as n�o paralisavam Bruno, mas que, nos �ltimos anos, os dois tomavam mais cuidado ao irem � regi�o de Atalaia do Norte.

 

"O Bruno n�o parou por conta das amea�as, mas ele tomava muito cuidado. N�o dava mais pra gente ficar em Atalaia do Norte da mesma forma que a gente ficava antes. Eu moro em Bras�lia e ele foi morar em Bel�m", conta Marubo.

 

A ida de Bruno a Bel�m coincidiu com um novo momento em sua vida pessoal. Beto Marubo conta que Bruno tem uma filha de 16 anos fruto de um relacionamento anterior e que, por conta do trabalho, n�o teve como se dedicar o suficiente. Agora, ele tentava fazer diferente.

 

"Ele teve duas crian�as com a Beatriz e, nos �ltimos tempos, ele falava muito sobre a saudade que tinha de estar com as crian�as e com a mulher. Todas as viagens eram muito planejadas para ele n�o ficar muito tempo longe da fam�lia. Era como se fosse uma segunda chance pra ele", contou Marubo.

 

Hugo Loss diz que o desaparecimento de Bruno e Dom Phillips o fez pensar sobre os riscos que pessoas que, como Bruno e ele, atuam na defesa do meio ambiente e dos povos ind�genas.

 

"Quando as not�cias sa�ram, minha m�e, meu pai, minha companheira, todo mundo me ligou preocupado. No final, eu comecei a pensar que poderia ter acontecido comigo ou com algum companheiro de trabalho. Muita gente j� desapareceu e ainda vai desaparecer defendendo a Amaz�nia", disse.

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