
� um caso peculiar dentro do cristianismo: um santo festejado tanto por seu nascimento, em 24 de junho, quanto por sua morte, 29 de agosto. Normalmente, os cat�licos celebram a morte do santo como aquele dia em que eles "nascem" para a Deus.
Jo�o Batista foi o homem que, de certa forma, abriu as portas para a miss�o de Jesus. Pregador itinerante nascido na Judeia, ele se tornou l�der religioso de um grupo de judeus da �poca, exaltando a import�ncia de valores como retid�o e da pr�tica da virtude. No intuito de purificar as almas, lan�ava m�o do batismo — realizado em cursos d'�gua, em cerim�nias epif�nicas.
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O batismo n�o foi uma inven��o de Jo�o, pois j� era praticado na �poca. A novidade trazida por ele foi o fato de que ele n�o restringia a participa��o aos judeus, permitindo tamb�m que o ritual servisse para a convers�o dos considerados pag�os — e isso motivou pol�micas em seu meio.
De acordo com os textos b�blicos, Jo�o era parente de Jesus. Ele era filho de Zacarias, um sacerdote, e de Isabel, uma prima de Maria, a m�e de Jesus. Segundo a literatura sagrada, Jesus iniciou sua miss�o evangelizadora somente ap�s ter sido ele pr�prio batizado pelo primo nas �guas do Rio Jord�o.
Para muitos, Jo�o � exaltado como o maior dos profetas.
Como costumava acontecer em grupos religiosos daquela �poca — a exemplo do pr�prio Jesus —, as prega��es de Jo�o passaram a incomodar o poder estabelecido. Preso por dez meses, provavelmente em algum momento entre o ano 26 e o ano 28 da era crist�, Jo�o acabou condenado � morte pelo governante Herodes Antipas (20 a.C - cerca de 39 d.C). N�o se sabe exatamente a idade que Jo�o tinha quando foi morto, mas � certo que era mais velho do que seu primo Jesus.
Por muito tempo, pairavam controv�rsias sobre a historicidade de Jo�o Batista. O principal documento, contudo, que atesta a sua exist�ncia � o livro Antiguidades Judaicas, escrito pelo historiador romano Fl�vio Josefo (37-100) provavelmente no ano de 94.
"Jo�o Batista � um personagem b�blico, mas para al�m dessa refer�ncia tamb�m h� um historiador muito importante, Fl�vio Josefo, que se refere a ele em suas obras. � um historiador que tem uma vis�o muito isenta, porque n�o � ligado � tradi��o crist�", pondera o estudioso de hagiografias Thiago Maerki, pesquisador da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp) e associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos.
"Por muito tempo houve a controv�rsia se Jo�o Batista existiu de fato ou se seria uma constru��o lend�ria, liter�ria. Tudo indica que existiu de fato, por conta de testemunhos externos � Igreja. E talvez este [o livro de Josefo] seja o mais importante", acrescenta Maerki.
O pesquisador ressalta que Josefo "se refere a Jo�o Batista" como algu�m "que costumava reunir uma multid�o em torno dele para ouvir sua prega��o". "Havia, portanto, muitos seguidores. E isso teria incomodado Herodes", narra Maerki. "Temia-se que Jo�o pudesse iniciar uma rebeli�o. Suas prega��es incomodavam o poder. Por isso acaba sendo preso e morto em seguida."
De acordo com as narrativas antigas, foi morto por decapita��o. E teve sua cabe�a apresentada em uma bandeja.
"Ele viveu na Galileia no reinado de Herodes e possuiu muitos seguidores, pregava aos judeus e fazia do batismo s�mbolo de purifica��o da alma. Ele era filho de Zacarias, sacerdote, e de Isabel, prima de Maria Sant�ssima. Al�m de primo de Jesus. Sua m�e, Isabel, era prima de Maria, Jo�o ainda no ventre da m�e celebrou Jesus tamb�m no ventre de Maria como vemos em Lucas. Foi tamb�m ele o precursor de Jesus e sua mensagem salv�fica", acrescenta o hagi�logo Jos� Lu�s Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor da Universidade Estadual Vale do Araca�, do Cear�.
"N�o bastasse tudo isso, ele batizou Jesus. Ent�o, n�o s� o cristianismo, mas, diversas religi�es o celebram. De um modo geral, Jo�o Batista � m�rtir. Morreu em defesa da f�. E j� os disc�pulos de Jesus o tratavam com rever�ncia. No martirol�gio romano encontramos duas celebra��es a ele, no nascimento e no mart�rio", diz ainda o hagi�logo.
Simbolismos de Jo�o
Embora existisse essa rever�ncia ao personagem desde os primeiros crist�os, Maerki lembra que oficialmente o cristianismo s� oficializou uma solenidade � natividade de S�o Jo�o no s�culo 4, "conforme ind�cios". "Depois essa celebra��o foi se difundindo nos s�culos seguintes e, j� no s�culo 6, houve um aprimoramento da festividade, precedida de um jejum solene, com missa de vig�lia e tal. Na Idade M�dia, h� o hist�rico de celebra��es com tr�s missas para a data", contextualiza. "Era uma festa das mais importantes, das mais cultivadas e das mais populares da �poca. E isso � importante porque ainda hoje a gente sabe que Jo�o Batista � dos santos mais populares, mais venerados, de tradi��o muito forte que remonta ao per�odo medieval."
Claro que h� simbolismos, e a escolha de datas assim, provavelmente definidas a posteriori, n�o foi � toa. "Jo�o Batista teria sido concebido no equin�cio de outono e teria nascido no solst�cio do ver�o europeu. Isso � importante. Santo Agostinho, depois, v� nisso uma esp�cie de confirma��o c�smica do vers�culo b�blico que diz que � necess�rio 'que ele cres�a e eu diminua'. Agostinho interpretou esse vers�culo como uma refer�ncia indireta ao nascimento de Jo�o Batista", afirma Maerki.

"Alguns te�logos ainda apontam para um certo paralelismo com o Natal de Jesus, que acontece no inverno europeu, quando analisam o natal de Jo�o, ver�o europeu", complementa o pesquisador. "Isso teria dado origem a manifesta��es folcl�ricas, inclusive os fogos de S�o Jo�o que representam e simbolizam o nascimento do santo. � o nascimento mas tamb�m � em refer�ncia ao in�cio do ver�o. S�o rela��es curiosas que, certamente surgiram por meios populares e foram se enraizando. Depois acabaram aceitas e cultivadas inclusive pela Igreja", diz o pesquisador.
De qualquer forma, os pr�prios textos b�blicos concedem a Jo�o uma posi��o especial. "Jo�o � apresentado como o precursor do messias e essa imagem � muito forte, � daquele que prepara o caminho da salva��o", pontua Maerki. "H� todo um car�ter messi�nico. Ele vai ser apontado como o profeta que indicou em Cristo o 'cordeiro enviado para expiar os pecados do mundo', aquele que primeiramente teria visto em Jesus o car�ter daquele que teria sido enviado por Deus. E a partir da� teria iniciado um novo momento na prega��o de Jo�o, n�o s� de anunciar que o messias estava pr�ximo mas que esse messias seria o pr�prio Jesus, uma tradi��o b�blica que depois a igreja aprofunda, desenvolve e festeja."
O Evangelho de Mateus, por exemplo, apresenta Jo�o Batista como algu�m muito maior do que um profeta, como o profeta dos profetas. "Porque, diferentemente dos profetas que falavam do futuro, ele indicou o messias no presente. Isso � muito forte na tradi��o religiosa. Ele � algu�m que n�o anuncia um futuro distante, ele anuncia um messias que est� presente, que se faz presente no momento em que ele fala", comenta o hagi�logo. Essa primazia � uma interpreta��o comum a muitos te�logos e estudiosos de textos sagrados.
Rivalidade fraterna
Por outro lado, enquanto a Igreja consolidou essa vis�o de Jo�o Batista como precursor de Jesus, pesquisas contempor�neas identificam, sobretudo em evangelhos ap�crifos — aqueles que n�o s�o considerados no c�non oficial do cristianismo — mas tamb�m em an�lise dos textos que constam da B�blia, uma certa rivalidade entre os dois l�deres da mesma �poca e da mesma regi�o.
"Havia uma grande pol�mica entre os disc�pulos de Jo�o Batista e de Jesus, e essa pol�mica emerge dos pr�prios evangelhos. Parece que o pr�prio Batista n�o estava muito convencido do carisma prof�tico de Jesus, da messianidade de Jesus", aponta Maerki. "Tanto que quando ele estava preso, ele enviou alguns de seus seguidores, os que mais confiava, para perguntarem em seu nome se Jesus era aquele que havia de vir de fato ou se ele devia esperar outro."
"Isso revela, indiretamente, uma d�vida de Jo�o Batista, ou seja, a Igreja sempre aceitou Jo�o Batista como esse grande profeta mas talvez nem o pr�prio Jo�o Batista acreditasse nisso", analisa o pesquisador.
Para Maerki, outro fato que corrobora essa tese � que mesmo que o relato b�blico aponte que, no epis�dio do batismo de Jesus, Jo�o e os demais presentes souberam, por uma voz, que estavam diante do filho de Deus, "o eleito", ele n�o decidiu dissolver seu grupo, sua escola de prega��o, tampouco se unir aos seguidores de Jesus. "Ele continuava sua caminhada, paralelamente � caminhada de Jesus. Isso � muito significativo", comenta.

Nesse sentido, h� o entendimento de que os seguidores de Jo�o Batista poderiam respeitar e considerar Jesus um grande mestre, mas n�o um messias. E que, em �ltima an�lise, essa posi��o poderia ser a mesma de Jo�o, uma vez que ele manteve suas prega��es.
"Depois que Batista foi executado, formou-se um grupo de seguidores que inclusive passaram a defend�-lo como o verdadeiro messias", conta Maerki. "Ele se transformou em uma esp�cie de rival de Jesus. Isso n�o � comentado na b�blia can�nica, mas aparece em texto ap�crifos."
No texto ap�crifo conhecido como Evangelho de Tom�, Jesus teria dito que "ningu�m � t�o maior do que Jo�o Batista". "Isso � parecido com o Evangelho de Lucas, em que aparece algo assim, de que 'entre os nascidos de mulher, n�o h� profeta maior do que Jo�o Batista, mas o menor no Reino de Deus � maior do que ele'", diz o pesquisador.
"Isso talvez seja o pano de fundo, e essa fala de Jesus seja justamente em torno dessa pol�mica, dessa rivalidade existente entre os dois", explica.
Festas juninas
Pol�micas � parte, fato � que Jo�o Batista se tornou das figuras mais importantes para o cristianismo, e um santo muito popular. Como personagem, transcende o catolicismo — tornou-se figura folcl�rica, celebrada, ao lado de Santo Ant�nio e S�o Pedro, nas famosas festas juninas t�o tradicionais nesta �poca do ano no Brasil.
Algumas lendas ajudam a explicar os elementos t�picos da comemora��o. "Uma antiga tradi��o diz que Jo�o nasceu no alto de uma montanha e que uma fogueira foi acesa quando sua m�e, Isabel, entrou em trabalho de parto para avisar aos parentes que moravam na plan�cie. Pode ser da� o in�cio das festas de junho, juninas", diz Lira.
"Primeiro se celebra Santo Antonio, jovem na hist�ria do cristianismo, depois Jo�o e Pedro contempor�neos de Jesus. As festas brasileiras vieram com o colonizador portugu�s e aqui no Nordeste brasileiro t�m caracter�sticas bem pr�prias e animam as noites do sert�o e da cidade, incluindo a tradi��o de se tomar afilhados, padrinhos, compadres de fogueira, com a intercess�o do santo."
"Nos locais nos quais Jo�o � padroeiro o noven�rio � de nove dias, sendo o dia 24 o principal da festa. Catolicamente � esse o rito, mas, o folclore o celebra com fogueira na v�spera e outras tradi��es. A Igreja celebra do seu modo a festa, mas, n�o h� qualquer tipo de proibi��o formal aos outros festejos aos santos. E viva S�o Jo�o", enaltece o hagi�logo.
Arcebispo do Rio de Janeiro, o cardeal Orani Jo�o Tempesta — que tem Jo�o como segundo nome justamente porque nasceu na v�spera da festa de Jo�o Batista, em 1950 — tamb�m v� com bons olhos as festividades populares.
"O m�s de junho traz para n�s, brasileiros, a oportunidade de confraterniza��o, participa��o e, ao mesmo tempo, alegria", comenta ele. "� tempo de comemorar os santos Ant�nio, Jo�o e Pedro e, tamb�m, confraternizar com as pessoas juntos, sentir essa proximidade, celebrar a presen�a na regi�o, na cidade."
"Vemos S�o Jo�o sendo celebrado em todo lugar, com tradi��es, alimentos, bebidas, fogueira, fogos, bandeirinhas… Enfim, cada lugar tem um pouco suas caracter�sticas. Como nasci na v�spera de S�o Jo�o, nunca faltou, em minha inf�ncia a comemora��o folcl�rica da festa de S�o Jo�o, com os doces pr�prios e as comidas t�picas", ressalta o cardeal. "Isso faz bem para o povo. Nosso povo necessita desses momentos de folguedo, de podermos estar um pouco mais tranquilos e celebrando uns com os outros em meio a tantas dificuldades."
Tempesta acredita que tais eventos servem para que todos possam "festejar a nossa esperan�a e a confian�a de poder ver dias melhores de paz e fraternidade".
'Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-61908026'
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