
Igor Carvalh�es cresceu sem contato com o pai e perdeu a m�e, que era empregada dom�stica, aos 13 anos, por um acidente vascular cerebral (AVC). O menino, de Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro, foi morar com a av� e assumiu para si a responsabilidade de sustentar os outros tr�s irm�os. Come�ou a trabalhar como jovem aprendiz, enquanto tentava terminar os estudos.
Assim que se formou no Ensino M�dio, tomou uma decis�o. "Fiz concurso para a Marinha. Vi que minha melhor chance de um futuro era seguir a carreira militar". Carvalh�es � pragm�tico ao citar os dois motivos que o levaram a se tornar fuzileiro naval — estabilidade e sal�rio certo no fim do m�s.
"A minha quest�o principal foi a financeira. Embora um soldado ou cabo n�o ganhe muito bem, � um dinheiro certinho. Se eu tiver que financiar um carro ou casa, os bancos me d�o essa facilidade por eu ter um trabalho vital�cio", diz ele � BBC News Brasil.
Um n�mero surpreendentemente alto de jovens pretende atualmente seguir os mesmos passos de Carvalh�es, ingressando nas For�as Armadas ou Pol�cia Militar.
Uma pesquisa in�dita, a que a BBC News Brasil teve acesso, revela que 43,9% dos brasileiros entre 16 e 26 anos avaliam seguir uma carreira militar. As For�as Armadas s�o as que mais atraem interessados: 47,5%.

Entre os homens, o percentual dos interessados em entrar para Marinha, Aeron�utica ou Ex�rcito chega a 50,5%. Entre mulheres, ele � de 44,9%.
A pesquisa ouviu 2.055 pessoas em todas as regi�es do pa�s e foi feita pela Universidade de Oxford (Inglaterra), o Centro Brasileiro de An�lise e Planejamento, da USP (Universidade de S�o Paulo), e as universidades federais de S�o Carlos (UFSCar), Minas Gerais (UFMG) e Pernambuco (UFPE).
Em entrevista � BBC News Brasil, a antrop�loga Andreza de Souza Santos, professora da Universidade de Oxford, aponta tr�s fatores para o grande interesse dos jovens nas carreiras militares: desejo de estabilidade, desilus�o generalizada com o mercado de trabalho e o elevado pragmatismo da nova gera��o, que elenca alimenta��o e sal�rio como prioridades em vez de "felicidade e realiza��o pessoal".
Ou seja, o estudo mostra que os jovens n�o procuram carreiras militares para serem felizes profissionalmente, mas por enxergarem nessa escolha um caminho para fugir da pobreza, garantir o pr�prio sustento e ter um emprego vital�cio, diante de um cen�rio de poucas oportunidades.
Mas a grande presen�a militar no governo pode ter jogado maior holofote sobre essa carreira tamb�m. Atualmente, mais de 6 mil militares ocupam cargos de confian�a no Executivo, o que representa 18% do total dos postos dispon�veis.
"No governo Jair Bolsonaro, houve um aumento da representa��o dos militares em cargos comissionados e tamb�m um aumento do aporte financeiro �s For�as Armadas. Isso pode gerar a percep��o de uma carreira em valoriza��o, al�m de est�vel", diz Santos, ressalvando, por�m, que os dados da pesquisa apontam que o maior motor do interesse dos jovens pelas carreiras militares � financeiro, n�o ideol�gico ou vocacional.
Busca por estabilidade diante de crises e pandemia

A prolongada crise financeira no Brasil, iniciada em 2014, aliada � pandemia do coronav�rus, parece ter tido impacto profundo nas prioridades da gera��o atual de jovens.
Com a alta taxa de desemprego e empresas fechando as portas durante a pandemia de covid-19, muitos jovens passam a colocar estabilidade � frente de realiza��o profissional, diz Andreza de Souza Santos.
"Se na minha gera��o, de nascidos nos anos 80, muitos de n�s fal�vamos em entrar para universidade, em carreiras na iniciativa privada e empreendedorismo, agora muitos procuram op��es que garantam estabilidade. � a� que entram as carreiras militares", explica Santos � BBC News Brasil.
"A informalidade e o empreendedorismo individual perderam um pouco de impulso durante a pandemia, porque voc� viu os riscos, a dificuldade que � voc� n�o poder trabalhar e n�o ter um sal�rio fixo, n�o ter uma pens�o, n�o ter um plano de sa�de atrelado. Procura por universidades tamb�m perdeu for�a e tivemos uma das menores taxas de inscritos no Enem (Exame Nacional do Ensino M�dio)", completa.
O cabo Carvalh�es faz coro a essa avalia��o. Ele diz que a maioria de seus colegas militares ingressou na carreira de olho, inicialmente, em ter um emprego garantido, sal�rio todo fim de m�s e aposentadoria. A pandemia, segundo ele, refor�ou a procura com essas motiva��es.
"Creio que a grande maioria das pessoas se interessa primeiramente pela estabilidade financeira. O mundo pode estar caindo, mas o pagamento do militar chega todo dia primeiro de cada m�s. � diferente de outros profissionais e at� outros servidores p�blicos."
Ele come�ou ganhando cerca de R$ 2 mil como soldado. Depois de virar cabo, passou a ganhar R$ 3 mil. Agora, sonha com a promo��o a sargento, para ganhar R$ 5 mil e conseguir financiar uma casa pr�pria.
"Meu interesse inicial foi a estabilidade, voc� tem uma certa moral, respeito. Consegui comprar meu carrinho, alugar minha casa. Agora, sinto tamb�m o orgulho de servir a p�tria e vestir a farda."
Falta de perspectivas para o futuro

Essa grande busca por estabilidade se explica por uma sensa��o generalizada de falta de oportunidades, explica Dalson Britto Figueiredo Filho, professor da UFPE e um dos autores do estudo.
A pesquisa captou uma forte sensa��o de desilus�o entre os jovens sobre suas possibilidades profissionais — 67,3% consideram a oferta de empregos em suas cidades baixa, muito baixa ou nenhuma. No Nordeste, essa percep��o negativa quanto �s oportunidades de trabalho � compartilhada por 75,9% dos jovens.
"De acordo com nossos resultados, a falta de perspectiva econ�mica � um dos principais fatores que explicam o interesse dos jovens brasileiros pelas carreiras militares. Quando questionados sobre a oferta de empregos, dois em cada tr�s respondentes acreditam que a quantidade de empregos � baixa ou muito baixa", diz Figueiredo Filho � BBC News Brasil.
Igor Carvalh�es sempre foi bom aluno, apesar de ter que trabalhar e estudar ao mesmo tempo por causa das dificuldades financeiras da fam�lia. Mas, ao concluir o Ensino M�dio, avaliou que as oportunidades de emprego eram escassas at� para quem tinha curso superior. Por isso, diz ele, preferiu fazer cursinho para cabo na Marinha.
"O mercado de trabalho est� muito ruim. J� estava ruim em 2015, quando eu terminei o Ensino M�dio. At� para quem se forma na universidade est� dif�cil de achar emprego. Ent�o, decidi fazer concurso, em vez de vestibular."
Pragmatismo
Outro fator que parece impulsionar a procura por carreiras militares � o pragmatismo da gera��o atual de jovens entre 16 e 26 anos. A pesquisa revela que eles n�o buscam "felicidade e realiza��o pessoal" ao pensar nas For�as Armadas ou PM, mas sim "alimenta��o, remunera��o e estabilidade".
"Perguntamos a 2.055 jovens brasileiros quais as raz�es para ingressar na carreira militar. Para cada item, o respondente poderia atribuir valores de 1 (nada importante) at� 5 (muito importante). Alimenta��o (4,1), Remunera��o (3,99) e Emprego/Estabiidade (3,96) lideram o ranking de prioridades", diz Figueiredo Filho.
"Por outro lado, a felicidade e realiza��o profissional aparecem na �ltima posi��o, com m�dia de 3,26."
Para o pesquisador, isso evidencia que "as motiva��es para seguir a carreira militar no Brasil s�o predominantemente econ�micas."
"O jovem vai porque precisa e n�o porque espera se realizar profissionalmente nessa modalidade de trabalho. �, antes de tudo, uma quest�o de subsist�ncia material e n�o de realiza��o subjetiva pessoal", avalia o professor de Ci�ncia Pol�tica da UFPE.
Pa�s sem guerras no exterior
O cabo Igor Carvalh�es menciona outro aspecto importante quando o jovem vai colocar na balan�a a decis�o de seguir carreira nas For�as Armadas — o fato de o Brasil n�o ter envolvimento em guerras e conflitos no exterior (com exce��o de participa��es recentes em miss�es de paz na ONU em pa�ses como Haiti e Congo).
"O fato de o Brasil ser um pa�s pacifico e n�o estar constantemente em guerra conta. Se fosse um pa�s com militarismo muito ativo, como Estados Unidos, tenho certeza que essas pessoas pensariam duas vezes", diz.

De fato, a pesquisa sobre interesse militar revela uma grande diferen�a quando se compara Brasil com Estados Unidos. Enquanto no Brasil mais da metade dos homens cogitam entrar para as For�as Armadas, nos EUA esse percentual � de 14%.
"Os Estados Unidos t�m uma for�a militar muito grande e uma carreira que tem um certo prest�gio, tem uma hist�ria, mas tamb�m � uma carreira que manda jovens para a guerra. A carreira militar no Brasil � voltada para atividades dentro da fronteira, n�o para guerras externas", destaca Andreza de Souza Santos, da Universidade de Oxford.
"O jovem brasileiro quando pensa em ingressar na carreira militar n�o est� vislumbrando a possibilidade de uma morte violenta, mas antes focado em suprir necessidades b�sicas de alimenta��o e moradia", completa Dalson Figueiredo Filho, da UFPE.
Essa � uma das hip�teses para o interesse menor em ingressar na Pol�cia Militar, em compara��o com as For�as Armadas. O trabalho da PM, especialmente em grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e S�o Paulo, � tido como de alto risco.

Segundo a pesquisa da Universidade de Oxford e universidades brasileiras, 36% dos jovens entre 16 e 26 anos t�m interesse em virar policiais militares. A imagem das For�as Armadas tamb�m � melhor entre a juventude brasileira que a imagem da PM.
O estudo mostra que, entre os jovens, 5,7% t�m uma avalia��o negativa das For�as Armadas, enquanto esse percentual praticamente dobra para as pol�cias militares — 11,2% dos entrevistados dizem ter "imagem negativa" da PM.
"Uma poss�vel explica��o para esse resultado passa pelos constantes eventos de trucul�ncia da PM que s�o reiteradamente veiculados na m�dia. De acordo com as evid�ncias mais recentes, a pol�cia brasileira � uma das mais letais do mundo", destaca o professor Dalson Figueiredo Filho.
Segundo Andreza de Souza Santos, a letalidade da PM pode tamb�m estar por tr�s do perfil t�pico dos interessados em carreiras militares. Embora, a maioria dos jovens que buscam essa op��o seja de classe m�dia baixa e pardos, quem � preto e muito pobre n�o costuma vislumbrar a op��o de virar PM ou entrar para as For�as Armadas, diz a pesquisadora.
"N�s levantamos o grau de escolaridade e renda dos pais dos jovens entrevistados. E tem mais propens�o a optar pela carreira militar os jovens pardos com pais de escolaridade m�dia ou baixa, e renda m�dia ou baixa. Os pretos muito pobres n�o est�o nesse perfil t�pico", diz Santos.
"A� vem a quest�o de como as for�as de seguran�a de um Estado policial chegam nas periferias mais pobres: com viol�ncia e olhando jovens n�o como potenciais policiais, mas potenciais criminosos. Esse primeiro contato com a pol�cia pode ter influ�ncia no fato de o jovem preto de baixa renda n�o ter as For�as Armadas e a pol�cia como perfil de carreira na mesma medida que pardos de renda um pouco maior."
'Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61710533'
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