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Estado de Minas SUPERA��O

L�der dos usu�rios de drogas deixa a cracol�ndia ap�s 39 anos de v�cio

Anos de v�cio em drogas distanciaram Reginaldo dos Santos da fam�lia e, h� 20 anos, n�o tem mais contato com nenhum parente. Ele calcula ter 19 filhos


12/09/2022 12:47 - atualizado 12/09/2022 13:21
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Cracolândia, em São Paulo
Cracol�ndia, em S�o Paulo (foto: Rovena Rosa/Ag�ncia Brasil)

De camisa branca, cal�a e sapatos sociais, Reginaldo dos Santos, 57, � categ�rico ao se referir ao apelido pelo qual foi conhecido por mais de 30 anos na cracol�ndia. "O Mafalda morreu, agora eu sou o 'salveiro' de Jesus", diz segurando uma b�blia com a figura de um le�o na capa.

Na cracol�ndia, "salveiro" � quem "d� o salve", o respons�vel por fazer a comunica��o entre a pol�cia, o crime organizado e o fluxo, como � chamada a aglomera��o de usu�rios de drogas no centro de S�o Paulo.

"Eu era o comunicador, o negociador", diz ele sobre a fun��o que exerceu nos �ltimos nove anos na cracol�ndia. "Chegava a GCM (Guarda Civil Metropolitana) [no fluxo] e n�o tinha ningu�m l� para falar [com os guardas]. Eu, ent�o, perguntava o que eles queriam. N�o conseguia barrar a a��o, mas dava tempo de organizar as pessoas. Eu mantinha a integridade f�sica de todos com o di�logo", lembra ele, que nega ter feito parte de qualquer organiza��o criminosa.

Durante as a��es policiais recentes para prender traficantes e dispersar o fluxo era ele quem repassava as ordens da GCM aos usu�rios de drogas para se manterem sentados no asfalto e formarem fila para serem revistados. Quase sempre usava cal�as largas de palha�o em alus�o � sua carreira de 23 anos como artista circense que lhe rendeu o apelido da personagem que costumava interpretar no picadeiro, a Vov� Mafalda.

Segundo as investiga��es da Pol�cia Civil, Santos � classificado como "lagarto", nome dado aos usu�rios que gozam da confian�a dos traficantes da cracol�ndia e, geralmente, prestam servi�os para sustentar o v�cio em crack. "N�o h� ind�cios de que ele traficava", diz Roberto Monteiro, delegado da 1ª Seccional do Centro.

Quando n�o estava no fluxo, ele ficava em um quarto de hotel pr�ximo onde era procurado com frequ�ncia para resolver conflitos entre usu�rios. "Eu n�o tinha sossego. Era [chamado] de dia e de noite", diz.

H� pouco mais de um m�s, a despedida de Mafalda foi definitiva. "Cansei. Eu ajudava todos, era padre, psic�logo, conselheiro sentimental, juiz, mas quando precisei de ajuda, fiquei deitado sozinho em um sof� no meio do fluxo. N�o tinha for�as nem para buscar comida", lembra sobre o per�odo recente em que contraiu pneumonia e tuberculose.

"Nunca estive t�o mal a ponto de procurar ajuda", diz sobre o momento em que tomou a decis�o de abandonar o v�cio. Ele conta ter chegado a consumir 15 gramas de crack por dia. "Eu fumava [crack] todo dia, sem parar, era como fumar cigarro", lembra.

Foi quando finalmente aceitou o convite para deixar a cracol�ndia e buscar tratamento na comunidade terap�utica do projeto Da Pedra para a Rocha, que resgata usu�rios de drogas das ruas de S�o Paulo h� dez anos. Era uma sexta-feira a tarde e integrantes do projeto distribu�am refei��es na cracol�ndia.

"Quando ele pediu ajuda, eu nem acreditei porque o via h� anos na cracol�ndia. Tive que pedir a outro irm�o para busc�-lo porque sabia que n�o podia esperar [at� o fim da distribui��o]", conta Jos� Roberto Floriano, o Bet�o, ex-traficante que integra o projeto social dedicado a recuperar dependentes qu�micos mantido por Jos� Ricardo Cypriano, 47, o pastor Rica.

Ex-usu�rio de drogas, o pastor da igreja Bola de Neve mant�m outras duas comunidades terap�uticas em S�o Paulo. Nas unidades, todo o trabalho � feito por ex-internos que tamb�m disp�em de um abrigo ap�s o tratamento at� conseguirem retomar a vida em sociedade. Santos, por exemplo, trabalha na cozinha e ajuda no preparo das refei��es dos internos.

O projeto mant�m parceria com empresas que se disponibilizam a empregar os ex-dependentes qu�micos. Segundo o pastor, 12 est�o trabalhando ap�s passarem pelo projeto. "Tem que trazer para junto, n�o adianta s� oferecer tratamento e depois cada um que se vire", diz o pastor.

Em tratamento, Santos conta n�o ter tido crises de abstin�ncia, apenas dificuldade em obedecer aos hor�rios das refei��es, em vez de comer quando quer, como costumava ser sua rotina. "Eu tinha tudo na m�o na hora que queria, n�o pagava por nada", conta sobre o sistema vigente entre os usu�rios em que pedras de crack s�o usadas como moeda de troca para quase tudo.

Os anos de v�cio em drogas o distanciaram da fam�lia e, h� 20 anos, n�o tem mais contato com nenhum parente. Ele calcula ter 19 filhos. "Eu era palha�o, ladr�o de mulher, como diz o ditado", diz sobre a carreira como artista circense. "Tenho o teste de DNA de quatro filhos", continua.

A vida itinerante entremeada pelo v�cio em drogas come�ou aos 17 anos, quando que ele decidiu deixar a fam�lia em Campinas, no interior de S�o Paulo, onde morava para seguir o circo. "Eu me apaixonei pela bailarina e fui embora", lembra. "Fui artista circense por 23 anos, rodei quase o Brasil todo e tive dois circos".

Ele diz que o primeiro contato com a droga foi aos 13 anos, quando experimentou cola e maconha. Em um dia de folga das apresenta��es no circo, no largo do Paissandu, no centro de S�o Paulo, Santos experimentou crack pela primeira vez, quando tinha 18 anos. "Na �poca, [a droga] se chamava casquinha. Foi o beijo da morte, nunca mais larguei", lembra.

Entre os muitos n�meros circenses que conta ter realizado ao longo de 23 anos, o papel de palha�o � o que ele acredita fazer melhor. "Fazia o quadro da fam�lia Buscap� em que entram v�rios palha�os dentro de um t�xi maluco. Eu fazia a mulher idosa, a vov�", lembra sobre o in�cio das atra��es como vov� Mafalda.

Uma semana ap�s ter deixado a cracol�ndia, Reginaldo pediu para voltar ao fluxo de usu�rios "e sentir a emo��o de ter deixado aquele lugar", diz ele.

As visitas passaram a ser semanais, toda sexta-feira a noite, para distribuir pratos de sopa aos usu�rios de drogas. "Quando eu chego l�, grito 'e a�, fam�lia? Chegou a sopa de Jesus" conta. "As pessoas choram ao ver a minha transforma��o. Se eu consegui [deixar o v�cio], elas tamb�m podem. A mensagem � essa", diz o ex-frequentador da cracol�ndia que conta j� ter convencido outros seis usu�rios a buscar tratamento em pouco mais de um m�s.


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