Nossa Senhora Aparecida: 10 perguntas sobre a santa padroeira do Brasil que, 300 anos depois, continuam sem respostas definitivas

Ela � feita de barro, tem 36 cent�metros de altura e pesa 2,50 kg. Mas, n�o se engane: essa fr�gil est�tua de Nossa Senhora da Concei��o Aparecida tem uma for�a excepcional. Todos os anos, ela recebe uma m�dia de 12 milh�es de visitantes em sua casa, o maior santu�rio mariano do mundo, a 180 quil�metros de S�o Paulo (SP).

"Aparecida conquistou o Brasil antes mesmo de existir em nosso pa�s um hino (1822) ou uma bandeira nacional (1889). A santinha, encontrada por tr�s pescadores no Rio Para�ba do Sul em 1717, foi o primeiro s�mbolo realmente brasileiro e de alcance nacional", afirma o jornalista Rodrigo Alvarez, autor de Milagres - Hist�rias Reais sobre Acontecimentos Extraordin�rios Atribu�dos � Interven��o de Nossa Senhora Aparecida (Record), o segundo volume dedicado � padroeira do Brasil.

Se a capela original, inaugurada em 1745, tinha 32 palmos de largura por 76 de comprimento (cerca de sete metros por 16), a bas�lica hoje ocupa uma �rea de 72 mil m². � no interior dela que est� a principal atra��o do santu�rio: a imagem de Nossa Senhora da Concei��o Aparecida, com seu manto azul e sua coroa de ouro - esta, doada pela princesa Isabel, em 1884.

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Um dos pontos mais visitados do santu�rio � a sala das promessas. L�, romeiros do Brasil inteiro podem deixar fotos e objetos em retribui��o a gra�as alcan�adas. Todos os meses, cerca de 18,5 mil itens s�o doados - de vestido de noiva a foto de miss, passando por caixote de engraxate, placa de carro, luva de boxe e m�quina de costura.

Mas, nem s� de milagre e devo��o � feita a hist�ria de Aparecida. O cap�tulo mais triste foi escrito no dia 16 de maio de 1978, quando Rog�rio Marcos de Oliveira, de 19 anos, tirou proveito de uma repentina queda de luz para tentar roubar a imagem. O sujeito correu at� o nicho, bateu com for�a no vidro e, depois de quebr�-lo, fugiu em disparada. Perseguido pelos fi�is, deixou a imagem cair no ch�o.

Na mesma hora, Rog�rio foi mandado para a pris�o e a Aparecida, para o Museu de Arte de S�o Paulo (Masp). "Mais do que restaurar a imagem, tive que reconstitu�-la", conta a artista pl�stica Maria Helena Chartuni, de 75 anos, que ajudou a dar um final feliz � hist�ria que j� dura 300 anos.

Uma hist�ria com v�rios detalhes interessantes e enigmas que ainda est�o sendo esclarecidos, ou para os quais especialistas t�m explica��es diferentes. Veja s�:

1. Quem batizou a santa encontrada no rio Para�ba do Sul de Aparecida?

N�o houve um "batismo" oficial. "De tanto o povo falar em aparecida daqui, aparecida dali, o termo ganhou inicial mai�scula e virou nome pr�prio", explica o jornalista Ricardo Marques, autor de Nossa Senhora Aparecida - 300 Anos de Milagres (Record). A prop�sito, n�o foi a cidade que cedeu o nome para a santa, a exemplo do que aconteceu em F�tima, Lourdes ou Guadalupe, e, sim, a santa que, no dia 17 de dezembro de 1928, emprestou seu nome para a cidade.

2. Como a santa foi parar no rio?

H� pelo menos duas hip�teses. A mais prov�vel � que, depois de quebrada, algum fiel tenha se desfeito dela - jogando ela no rio - para evitar mau agouro. "Manter defunto de barro dentro de casa era certeza de maldi��o", esclarece o jornalista Rodrigo Alvarez, de Aparecida - A Biografia da Santa que Perdeu a Cabe�a, Ficou Negra, Foi Roubada, Cobi�ada pelos Pol�ticos e Conquistou o Brasil (Globo).

Outra hip�tese, menos difundida, sustenta que a escultura, exposta numa capela de Roseira, munic�pio vizinho de Aparecida, teria sido arrastada durante uma enchente at� o Para�ba do Sul.

3. Quanto tempo a imagem teria permanecido no fundo do Para�ba do Sul?

Dif�cil saber. Segundo estimativa de Rodrigo Alvarez, "n�o mais do que cinco anos". Na opini�o do jornalista, a imagem pertencia � capela Nossa Senhora do Ros�rio, de propriedade do capit�o Jos� Correia Leite. Muito devoto, Correia Leite teria inaugurado a capela em 1712, cinco anos antes de a imagem ter sido resgatada pelos pescadores nas �guas do rio. J� pelos c�lculos do padre Jos� In�cio de Medeiros, superior provincial dos padres redentoristas de S�o Paulo, a santa n�o ficou cinco anos no leito do rio, mas 50.

"Se a imagem foi esculpida na segunda metade do s�culo 17 e encontrada no in�cio do s�culo 18, calculo que tenha permanecido entre 50 e 70 anos nas �guas do Para�ba do Sul", analisa.

4. Quem esculpiu a imagem da santa?

At� pouco tempo atr�s, a autoria da imagem era desconhecida. Hoje, acredita-se que tenha sido moldada pelo frei carioca Agostinho de Jesus. "Era disc�pulo do mais respeitado artes�o da �poca, o portugu�s Agostinho da Piedade", elucida a historiadora Tereza Galv�o Pasin, autora de Senhora Aparecida - Romeiros e Mission�rios Redentoristas na Hist�ria da Padroeira do Brasil (Santu�rio).

Pelas caracter�sticas da obra, chegou-se a cogitar que a imagem tenha sido esculpida pelo santeiro portugu�s. Mas, j� no s�culo 20, essa hip�tese foi descartada depois de conclu�rem que Aparecida fora moldada com barro paulista. "A argila usada era proveniente da cidade de Sales�polis, regi�o onde nasce o Para�ba do Sul", explica Padre Jos� In�cio.

5. Os pescadores que encontraram a imagem da santa eram, na verdade, escravos?

� bem prov�vel. A C�mara de Guaratinguet� tinha prometido uma recompensa para quem conseguisse pescar a maior quantidade poss�vel de peixes. A ideia era oferecer um banquete � comitiva de dom Pedro Miguel de Almeida Portugal, que estava prestes a assumir o cargo de governador da capitania de S�o Paulo e das Minas de Ouro. O futuro conde de Assumar passaria pelo vilarejo de Santo Ant�nio de Guaratinguet� no dia seguinte, 17 de outubro de 1717, a caminho de Minas Gerais.

Muitos barcos, inclusive o de Jo�o Alves, Domingos Garcia e Filipe Pedroso, sa�ram de um porto particular, na fazenda do capit�o Jos� Correia Leite, na vila de Pindamonhangaba, vizinha de Guaratinguet�. Dono de terras e muitos escravos, Correia Leite morreu em 1744.

Em seu testamento, deixou alguns escravos para seus herdeiros. Tr�s deles se chamavam Jo�o, Domingos e Felipe. Seria coincid�ncia?

"Sabendo que o capit�o era o dono do porto de onde os tr�s homens sa�ram no dia em que encontraram a santinha, n�o parece absurdo pensar que Felipe, Domingos e Jo�o eram escravos e foram pescar por ordens do homem poderoso que queria agradar ao governador", especula o jornalista Rodrigo Alvarez.

Coincid�ncia ou n�o, um dos primeiros miraculados da santa foi um escravo, Zacarias, que teria fugido de uma fazenda do Paran�. Ao ser recapturado no Vale do Para�ba, pediu ao feitor para rezar aos p�s da santa. Quanto o escravo se ajoelhou, as correntes se partiram, sem explica��o.

O padre Jos� In�cio refuta a tese de que os pescadores seriam escravos. "N�o h� comprova��o hist�rica", justifica. Ele at� admite que, naquela �poca, pescadores eram t�o desvalorizados socialmente quanto escravos, mas garante que Jo�o, Domingos e Filipe eram homens livres.

6. De quem � a imagem encontrada no rio?

Para o jornalista Ricardo Marques, n�o h� d�vidas: � de Nossa Senhora da Concei��o. Foi dom Jo�o 4º que, em 1646, promoveu a Virgem Maria ao posto de padroeira de Portugal. "Por essa raz�o, � prov�vel que o dono da imagem fosse portugu�s", acrescenta. O reitor do Santu�rio Nacional, padre Jo�o Batista de Almeida, concorda. E explica o motivo: "� Nossa Senhora da Concei��o, sim, porque ela est� gr�vida. N�o tem o menino no colo porque o traz na barriga", esclarece o sacerdote redentorista, no cargo desde 2016.

7. A princesa Isabel dizia ter recebido um milagre da santa?

Tudo indica que n�o. O que se sabe � que Isabel e seu marido, o Conde d'Eu, eram devotos ilustres da santa. Tanto que, vinte anos antes da promulga��o da lei �urea, os dois visitaram a imagem. Casados havia quatro anos, n�o conseguiam ter filhos. Dezesseis anos depois, o casal regressou a Aparecida. E, dessa vez, levou a prole: Pedro, Lu�s e Ant�nio.

Milagre? N�o se sabe. Pelo menos n�o � reconhecido pelo Santu�rio Nacional de Aparecida como um dos seis milagres hist�ricos. Ainda assim, Isabel presenteou a santa com uma coroa de ouro de 24 quilates, cravejada de diamantes.

8. Qual � a cor de Nossa Senhora da Concei��o Aparecida? Branca ou negra?

Para alguns, a escultura de barro ganhou seu caracter�stico tom escuro por causa do lodo do Para�ba do Sul. "A cor escura foi resultado da a��o do tempo e da �gua do rio", crava o jornalista Ricardo Marques. Para outros, o que teria enegrecido a imagem foi a fuma�a das velas do orat�rio improvisado na casa de Silvana da Rocha Alves, a m�e de Jo�o, um dos pescadores.

"Desde que foi encontrada no Para�ba do Sul, em 17 de outubro de 1717, at� o dia em que foi transferida para uma nova capela, em 25 de julho de 1745, a imagem foi submetida � fuma�a de candeeiros, velas e tochas por 28 longos anos", explica a historiadora Tereza Pasin.

9. A imagem exposta no Santu�rio Nacional de Aparecida � a mesma que fora encontrada no rio?

H� quem diga que n�o. Que se trata de uma r�plica perfeita da imagem original, guardada em algum cofre a sete chaves. O Santu�rio Nacional de Aparecida, por�m, garante que sim. A imagem exposta na Bas�lica � a mesma que fora encontrada, trezentos anos antes, nas �guas turvas do Para�ba do Sul.

Mas, por medidas de seguran�a, o nicho � protegido por um vidro � prova de balas e est� a quatro metros do solo. Com a exce��o da visita de papas, a santa s� sai de l� uma vez por ano. Quem cuida de sua manuten��o � Maria Helena Chartuni, a artista pl�stica que a restaurou em 1978. Depois de verificar minuciosamente se a escultura precisa de algum reparo, a imagem � devolvida ao nicho pelo reitor do Santu�rio.

10. A imagem foi encontrada no dia 17 de outubro de 1717. Por que, ent�o, a festa da Padroeira do Brasil � comemorada no dia 12 de outubro?

Segundo o historiador Leandro Karnal, a escolha pelo dia 12 de outubro n�o foi aleat�ria. Ele cita outras datas, como o descobrimento da Am�rica (12/10/1492), a aclama��o de Pedro 1º como imperador do Brasil (12/10/1822) e a inaugura��o da est�tua do Cristo Redentor (12/10/1931), como prov�veis fontes de inspira��o para a Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

"A data passou a ser uma conex�o c�vica e religiosa, celebra��o do catolicismo p�trio, de identidade da f� e do nacionalismo", observa Karnal, autor de Santos Fortes - Ra�zes do Sagrado no Brasil (Rocco). Desde 1953, o dia da Padroeira do Brasil � comemorado em 12 de outubro. Antes disso, j� fora celebrado no primeiro domingo de maio, no quinto domingo da P�scoa, no dia 7 de setembro (Dia da Independ�ncia) e no dia 8 de dezembro (Dia da Imaculada Concei��o).