
Ele � fruto da tese de doutorado da estudante do Programa de P�s-Gradua��o em Sa�de Coletiva da Fiocruz Minas Natalia Tenuta, sob orienta��o do pesquisador R�mulo Paes, l�der do Grupo de Pol�ticas de Sa�de e Prote��o Social.
A pesquisa foi encomendada pelo Minist�rio da Cidadania e pode contribuir com informa��es que ajudem no combate � fome no pa�s. O assunto voltou a ser discutido ap�s estudo publicado em junho revelar que 33 milh�es de brasileiros n�o t�m o que comer, e 58% da popula��o vive em algum grau de inseguran�a alimentar.
Para o pesquisador R�mulo Paes, o panorama tra�ado por meio do estudo mostra como se faz, na pr�tica, a pol�tica de seguran�a alimentar e nutricional.
“Com esse trabalho, � poss�vel saber onde est�o, o que �, como conseguem operar, de fato. Temos uma rede que, por meio de uma pol�tica p�blica desenvolvida no in�cio dos anos 2000, cresceu e se qualificou, ainda que nos �ltimos anos n�o tenha recebido incentivos. Portanto, esse trabalho permite saber em que ponto se est�, de forma que se possa retomar esse investimento com vigor”, afirma.
O que s�o bancos de alimentos?
Os locais s�o estruturas f�sicas e/ou log�sticas que oferecem o servi�o de coleta e/ou recebimento de alimentos doados, para que sejam distribu�dos gratuitamente a pessoas em situa��o de vulnerabilidade social. Foram criados por uma portaria do governo federal publicada em abril de 2016, e seu trabalho � fazer parcerias com organiza��es que atuam na produ��o, beneficiamento, comercializa��o e distribui��o de alimentos. O objetivo �, por meio de doa��es, evitar que potenciais perdas ou desperd�cios possam ocorrer ao longo da cadeia de produ��o e abastecimento.
Os alimentos arrecadados pelos bancos s�o selecionados, divididos em por��es e distribu�dos para institui��es sociais, complementando a alimenta��o de pessoas em vulnerabilidade social, alimentar e nutricional, com produtos em condi��es seguras de consumo.
Para identificar os bancos de alimentos que existem no Brasil, uma equipe liderada por Natalia Tenuta fez um levantamento de todas as iniciativas dessa natureza. Ao todo, foram identificados 233 bancos.
“Para chegar a esse n�mero, contamos com o apoio do Minist�rio da Cidadania, que forneceu dados da Rede Brasileira de Bancos de Alimentos, e do Departamento Nacional do Servi�o Social do Com�rcio (Sesc), que disponibilizou informa��es sobre a Rede Mesa Brasil, pela qual � respons�vel”, diz.
A doutoranda conta que foi feita tamb�m uma busca ativa das instala��es existentes e em funcionamento no pa�s, por meio de uma rede de contatos, al�m de not�cias publicadas na internet.
Com o levantamento em m�os, a equipe enviou um question�rio aos 233 bancos identificados. Desse total, apenas seis n�o responderam. Outros dez n�o estavam em funcionamento e, por isso, foram exclu�dos da amostra, totalizando 217 unidades investigadas. Em Minas, foram 42 locais identificados.
Perfil dos bancos de alimentos brasileiros
O estudo constatou que a gest�o dos bancos de alimentos ocorre em quatro modalidades:
- 42,86% s�o p�blicos, administrados e mantidos pelas prefeituras;
- 41,01% s�o da Rede Mesa Brasil, implantados e gerenciados pelo Sesc;
- 11,98% s�o de organiza��es da sociedade civil, instalados e custeadas por organiza��es mantenedoras e outros parceiros de apoio;
- 4,15% funcionam dentro das centrais de abastecimento (Ceasa)
Nesse �ltimo caso, h� lojas que vendem alimentos tanto no atacado quanto no varejo e s�o administradas e mantidas pelas pr�prias centrais de abastecimento, segundo a pesquisa.
Em Minas, a configura��o � a seguinte:
- 85,71% s�o p�blicos municipais
- 9,52% s�o da Rede Mesa Brasil Sesc
- 2,38% s�o de organiza��es da sociedade civil: 1 (2,38%)
- 2,38% s�o implantados em Centrais de Abastecimento (Ceasa)
Outro ponto destacado pelo estudo � a forma como os bancos de alimentos operam. Segundo os resultados, no Brasil, h� duas modalidades operacionais: convencional e colheita urbana.
Na convencional, o banco de alimentos funciona em um pr�dio adaptado para servi�os administrativos e operacionais, como triagem, armazenamento, porcionamento e distribui��o de alimentos para doa��o aos benefici�rios. As doa��es podem ser recebidas nas instala��es do banco ou recolhidas nos espa�os dos doadores. S�o os benefici�rios que buscam as doa��es diretamente no banco de alimentos.
J� na modalidade colheita urbana, apenas as atividades administrativas s�o feitas em uma matriz. A equipe operacional desses bancos vai at� os parceiros doadores para coletar as doa��es e faz, no pr�prio estabelecimento doador, as etapas de triagem e divis�o em por��es. Em seguida, os alimentos s�o entregues aos benefici�rios.
De acordo com o estudo, 64,52% dos bancos brasileiros operam na modalidade convencional, e 35,48%, na colheita urbana, sendo a Rede Mesa Brasil Sesc a que mais atua nessa segunda modalidade. Em Minas, 66,67% operam na modalidade convencional, e 33,33%, na urbana.
Bancos mais concentrados nas Regi�es Sudeste, Sul e Nordeste
A pesquisa constatou que existem bancos de alimentos em todos os estados do pa�s. Eles se concentram na Regi�o Sudeste, seguida por Sul e Nordeste. Os bancos de alimentos p�blicos est�o mais presentes no Sudeste, com destaque para Minas Gerais, com 36 unidades, e S�o Paulo, com 20. O estudo revela ainda que v�rios estados, principalmente da Regi�o Norte, n�o contam com bancos p�blicos de alimentos. J� os da Rede Mesa Brasil Sesc s�o os �nicos presentes em todos os estados e no Distrito Federal.
Os mantidos por organiza��es da sociedade civil se concentram em grande parte no Rio Grande do Sul, que tem 20 dos 26 bancos dessa modalidade. J� os que funcionam nos centros de abastecimento est�o localizados principalmente nas Regi�es Sul e Sudeste.
“As regi�es mais populosas, como Sudeste, Nordeste e Sul, s�o as que t�m mais bancos de alimentos. Entretanto, nos chamou aten��o haver grandes regi�es do pa�s sem bancos de alimentos e ainda o fato de alguns grandes centros urbanos, como Florian�polis, Manaus e Bel�m, terem apenas uma unidade”, comenta Natalia Tenuta.
Desempenho e objetivos fundamentais
A pesquisa verificou tamb�m o desempenho desses bancos de alimentos. Para fazer essa an�lise, a equipe formulou perguntas para compreender se os locais atendem aos objetivos fundamentais:
- combater perdas e desperd�cios de alimentos,
- garantir a seguran�a alimentar e nutricional e
- realizar a��es de educa��o alimentar e nutricional
Para verificar se os bancos est�o contribuindo para evitar as perdas e desperd�cios, o estudo investigou a proced�ncia dos alimentos disponibilizados pelos locais, al�m do perfil dos parceiros doadores.
Os resultados mostraram que 46,54% dos bancos de alimentos firmam parcerias com empresas que atuam no fim da cadeia de abastecimento alimentar, como armaz�ns, mercados, supermercados e hipermercados. Essa caracter�stica difere apenas nos bancos de alimentos das centrais de abastecimento que se articulam principalmente com parceiros doadores instalados na pr�pria central.
“Esses resultados mostram que os bancos de alimentos brasileiros est�o deixando de acessar parceiros potenciais, que atuam nas diferentes etapas da cadeia de produ��o e abastecimento. Isso indica a necessidade de se ampliar a coleta de alimentos em outros setores, onde ocorrem perdas significativas, como na produ��o, processamento, manipula��o e armazenamento de alimentos”, explica a doutoranda.
Os resultados mostraram ainda que algumas pr�ticas alternativas s�o utilizadas pelos bancos de alimentos brasileiros para complementar seus estoques. Um exemplo � a compra de alimentos por meio do Programa de Aquisi��o de Alimentos (PAA), iniciativa governamental que visa estimular a agricultura familiar.
Os bancos p�blicos foram os que mais acionaram o PAA, com 64,52% das unidades adotando essa pr�tica. Dentre os bancos da Rede Mesa Brasil do Sesc, 48,31% tinham esse estoque complementar, seguidos pelos bancos de alimentos das centrais de abastecimento (33,33%) e dos mantidos pelas organiza��es da sociedade civil (15,38%).
“Os gestores est�o aproveitando uma estrutura f�sica j� dispon�vel e tamb�m uma equipe capacitada para lidar com alimentos para apoiar o programa de est�mulo � agricultura familiar, que tamb�m � uma pol�tica p�blica. Mas � preciso cuidado, pois � medida que as compras de alimentos crescem em import�ncia dentro dos bancos, essas unidades podem se desviar de seu objetivo primordial de combater perdas e desperd�cios”, afirma Natalia Tenuta.
Ela ressalta que tudo precisa ser equalizado para potencializar o melhor dos dois programas. “No caso do PAA, exige-se muito da qualidade dos alimentos, ou seja, n�o se compra uma banana madura demais, pois ela vai estragar muito r�pido; por outro lado, ao conectar seus parceiros doadores, o objetivo do banco � justamente coletar os alimentos que podem se perder se n�o forem consumidos rapidamente”, avalia.
A atua��o em rede tamb�m fez parte da an�lise. Conforme a pesquisa, 57,60% dos bancos de alimentos participam de redes locais e/ou regionais. Essa forma de atuar ocorre em:
- 92,31% dos bancos de alimentos das organiza��es da sociedade civil,
- 58,06% dos bancos de alimentos p�blicos,
- 48,31% dos bancos de alimentos da Rede Mesa Brasil Sesc e
- 44,44% dos bancos de alimentos das centrais de abastecimento
Garantir seguran�a alimentar e nutricional
Para verificar o cumprimento do segundo objetivo - garantir a seguran�a alimentar e nutricional -, a pesquisa investigou o perfil dos principais benefici�rios dos bancos de alimentos brasileiros.
Os resultados mostraram que 41,47% dos bancos t�m fam�lias em risco social como principais benefici�rias, enquanto 36,87% atendem principalmente crian�as, por meio da entrega de doa��es de alimentos para creches. Nas quatro modalidades, esses dois perfis de benefici�rios s�o os mais expressivos.
Outro aspecto monitorado foi o perfil nutricional dos alimentos mais recebidos pelos bancos de alimentos. O levantamento constatou que 85,25% dos bancos brasileiros t�m frutas e hortali�as como o tipo de alimento mais recorrente nos estoques, caracter�stica detectada em 96,63% das instala��es da Rede Mesa Brasil Sesc, em 91,40% dos bancos de alimentos p�blicos municipais e em 88,89% dos instalados em centrais de abastecimento.
“Por se tratar de uma iniciativa que tem o objetivo de garantir seguran�a nutricional, � importante se afastar dos alimentos ultraprocessados. Portanto, ficamos felizes em constatar que est�o sendo arrecadados produtos que cumprem bem esse objetivo”, comenta a pesquisadora.
Em rela��o � qualidade, 90,32% dos bancos de alimentos brasileiros disseram utilizar at� 75% do volume total de alimentos coletados. Desses, se destacam os bancos de alimentos das organiza��es da sociedade civil e a Rede Mesa Brasil Sesc por apresentarem as maiores taxas de recupera��o, utilizando 96,15% e 95,51% dos alimentos arrecadados, respectivamente. A maioria dos bancos de alimentos investigados consegue distribuir mais de 20 toneladas de alimentos anualmente, sendo que alguns ultrapassam essa marca.
“Observamos que os bancos que trabalham em rede t�m um percentual de aproveitamento maior. Essa atua��o permite fazer trocas, potencializando a estrutura e os recursos que cada um tem”, avalia a pesquisadora.
Por fim, o estudo tamb�m constatou o cumprimento do terceiro objetivo dos bancos: promover a��es de educa��o alimentar e nutricional. Em 87,56% deles, as atividades s�o voltadas para institui��es, fam�lias benefici�rias e pessoas f�sicas, seguidas de a��es voltadas para seus colaboradores e funcion�rios (86,64%). As atividades educativas s�o oferecidas aos parceiros doadores por 75,12% dos bancos de alimentos.
Iniciado em 2018, o estudo � o primeiro a ser feito no Brasil abrangendo todos os bancos de alimentos, em todas as suas modalidades. Os resultados da pesquisa foram descritos em um artigo intitulado Brazilian Food Banks: Overview and Perspectives, publicado recentemente no International Journal of Environmental Research and Public Health.